¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV
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sábado, fevereiro 12, 2011
SOBRE ÓPERAS E SANDUÍCHES Minha opção pelos DVDs ocorreu neste século. Até que foi rápida, a nova tecnologia recém tinha chegado ao Brasil. Foi mais ou menos por acaso. Meu leitor de CDs pifou, o concerto custava quase o preço de um aparelho novo. Decidi então comprar logo um leitor de DVDs. Foi quando descobri que um DVD editado na zona 1 não pode ser lido por um leitor de DVD da zona 2. OK! Comprei um leitor multi-zona. Tecnologia puxa tecnologia. Eu tinha um televisor antigo, coisa de mais de década de idade. Não lia DVDs. Vamos lá, troquei de televisor. Vai daí que o novo televisor só lia em preto e branco. Tive de adaptá-lo aos novos tempos acoplando um outro aparelhinho. Não se passou uma década e já estamos nos dias do Blu-ray. Ainda não cheguei lá. Não me queixo. O DVD satisfaz minha necessidade de óperas. Ainda ontem, uma amiga lembrava minha recusa de vestir terno para ir a uma ópera. Não que eu me recuse a vestir terno. Me recuso, isto sim, a carregá-los. Minha maletinha, para uma viagem de 30 dias, pesa seis, no máximo, sete quilos. Não vou carregar mais uns dois quilos só para assistir a um ou dois espetáculos. Certa vez fui na Staatsoper, em Viena. Na chapelaria, seqüestraram meu parka. Fiquei em manga de camisa. Me senti despido entre os pingüins. A última vez que usei terno foi em 81, em Paris, para defender minha tese. Não me passa pela cabeça a idéia de pôr um terno em minha maleta, só para assistir uma ópera. Já em Nova York, me senti chez moi. Tanto no Metropolitan como no City Opera, é normal o pessoal ir de jeans. Melhor trazer as óperas aqui para casa. Sem falar que no DVD vejo até a expressão facial dos cantores, o que nem sempre se consegue ver num palco. E curto o espetáculo quando e quantas vezes quiser. Já assisti a mais encenações de Mozart do que o próprio Mozart. Coitado d’el, como diria o Pessoa. Nem tinha como. Por outro lado, há óperas que só podem ser vistas em filme. É o caso de minha Carmen predileta, a do Francesco Rosi. Foi filmada em Sevilha, Ronda e nas montanhas da Espanha. E a Julia Migenes está soberba. A dança de sedução do Don José é algo nunca visto no mundo operístico. Como cada encenação é um espetáculo novo, tenho diversas versões de cada uma. Devo ter umas sete ou oito Carmens. Na última viagem, comprei mais duas. Uma com a orquestra da Royal Opera House, regida por Antonio Pappano, com Anna Caterina Antonacci e Jonas Kaufmann. E outra do Metropolitain Opera, regida por Yannick Nézet-Séguin, com Elina Garanča e Roberto Alagna. Nenhuma, devo confessar, que lembre, nem mesmo de longe, a sensualidade da Migenes. Isto para responder à pergunta de um leitor, o Gustavo Rodarte: “Caro Janer, gostaria de sua opinião sobre a Coleção "Grandes Óperas" da Folha de São Paulo. Vale a pena adquirir para quem não tem nada e não sabe nada sobre o assunto e gostaria de ter um primeiro contato com este tipo de arte?” Valer, vale. Nestes dias poluídos pelo rock, toda ópera é bem-vinda. Mas... mas... mas... sempre tem um mas. A oferta da Folha, aparentemente nobre, digna e justa, no fundo é mesquinha. Nestes dias de DVD, ópera em CD já não tem muito sentido. Sim, há milhares de óperas encenadas em época anterior ao DVD. Mas estas gravações perderam seu encanto. Já são peças de museu. Tenho muitas delas, em geral da Deutsche Grammophon. Estão aposentadas. Dei uma olhadela rápida na relação das 25 óperas da Folha. Não encontrei Don Giovanni. Certo, de Mozart lá está A Flauta Mágica. O critério do jornal foi, a meu ver, não repetir nenhum compositor. Mas toda antologia operística estará incompleta sem Don Giovanni. Ainda mais quando oferece a pouco conhecida Fidelio, de Beethoven. Ou João e Maria, de Humperdinck. Ou Rinaldo, de Handel. Ou Tito Manlio, de Vivaldi. Tudo bem, é sempre bom trazer a público algo pouco conhecido. Mas faltou Nabuco, Rigoletto, Così fan tutte, L'Italiana in Algeri, Il Turco in Italia, Les pêcheurs de perles e por aí vai. Cheguei à ópera um pouco tarde, já contei. Lá pelos 30 anos. É que havia em Porto Alegre uma cantora obesa, a Eny Camargo. Quando interpretava uma Carmen ou uma Violetta era um desastre. Como conceber a cigana sensual em um corpo sem meneios, ou uma tísica em um perfil de baleia? Estou sendo cruel, é verdade. A Camargo não faria feio em uma ópera cantada. Mas no palco, não convencia ninguém. Faltava le physique du rôle. Foi só em Paris, assistindo a uma Carmen com a Berganza, que me reconciliei com o gênero. Sim, acho que a coleção da Folha vale a pena. Mas não é generosa. A Folha permaneceu no século passado. Propôs a seus leitores um sanduíche. Quando poderia ter oferecido uma lauta refeição. |
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