¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, fevereiro 14, 2011
 
REVOLUÇÃO? ONDE?


Deus morto, escreve Albert Camus, é preciso transformar e organizar o mundo com as forças do homem. A partir deste dado, começa suas reflexões sobre a revolta histórica. Urge fazer uma distinção entre a revolução e o movimento de revolta. Spartacus não é um revolucionário, ele não quer mudar os princípios da sociedade romana. Ele se bate para que o escravo tenha direitos iguais aos do senhor, recusa a servidão e quer a igualdade com seu amo. Esta vontade de igualdade o conduzirá ao desejo de tomar o lugar do amo.

A revolução, por sua vez, é a mudança total. A partir da concepção astronômica de revolução – movimento que fecha um ciclo, que passa de um regime a outro após uma translação completa – Camus precisa sua definição. A revolução implica uma mudança do regime de governo. Para que uma mudança econômica seja uma revolução econômica é preciso que ela seja ao mesmo tempo política. Sejam seus meios sangrentos ou pacíficos, é a mudança política, a mudança de governo, que distinguirá a revolução da revolta. Esta dicotomia fundamental é posta em relevo pela frase célebre, citada por Camus: "Não, Sir, não se trata de uma revolta, mas de uma revolução".

Um wishful thinking perpassa a imprensa do Ocidente, nestes dias em que Tunísia e Egito derrubaram suas ditaduras e este movimento tende a espalhar-se por outros países árabes e africanos. As manchetes todas falam em revoluções democráticas. Cabem duas perguntas. Primeiro, como saber se são revoluções e não meras revoltas? Isto só o tempo dirá. O que temos, por enquanto, tanto na Tunísia como no Egito, é a deposição de dois ditadores. Que, diga-se de passagem, durante décadas a imprensa e os governos ocidentais trataram como presidentes. Só agora, em 2011, descobriram que eram ditadores.

O mesmo ocorreu com Cuba. Durante pelo menos três décadas de óbvia ditadura, Fidel mereceu o título de presidente. Em meus dias de Folha de São Paulo, nos anos 90, após trinta anos de férrea ditadura, Castro ainda era presidente. Meu editor fazia malabarismos para justificar esta condição. Em Cuba há eleições, dizia, e se Fidel foi eleito, é presidente. O que ele escamoteava era a natureza das eleições, nas quais não podiam se apresentar opositores. Ditadores adoram eleições. É a chance de se elegerem com 90% ou mais de votos.

Com o passar dos anos, com a queda do muro, com o esfacelamento da União Soviética e o desmoronamento do comunismo, Fidel virou mala sem alça. Mas foram necessárias pelo menos décadas para que a imprensa tupiniquim descobrisse que a ditadura cubana era uma ditadura. Longa é a viagem das esquerdas até o entendimento.

Timidamente, alguns jornais já começam a chamar Abdelaziz Bouteflika de ditador. Quer dizer que não era ditador? Quantos cadáveres de algerianos serão necessários para que Bouteflika deixe se ser presidente?

Segunda pergunta: que história é essa de revoluções democráticas? Democracia não é apenas direito ao voto. Mas também igualdade de direitos para todos os cidadãos, livre imprensa e livre expressão do pensamento. Como falar de democracia em países onde mulheres são castradas já na infância, onde o macho tem legalmente o direito a quatro fêmeas e a mulher pode ser lapidada se ousar trocar de cama? Onde homossexuais podem ser condenados à morte? Onde qualquer opinião desairosa sobre a religião vigente constitui crime? Onde a imprensa não pode contestar o governo? Onde as leis não são as normas elaboradas por um Parlamento, mas emanações de livros religiosos?

Não se pode falar de democracia em teocracias. Não se passa de uma teocracia para uma democracia da noite para o dia. Democracia exige longa educação através das décadas. Nunca houve, em países árabes, o que se possa chamar de democracia. Ora, um bruto não se transforma, em um passe de mágica, em cidadão culto e liberal. Os países árabes só conhecerão democracia no dia em que se libertarem do Islã.

Isto não será para amanhã. A meu ver, nem para depois de amanhã. O Ocidente precisou de séculos para libertar-se da opressão da Igreja Católica. A Hégira está quatrocentos anos atrasada em relação à era cristã. No ritmo em que marcha a História, quem sabe lá pelos 2.400, 2.500... E olhe lá!

Volto ao Egito. Hosni Mubarak foi deposto como ditador, corrupto e ladrão. Sua fortuna, segundo os jornais, estaria avaliada em 70 bilhões de dólares, o que faria dele o homem mais rico do mundo. Sempre há o que sugar de um país pobre. Onde está Mubarak? A meu ver, após a “revolução” vitoriosa, deveria estar na cadeia. Está no entanto – pelo que sabemos até hoje – em seu próprio país, livre como um passarinho. Mais precisamente, em Sharm el-Sheikh, balneário das elites egípcias e do jetset internacional. Longe da imundície e da miséria do Cairo.

O Exército assumiu o poder vacante no Egito. Querem os militares mudar os princípios da sociedade egípcia? Claro que não querem. O que houve foi uma troca de síndico. Que revolução é essa que abriga o ditador deposto em um balneário de luxo? Ora, contem outra. Essa não convence.