¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, fevereiro 01, 2011
 
EL QUE VENDRÁ,
BUENO TE HARÁ



Estou me divertindo com a reação da imprensa aos levantes populares na Tunísia, Egito e Iêmen. Um ingênuo jornalista gaúcho chegou a assim titular sua crônica:

TREMEM AS ÚLTIMAS DITADURAS DA ÁFRICA

Em primeiro lugar, que África? Pelo jeito, o cronista andou fazendo gazeta em suas aulas de geografia. Se a Tunísia fica na África, Egito e Iêmen são Oriente Médio. Em segundo, que últimas ditaduras da África? Por acaso existe na África alguma democracia?

Falar nisso, de repente fala-se no ditador do Iêmen, Ali Saleh. No ditador da Tunísia, Zine el Abidine ben Ali. No ditador do Egito, Hosni Mubarak. Ora, estes senhores governam com mão de ferro seus países há décadas, e jamais ouvimos dizer nas últimas décadas que eram ditadores. Os últimos ditadores de que tínhamos notícia eram Idi Amin Dada, de Uganda, e Mobutu Sese Seko Nkuku Ngbendu wa Za Banga, do Zaire. (A título de curiosidade, seu nome significa “O Todo Poderoso Guerreiro que, por sua Força e Inabalável Vontade de Vencer, vai de Conquista em Conquista, deixando fogo em seu Rastro”). Os jornalistas parecem ter feito gazeta também nas aulas de história contemporânea.

O coronel Muammar Kadafi foi tido por algum tempo como ditador da Líbia. Depois que indenizou os familiares das vítimas daquele avião da Pan Am que mandou derrubar sobre Lockerbie em 1988, virou de novo gente de boa família. A França o recebeu com sua tenda beduína e com o harém que lhe serve de guarda pessoal. “A França acolhe um chefe de Estado que desisitiu definitivamente de fabricar a bomba atômica, decidiu colocar seu programa nuclear sob controle das organizações internacionais, renunciou de forma categórica o uso do terrorismo e decidiu indenizar as vítimas', disse Nicolas Sarkozy. De ditador e terrorista, foi de repente promovido a chefe de Estado. Também, pudera! Fechou com a França contratos da ordem de 10 bilhões de euros. Business are business.

Mas, enfim... Sua Santidade, o papa Paulo VI, não recebeu Idi Amin Dada? Idi Amin é aquele dirigente africano que costumava afirmar: “nenhum homem corre mais rápido que uma bala de fuzil”.

Mais recentemente, Saddam Hussein também virou ditador. Mas só depois que Bush invadiu o Iraque. Antes disso, Saddam tinha muito prestígio no Ocidente. Particularmente na França, que estava construindo um reator nuclear - o Osirak - em Al Tuwaitha, ao sul de Bagdá. Em 1975, Saddam foi guiado por Jacques Chirac em uma visita a uma usina nuclear na França. Na ocasião, o presidente francês declarou: “o Iraque está num processo de desenvolvimento de um programa nuclear coerente e responsável. A França deseja associar-se a ele neste esforço". Business is business.

O Canard Enchainé batizou então o projeto nuclear de Saddam de Ochirac. Em 81, Israel destruiu o Ochirac.

Quando a imprensa ocidental falará dos ditadores da Arábia Saudita, dos Emirados Árabes Unidos, de Omã, Katar, Síria? Pelo jeito, teremos de esperar que centenas de pessoas sejam mortas durante protestos. Aí, descobriremos de repente que havia ditadores na Arábia Saudita, nos Emirados Árabes Unidos, em Omã, Katar e Síria.

Há um frisson de entusiasmo nas redações ocidentais, que saúdam os recentes levantes na África e Oriente Médio como uma marcha rumo à democracia. Esse filme já vi em Paris. Em 1979. A mesma alegria invadiu corações e mentes quando Khomeini entrou em Teerã com seus pasdarans, metralhando e destruindo tudo que lembrasse Ocidente. A libertária França, esta mesma que mais tarde acolheria Saddam e Kadafi, deu generoso abrigo ao futuro tirano. A França estava construindo o metrô de Teerã. Business is business.

Sentado em seu tapete nos arredores de Paris, o aiatolá recebia iranianos e simpatizantes de toda a Europa. Eu tinha duas amigas iranianas, uma mais sensual que a outra, que estudavam física nuclear e nos levavam ao delírio com suas danças de ventre. Perfeitamente integradas ao Ocidente, as moças foram virar seus adoráveis bumbuns para a lua em Neauphle-le-Chateau, em reverência ao velhote sanguinário, que até então não tinha mostrado ao que vinha.

Reza Pahlevi não era, bem entendido, o que se chama de um democrata. Mas o aiatolá, além de levar o Irã a uma guerra com o Iraque, fez um dos raros Estados muçulmanos com ares de modernidade retornar à Idade Média. Em pouco tempo, as mulheres, que gozavam de total liberdade durante o regime do Xá, perderam o direito de exercer uma profissão, foram proibidas até mesmo de dirigir e tiveram de portar o chador. Minhas amigas iranianas fizeram marcha a ré. Não mais voltaram a seu país.

O aiatolá fuzilou homossexuais e prostitutas e proibiu desde o cinema até a música. Um médico, ao examinar o sexo de uma mulher, não podia olhá-lo diretamente, tinha de usar um espelho. As esquerdas no mundo todo – de Michel Foucault a Paulo Francis - vibraram: era mais uma derrota do Grande Satã. Para o filosofador francês, Khomeini refletia a “perfeita vontade do povo iraniano. É talvez a primeira grande insurreição contra os sistemas globais, a forma de revolta mais moderna e mais insana”.

Saldo da volta de Khomeini ao Irã: um milhão de mortos.

É muita ingenuidade do Ocidente julgar que podem existir democracias no mundo muçulmano. Os países que vivem sob a égide do Islã jamais reconhecerão leis emanadas de um Parlamento. Pois as leis foram prolatadas ad aeternum pelo Profeta, e amaldiçoado seja quem as contestar.

Nestas convulsões no mundo árabe e africano, sempre é bom lembrar o velho dito espanhol: el que vendrá, bueno te hará. Remember Reza Pahlevi. Em teocracias, não há lugar para democracias.