¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, janeiro 29, 2011
 
PSICANALISTA ABSOLVE
CRIMINOSO, DESDE QUE
O CRIME SEJA REPETIDO



Existe uma tendência nas esquerdas contemporâneas de absolver todo e qualquer crime. Crime não é crime. É doença. Logo, criminoso não é um criminoso que precisa ser punido. É um doente que precisa ser tratado. De onde vem esta perversão, confesso que não sei. Arrisco palpites. Talvez da longa convivência com a Igreja Católica, que não lida com o conceito de crime. E sim com o de pecado. Para quem peca, basta uma confissão e um ato de contrição e estamos quites com a sociedade e com as vítimas. Padres pedófilos não são criminosos, mas homens doentes que devem ser tratados e são merecedores de perdão. Você pode ter matado sua mãe. Mas se manifestar seu arrependimento ante um sacerdote, está livre de qualquer sanção.

Não bastasse essa filosofia barata de esquerda ver doença quando se trata de crime, a psicanálise – ou pelo menos um psicanalista – vê no crime uma manifestação de talento. Terça-feira passada, um menor de 14 anos foi apreendido pela 17ª vez, depois de ser detido ao volante de um carro furtado em Cidade Ademar. Sendo menor, não vai para a cadeia. Mas para a Casa, novo nome adotado pela antiga Febem, depois que Febem virou pejorativo. Antes tínhamos febenzinhos. Quando os menores internados na Casa passarem a ser conhecidos por casinhas, não tem problema. Troca-se mais uma vez o nome da fundação.

Mas há quem discorde desta medida brutal das autoridades. Para o presidente da Comissão da Criança e do Adolescente da OAB, Ricardo Cabezón, o menino não poderia ter sido levado à Fundação Casa porque o caso não atende a previsão legal de grave ameaça ou descumprimento de medidas socioeducativas. "Isso representa uma vergonha para a Justiça. Passados cinco anos não conseguem resolver o problema de uma criança. Esse garoto precisa de um acompanhamento psicológico muito próximo para canalizar essa hiperatividade e afastá-lo do crime."

Especialista em adolescentes em conflito com a lei, o psicanalista Jorge Broide diz que o garoto tem um talento que precisa ser aproveitado e pode ser transformado numa coisa útil para ele e para a sociedade. A obsessão por carros, por exemplo, pode revelar uma capacidade inata por mecânica ou competições de corrida, diz Broide.

Em entrevista à Folha de São Paulo, o psicanalista evoca seu guru: “Uma das questões mais importantes abordadas por Freud foi a compulsão pela repetição. É preciso saber o que esse garoto vive e o que está querendo dizer com isso. Inconscientemente ele manifesta um problema na vida que nem ele sabe o que é”.

Onde a justiça errou? – pergunta o repórter – partindo da conclusão tácita de que é um erro internar na Casa um criminoso. Responde o psicanalista:

- Isso não é visto como um talento. A posição do Estado é repressiva, apreendeu 17 vezes e não adiantou nada. A Justiça falha ao não ver o talento desse menino. É mais fácil criminalizar.

Traduzindo: se o Estado prende um criminoso 17 vezes e não adianta nada, o melhor que se tem a fazer é reconhecer no criminoso algum talento e encaminhá-lo a uma profissão compatível com sua especialidade. Quantos talentos foram perdidos com a política repressiva do Estado! Quantas vocações para açougueiro ou sushiman foram desperdiçadas só porque o malvado Estado põe na cadeia quem esfaqueia a própria mãe.

Quantos séculos serão necessários para a sociedade redimir-se da injustiça contra Chico Picadinho, o capixaba que esquartejou duas mulheres? Seu erro terá sido esquartejar apenas duas. Se manifestasse sua compulsão pela repetição, na ótica do psicanalista Broide, estaria simplesmente manifestando um problema na vida que nem ele sabia o que fosse.

É espantoso ver um jornal como a Folha conferindo foros de autoridade a palpiteiros que legalmente sequer existem como profissionais. Pois psicanálise não é profissão reconhecida por lei. Dr. Broide aproveita o azo para valorizar a profissão que não existe:

- É preciso fazer uma escuta psicanalítica para saber o que ele quer dizer e potencializar esse talento que ele tem. Essa compulsão é uma coisa incontrolável. Essa aptidão pode se transformar numa coisa útil para ele e para a sociedade.

Se é incontrolável, então tá! É profundamente injusto punir criminosos que têm propensões incontroláveis. Quem sabe estamos matando, no menor reincidente, um futuro ministro dos Transportes.

Longa vida à psicanálise. Os criminosos, penhorados, agradecem.