¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, março 20, 2011
 
JORNALISTA DA FSP
E CINEASTA GAÚCHO
SAEM EM DEFESA DA
MÁFIA DO DENDÊ



Em indignado artigo na Folha de São Paulo, jornal que pretende ter o rabo preso com o leitor, o articulista Fernando Barros e Silva, tão Catão quando se trata de acusar os mensaleiros, tomou agora a defesa da Máfia do Dendê, que tomou de assalto o Erário. E acusa de “macarthismo chulé” as pessoas que se escandalizam com o assalto dos baianos ao bolso do contribuinte.

“Ninguém desviou dinheiro público, não há, rigorosamente, nenhum crime, nenhuma ilegalidade no pleito de Bethânia”, escreve o jornalista. Em sua afirmação, engana o leitor e ao mesmo tempo não se engana. Que desviou dinheiro público, desviou. Renúncia fiscal é imposto desviado do Fisco. Mas Barros e Silva está correto quando afirma que não há, rigorosamente, nenhum crime, nenhuma ilegalidade no pleito de Bethânia.

É velha safadeza de sofistas sem argumentos sólidos criar argumentos frágeis, que não existem nem foram empunhados, para melhor refutá-los. Pode ser que algum leitor desavisado, desses que confundem ética com Direito, tenha afirmado que a captação é ilegal. Mas nenhum articulista que se preze faria tal afirmação. Não faria nem fez.

Ilegal nunca foi. É imoral. Direito é uma coisa, ética é outra. Os baianos enfiaram a mão na bolsa do contribuinte seguindo rigorosamente o que prescreve a lei. Roubaram legalmente. Não poucas leis brasileiras permitem o roubo legal. Pois só pode se definir como roubo captar dinheiro público para financiar shows, DVDs ou blogs de artistas que são milionários.

Barros e Silva introduz um novo conceito de macarthismo. Se originalmente eram macarthistas os que perseguiam os comunistas nos Estados Unidos, no Brasil é macarthista quem defende seu bolso. Eu que defendo o que é meu, tu que defendes o que é teu, nós que defendemos o nosso, somos todos macarthistas chulés. O articulista da Folha, pelo jeito, tem o rabo preso com a Máfia do Dendê.

Não bastasse o jornalista paulistano tomar a defesa dos mafiosos baianos, do Rio Grande do Sul ergueu-se uma voz indignada contra esta insólita pretensão dos contribuintes de defender o próprio bolso. Em seu blog, o cineasta Jorge Furtado, outro freguês de livreta da renúncia fiscal, fala em preconceito contra os nordestinos. “Nas críticas sobram piadas contra os baianos, quase todas vindas do mesmo gueto branco direitista no enclave paulista, enfim, os eleitores de Kassab e Serra, gente que lê e cita a revista Veja e beija imagens de santo para ganhar voto e acha que poesia é uma besteira”.

Como se fossem os eleitores de Serra e Kassab os únicos que se indignam com a imoralidade dos baianos. Como se Bethânia fosse uma negra, atraindo o ódio racial do gueto branco direitista. Como se poesia fosse projeto de algum poeta para a baiana faturar 50 mil reais por mês em cima de quem faz poesia. O poeta não ganha nada, a intérprete ganha salário de executivo americano com a poesia alheia. Depois do macarthismo chulé, temos nova trouvaille no imaginário nacional, o gueto branco direitista.

O achado nem é original. Foi cunhado pelo ex-governador de São Paulo, Cláudio Lembo, em 2006, quando afirmou que o problema de violência no Estado só será resolvido quando a "minoria branca" mudar sua mentalidade. "Nós temos uma burguesia muito má, uma minoria branca muito perversa". Claro que ninguém ousou acusá-lo de racismo. Daí derivou a expressão “elite branca”, que criminalizou no país quem quer que não fosse negro. Lembo, que é branco, excluía-se, é claro, dessa elite perversa.

Jorge Furtado é o autor de Ilha das Flores, curta de 1989 que pretende seguir a trajetória de um tomate plantado, colhido, transportado e vendido num supermercado, mas que apodrece e acaba no lixo, sendo catado por animais, mulheres e crianças. Pertence àquele gênero de documentários em que o personagem, no caso o tomate, é dirigido pelo autor. O filme é demagógico e conseguiu enganar as esquerdinhas européias, que lhe concederam um prêmio no Festival de Berlim de 1990. O muro recém havia caído e o júri, pelo jeito, ainda não se dera conta do acontecido.

Assim como os virtuosos canhões do Potemkin, no filme de Eisenstein, só atingiam os pérfidos burgueses no porto de Odessa, o tomate de Furtado se dirige célere ao lixão da Ilha das Flores, onde tem um encontro marcado com os famintos de Porto Alegre. Ator disciplinado, o tomate protagonista do “documentário” obedece cegamente ao comando do diretor do filme.

Furtado, após ter ganho galões junto às esquerdas com seu filmeco mentiroso, alugou sua verve revolucionária à Rede Globo. Subsidiado pelos tais de incentivos à cultura, sai agora em defesa dos colegas de mordomias. Como dizia Hernández, nos conselhos do Viejo Vizcacha:

Lo que más precisa el hombre
Tener, según yo discurro,
Es la memoria del burro,
Que nunca olvida ande come.

Como o burro de Fierro, Furtado não esquece onde come. Empunhar chavões como bandeira é genético na família Furtado. Em meados dos 70, sua mãe, a deputada Dercy Furtado, fez heróico discurso na Assembléia Gaúcha, empunhando o chavão libertação da mulher: “é chegado o momento de a mulher assumir seu lugar na História”. Na época, eu cronicava em Porto Alegre. “Eu preferiria, deputada, que a mulher assumisse sua conta nos bares”. Assumir o lugar na História é barbada. Assumir a conta nos bares já é bem mais complexo. Minha crônica provocou escândalo entre as gaúchas. Era época em que mulher nem sonhava em puxar a carteira em um bar. Hoje, o filho da mãe assume a bandeira esfarrapada do racismo, para condenar pessoas que se sentem mal quando são roubadas.

Não bastasse isto, a imprensa revelou que outro capo da Máfia do Dendê, Gal Costa, pediu e conseguiu a aprovação do Ministério da Cultura para captar 2,2 milhões de reais via Lei Rouanet para a realização ainda este ano do projeto Tom de Gal, com suas interpretações para músicas de Tom Jobim.

Serão oito shows (no Rio de Janeiro, São Paulo, BH, Curitiba, Porto Alegre e Salvador) que depois serão empacotados num DVD. E palhaços, que tiveram a carteira batida antes dos espetáculos, é o que não faltará para aplaudi-la.
Brasil merece.

Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!
Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
O Ministério da Cultura, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.