¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, fevereiro 10, 2011
 
APPLE QUER ROUBAR UM DOS
ÚLTIMOS PRAZERES DO CLERO



Vários leitores – creio que à espera de um comentário – me enviaram links sobre um novo aplicativo que permite aos pecadores se confessarem direto no iPhone e iPad. Os gadgets da Apple se tornaram um confessionário com o Confession: A Roman Catholic App (Confissão: Um Aplicativo Católico Romano), que teria sido aprovado pela Igreja Católica.

Segundo as primeiras notícias, seguindo um pedido do próprio Papa Bento XVI, que orientou os fieis quanto ao uso das novas mídias, o programa orienta pecadores ao caminho da confissão, com um exame individual da consciência de cada usuário. "Se usada corretamente, pode contribuir para satisfazer o desejo de significado, verdade e unidade que continua sendo a mais profunda aspiração de cada ser humano", disse o Papa no Dia Mundial da Comunicação.

Me permito duvidar. Embora os católicos, de modo geral, há muito não se confessem, duvido que a Igreja renuncie a esse formidável instrumento de humilhação do ser humano. No confessionário, todo católico – este animal em perigo de extinção – se ajoelha ante o padre e admite espontaneamente pecados que nem acredita que sejam pecados, a um tirano que exerce com prazer sua tirania. Desconheço sacerdote que renuncie ao poder do qual se imbui.

Entre as raridades de minha biblioteca, tenho uma antologia, Les Livres Secrets des Confesseurs. É um manual de como pecar. Sob pretexto de desvendar pecados, os confessores informam ao penitente sobre pecados que eles sequer imaginavam. Durante séculos – e até há bem pouco tempo – a confissão esteve intimamente ligada à vida sexual dos crentes. O confessor queria saber detalhes do comportamento na cama – e fora dela - até mesmo de pessoas legitimamente casadas. A Igreja invadia o leito conjugal e determinava como marido e mulher nele deviam comportar-se.

Havia um deleite especial do confessor em perguntar: “quantas vezes, meu filho?”. Se referia, é claro, aos ditos prazeres da carne. É de supor-se que, nestes dias onde os santos padres se atribuem o direito às primícias de adolescentes, o foco tenha mudado. Mas duvido que um sacerdote pergunte a algum empresário ou político catolicão – e eles existem ou pelo menos fingem que são católicos – quantas vezes ele visitou uma offshore.

Me permito duvidar, dizia. Ontem mesmo, o Vaticano advertiu que os católicos não poderão se confessar pelo iPhone e pelo iPad. Segundo o porta-voz Frederico Lombardi, a presença física no confessionário é imprescindível, quando se admitem os pecados a um padre. "Não se pode confessar de forma alguma pelo iPhone", disse Lombardi, acrescentando que a confissão requer a presença do penitente e do padre. "Isso não pode ser substituído por nenhum aplicativo de TI", afirmou.

Só o que faltava! Nestes dias em que curtir jovens efebos virou infâmia, retirar dos padres um de seus últimos prazeres, o sexo oral. Não falo de felação, mas de sexo por telefone. Só que, para os padres, era sem telefone. Olho no olho. Mais íntimo e mais prazeroso.

Sem falar que a idéia desta confissão a aparelhos não é nova. Em maio de 2007, quando Bento XVI veio a São Paulo canonizar aquele vigarista que prescrevia a ingestão de orações impressas em rolinhos de papel, o tal de frei Galvão, já se falava em confissão pela Internet. Embora não reconhecida pela Igreja, já era adotada por grupos religiosos nos Estados Unidos. O que era então contestado pelos teólogos tupiniquins.

“A confissão é algo muito particular, muito íntimo, e deve ter o menor número de interferências possível. A tecnologia cria uma distância entre as pessoas e, por isso, não funciona nesses casos”, dizia então Jorge Claudio Ribeiro, professor titular do departamento de teologia e ciências da religião da PUC/SP. Sua colega Regina Maria Lopes, professora de introdução à teologia desse mesmo departamento, ajuntou: “na confissão, os gestos e tom de voz são muito importantes. Se ela for feita pela internet, não há como a pessoa que ouve interpretar esses sinais”.

A tecnologia ameaça roubar os últimos prazeres permissíveis do clero. Abaixo a tecnologia, reage o Vaticano.