¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, março 30, 2011
 
BARÃO DE ESQUERDA QUER
RICOS PERTO DAS FAVELAS



Há um curioso fascínio, por parte de turistas do Primeiro Mundo, pelas favelas do Rio. Tem de ser favela do Rio. De São Paulo, Porto Alegre ou Florianópolis não vale. É fascínio que não entendo. Jamais me ocorreria, ao visitar uma cidade, buscar suas áreas mais pobres. Já nem falo em Bill Clinton ou Danielle Mitterrand, esta última freguesa de livreta das favelas cariocas. Mas do turista comum. A primeira coisa que um alemão ou francês ou americano quer conhecer no Brasil são as favelas.

E não é pela paisagem. Turista rico gosta mesmo é de ver pobre. Sempre me perguntei sobre esta exótica preferência e só encontrei uma hipótese. É como se o visitante do Primeiro Mundo quisesse ver a miséria da qual havia escapado. Mas tem de ser miséria com certo charme. No caso, a carioca. Desde há muito, o Rio oferece tours a turistas estrangeiros por seus morros. Com a devida anuência dos traficantes, é claro. Ninguém visita impunemente uma favela sem um passaporte da delinqüência.

Barack Obama, mulato e americano, não seria exceção. Ignorou São Paulo, o centro econômico do país. Mas não poderia deixar de render seu preito a uma favela. No caso, a Cidade de Deus, uma das fortalezas do tráfico, em prosa e cinema cantada. Não bastasse isto, demonstrou sua indigência mental citando Paulo Coelho ao final de seu discurso. Indigência que não deve ser de Obama, afinal jamais deve ter lido Coelho. Mas de sua assessoria, que em algum lugar leu que Coelho era best-seller no Brasil.

Nesta esteira de turistas deslumbrados com a miséria, esteve aqui nesta semana o arquiteto e barão de esquerda Richard Rogers, um dos criadores, junto com Renzo Piano, do centro Georges Pompidou. Em entrevista à Folha de São Paulo, defendeu que as cidades não podem virar guetos de ricos ou de pobres. “A integração é a única solução para as cidades. Em Londres, não temos favelas. Mas temos pessoas vivendo em habitações sociais, que são subsidiadas pelo governo. São prédios privados, nos quais o governo pode colocar pessoas pobres na porta ao lado de alguém muito rico. Uma área só para ricos contraria a idéia de cidade”.

Sim, em Londres, como também em Berlim, Madri ou Paris, não há favelas. Favela é coisa nossa. Mas obviamente há bairros ricos – onde só moram pessoas de alto poder aquisitivo – e bairros pobres, onde moram aqueles que não podem morar nos bairros ricos. É óbvio que o preço do metro quadrado na Kurfürstendamm é mais salgado do que em Kreutzberg, é mais caro na Serrano do que em Carabanchel, em Neully-sur-Seine do que na Goute d’Or. Quem tem dinheiro, quer viver em paisagens aprazíveis. Quem não tem, vive onde pode.

O que fazer quando ricos não querem pobres ao lado? – pergunta o repórter. Responde o nobre de esquerda: “O sistema londrino obriga bairros ricos a terem habitações sociais. Esse tipo de sistema já é aplicado na Holanda, na Dinamarca e na Suécia. É preciso criar leis para ter essa integração. O problema de pobres e ricos no Brasil é igual ao que existia entre brancos e negros nos Estados Unidos. Cidades não podem ter guetos, seja para negros ou pobres”.

O que o barão esquece é que habitações sociais não são favelas. Em Paris, eu morava ao lado de um HLM - habitation à loyer moderé – conjuntos residenciais destinados, em geral, a imigrantes. “Estas são as favelas daqui” – disse a uma médica que me visitava. “Nossa! Não me desagradaria morar em favela assim”, respondeu-me a moça, que morava modestamente em um quarto-e-sala em Porto Alegre.

O barão Rogers também esquece que os judeus, onde quer que se instalem, seja em Paris, Londres, Nova York ou São Paulo, vivem em guetos. Mas guetos de ricos. O barão não está preocupado em aproximar os guetos judeus dos ricos. Estes já estão próximos. O barão quer aproximar ricos de negros e pobres. Não vejo nada de mais que negros morem junto a ricos. O que não se concebe – me desculpem os antigos comunossauros – é ver pobres morando lado a lado dos ricos.

Uma das razões pelas quais se trabalha é encontrar um lugar onde morar bem. As pessoas lutam por dinheiro em busca de mais conforto. Não sei onde mora o barão Rogers. Mas não há de ser junto a um HLM. Lá em Paris, eu morava ao lado de um. Com a ressalva: HLM não é favela.

Jamais me ocorreu – como ocorre a ilustres turistas – visitar uma favela. Certa vez, no Rio, fui ao Belfort Roxo. Não por minha iniciativa. Mas a convite de um diplomata francês, e não por acaso. Ele queria ver um terreiro de macumba. Ok! Fui com ele. Mas jamais teria ido a um terreiro, não fosse o convite de um francês.

Sem ser rico, moro hoje, meio que por obra do deus Acaso, em um bairro rico de São Paulo. Como todo bairro rico de todas as metrópoles do país, tem seus mendigos atirados na rua. Confesso que me irritam. Não vejo porque tropeçar todos os dias com mendigos que se julgam donos do quarteirão. A Igreja Católica criou um conceito, o de povo das ruas. Criado o conceito, qualquer vagabundo se julga no direito de morar nas calçadas. E ai das autoridades que tentam limpar as ruas. São anatematizadas como "higienistas". Como se higiene fosse crime.

E mais: são mendigos patrocinados por gente que tem dinheiro. Em minha rua, sob o portal de um açougue, cruzo todas as noites com uma senhora que dorme ali. Ou melhor, duas. Elas se revezam, uma noite para cada uma. Com um detalhe: sempre com nove sacos enormes sei lá de quê. Sempre nove sacos. Ora, ninguém consegue portar aqueles nove sacos.

Não estão esmolando. As duas chegam tarde da noite e à noite não passa ninguém para dar esmola. Profundo mistério! É óbvio que não conseguem carregar aquilo tudo. Alguém as traz de carro até ali e as joga na rua. Todas as noites.

Porque, não sei. Deve ser obra de algum discípulo do barão de esquerda, que quer aproximar os ricos dos miseráveis.