¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, fevereiro 16, 2011
 
FEMINISTAS PEDEM CABEÇA
DE BERLUSCONI NA ITÁLIA
DA DEPUTADA CICCIOLINA



Volto à affaire Berlusconi. Leitores mais chegados ao cinema já devem ter visto o belíssimo Mediterrâneo, filme de Gabrielle Salvatores. A história se passa na década de 40, quando um grupo de soldados italianos é mandado para uma ilha da Grécia, para proteger o lugar. Os anos passam e eles são esquecidos lá.

Belíssimo, disse. Mas mentiroso. Ilha grega é uma maravilha para se fazer turismo. Morar numa delas é outro papo. Certo, existem as grandes ilhas como Creta, Lesbos, Mikonos e mesmo Santorini, onde o turismo dá um ar de cosmopolitismo às cidades. Mas pequena ilha grega é um desastre. Enfim, Salvatores faz de sua ilhota um pedaço de paraíso, onde os soldados italianos fogem da civilização e do agito das metrópoles. Já no início do filme, o diretor alerta seus espectadores: dedica sua obra aos que buscam evasão.

Um dos belos momentos do filme é quando Vassilissa – interpretada por Vana Barba, miss Grécia 1984 – se apresenta aos soldados:
- Io sono la puttana.

Uma escala é feita para que Vassilissa atenda os italianos. O problema surge quando um oficial se apaixona pela moça e repele à bala os demais clientes. A puttana é promovida à esposa. (Esposa é palavra que normalmente não uso, soa à mulher de corretor de imóveis ou membro do Rotary Club. Mas no caso cabe).

O filme é mentiroso, dizia. Salvatores constrói um paraíso artificial, onde tudo é paz e amor. Se é para definir uma ilha grega, prefiro Zorba, o Grego, de Michael Cacoyannis, baseado no romance de Nikos Kazantzakis. Seja como for, Mediterrâneo fascina, como toda mentira contada com arte. Vassilissa é uma menina meiga, toda pureza e virtudes.

Desde tempos imemoriais, a prostituta é personagem constitutiva de todas as sociedades. Foi louvada tanto por Tomás de Aquino como por Sade. Diz o aquinata:

“Eliminai as mulheres públicas do seio da sociedade e a devassidão a perturbará com desordens de toda a espécie. São as prostitutas, numa cidade, a mesma coisa que a cloaca num palácio; suprimi a cloaca e o palácio tornar-se-á um lugar sujo e infecto”.

O divino marquês é mais efusivo:

“Chamam-se assim, minha muito querida, essas vítimas públicas do deboche dos homens, sempre prontos a entregar-se ao seu temperamento ou ao seu interesse; felizes e respeitáveis criaturas que a opinião pública infama e a volúpia coroa, e que muito mais necessárias à sociedade do que as recatadas, têm a coragem de sacrificar, para servi-la, a consideração que essa sociedade ousa negar-lhes injustamente”.

Putas. Putae, puteus. Poço, cisterna. Se hoje elas são marginalizadas, escondidas sob o eufemismo de massagistas, já foram hetairas, aulétrides e hieródulas, e legaaram à posteridade nomes imortais: Lâmia, Aspásia, Frinéia, Thaís, Laís. Sólon foi o primeiro legislador a reconhecer suas nobres funções, merecendo de Filémon justa homenagem em sua oração fúnebre:

“Por isto te tornaste um benfeitor de teus cidadãos, reconheceste nessa instituição só o bem e a tranqüilidade do povo. Ela se tornava absolutamente necessária numa cidade em que a juventude turbulenta já não se podia conter, nem obedecer à mais imperiosa lei da natureza. Instalando mulheres em certas casas, preveniste desgraças e desordens de outra forma inaceitáveis”.

Nos dias em que vivi na Suécia, as profissionais eram vistas como beneméritas, assistentes sociais que supriam as carências dos desvalidos do ponto de vista sexual ou emocional. Hoje, no reino dos Sveas, prostituição é crime. Isto é, crime para o cliente. A prostituição continua sendo permitida. Toda mulher pode vender seu corpo. O que não se pode é comprá-lo.

Berlusconi será julgado, em abril próximo, por ter pago pelos favores de uma profissional de alto bordo. Seu pecado foi ter usado os serviços da menina quando ela tinha 17 anos. Como se 17 ou 18 anos fizessem diferença no ofício. Em meus dias de Paris, final dos anos 70, a polícia francesa prendeu uma certa Madame Claude, famosa por enviar menininhas para os xeiques árabes. Mas menininhas de 12, 13 e 14 anos. Um policial perguntou por que ela não mandava meninas de 18, assim estaria livre de complicações legais. Respondeu a Madame: mais Monsieur, à cet âge-là elles sont déjà à la retraite.

Traduzindo: nessa idade elas já estão aposentadas. Concluindo: as feministas italianas, que pedem a cabeça do Cavaliere, estão sendo hipócritas. Quem detém o poder, desde John Kennedy a François Mitterrand, tende a ser mulherengo. Pode ser que não pague em moeda sonante, mas sempre acaba pagando em mordomias. Ninguém jamais pediu a cabeça destes ilustres senhores, que usaram o poder que detinham para bem folgar.

Seja como for, é incongruência pedir a prisão de um primeiro-ministro que gosta do bom esporte em um país que elegeu como deputada uma atriz pornô, a húngara Ilona Staller, mais conhecida como Cicciolina.