¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, março 22, 2011
 
MEUS TEMPLOS DILETOS


Pois, Ana, confesso que jamais freqüentei restaurantes brasileiros no Exterior. Entrar, até que entrei. Foi nos anos 70, em Paris. Uma amiga francesa convidou-me para um “brésilien” na Mouffetard. Entrei, olhei os preços e dei meia volta. Absurdos. Quando viajo, evito não só restaurantes brasileiros, como também brasileiros. Os turistas de Pindorama, quando no estrangeiro, são um desastre. Sem falar que não me sinto viajando se não ouço em minha volta outras línguas que não a minha.

Ainda há pouco, uma amiga acenou-me com um cruzeiro pela costa brasileira. Declinei da sugestão, horrorizado. Depois que a CVC monopolizou estes cruzeiros e a classe média tupiniquim invadiu os transatlânticos, não entro nem atado em nenhum deles. Há cruzeiros temáticos, com shows diários de cantores vagabundos, tipo Roberto Carlos e Zezé di Camargo, o que para mim seria uma ante-sala do inferno. E de um cruzeiro não se pode descer. Cruzeiros, só topo no Canadá, Escandinávia, Terra do Fogo. Paragens que poucos patrícios ousam.

Volto aos restaurantes. Você me fala da churrascaria em Seattle, onde um rodízio com sete tipos de carne custa 40 dólares. Bom, aqui pode custar bem mais caro. Na Vento Haragano, reputada como a melhor churrascaria de São Paulo, paga-se hoje 92 reais. Isto é, 55 dólares. Por cabeça. Mas justiça seja feita: oferece uns trinta tipos de carne e tem uma adega com mais de 600 rótulos, de 14 países. A carta de vinhos mais parece um incunábulo. O vinho, bem entendido, não está incluído no preço do rodízio. Os garçons são especialistas em carnes, quase todos de Nova Brescia, cidade que, pelo que sei, tem exportado churrasqueiros até para os Estados Unidos.

A Vento Haragano é cara, sem dúvida alguma. Mesmo assim, recomendo. Ah! O chimarrão é brinde. Gosto de levar lá amigos franceses. Eles saem de lá plenos de graça.

Comentei outro dia que cortei relações com uma colega de magistério que, apesar dos restaurantes que lhe recomendei em Madri, só comeu em McDonalds. Sem querer, feri susceptibilidades, e houve quem me perguntasse que tinha eu contra quem come em Mcs. A rigor, nada. Mas quem vai a Madri e só come fast food deveria ser excluído da raça humana. Da mesma forma, diria, o brasileiro que mal chega em Paris e sai correndo atrás de um restaurante brasileiro.

Aconteceu nos anos 70. Na crônica que enviava diariamente para a Folha da Manhã, de Porto Alegre, eu deixava meu endereço e telefone. O que me rendeu muitos amigos e namoradas. Mas também muitos chatos. Certo dia, telefonou-me alguém, apresentando-se como meu leitor. Convidava-me para uma janta. “Conheces algum restaurante com uma comidinha das nossas?”

Achei que deveria viver há muito no Exterior e estaria com saudades de uma feijoada ou moqueca. Perguntei onde vivia.
- No Brasil. Esta é minha primeira viagem à Europa.
- Há quanto tempo estás aqui?
- Cinco dias. Já fiz três países.

O bruto era daqueles que faziam três países em cinco dias. Mal chegara em Paris, cidade que é uma festa gastronômica, e já estava com saudades de uma feijoada. Não podia ser meu leitor. Despachei-o incontinenti. Não, eu não conhecia nenhum restaurante brasileiro.

Falei também, outro dia, de minha ojeriza a copos de plástico. Você me fala, Ana, de outra mania que me horripila, a das cadeiras de plástico. É uma praga que invadiu o planeta. Em reportagens televisivas, já as vi até em prédios bombardeados na Palestina e no Afeganistão. Sei lá por quê, evito qualquer bar onde as encontro. Abro uma exceção para um botequinho aqui em São Paulo, onde tomo algum chope nos fins de semana. Nem sempre se come pão quente. Mesas de plástico também me desagradam.

Sua observação me leva a divagações. Como Buñuel, considero os restaurantes templos de recolhimento. Tenho médicos que acham que um homem só vai a um bar para beber. Tenho de explicar-lhes pacientemente que tais casas são bons lugares para ler, meditar, conversar, namorar, estudar, escrever. E também beber, é claro. Se vejo alguém sozinho numa mesa, bebendo e sem um livro na mão, logo deduzo: é um bebum. Mas se está lendo, é diferente: é um leitor que bebe.

Daí meu apreço por aqueles cafés da Europa, que tanta falta me fazem aqui. Paredes forradas de madeira, mármores e lustres de permeio. O Central e o Schwartzenberg, de Viena. O New York, o Gundel, o Gerbeaud, de Budapeste. O Nicolai e o Kafe Literaturnoje, em São Petersburgo. El Oriente, Gijón, Sobrino de Botín, Venencia, em Madri. El Greco, em Roma. Florian, em Veneza. O Aurélio, em Toledo, o Candido e Conde Duque, em Sevilha. Los Caracoles, Salamanca, Sept Portes, em Barcelona. O Tavares, o Nicola, Berlenga, Polícia, a Brasileira do Chiado, o Martinho da Arcada, em Lisboa. A Tasca do Chico, em Sintra. O Metropole, em Bruxelas. (Aliás, só vou a Bruxelas para refestelar-me neste café. A Grand Place é detalhe). O Zimmer, Aux Charpentiers, Bofinger, Julien, Le Temps de Cerises, Le Procope, o Tire-Bouchon, em Paris.

Nos últimos vinte anos – ou talvez mais – só tenho viajado para visitar esses templos de recolhimento. Monumentos me entediam. Museus, ni pensar. (Exceto os Museos del Jamón, em Madri. Sou habitué). Mais ainda: não procuro nenhum templo novo. Revisito sempre os mesmos. Segundo a medicina, sou um alcoólatra. Discrepo. A meu ver, sou um monge em busca de locais propícios à meditação.

Dezembro passado, em Paris, tive um certo conflito com a Primeira Namorada. Ela queria caminhar, ver coisas, explorar a cidade. Eu não queria ver nada. Ela é jovem. Eu já vi o mundo. Em cidade que não conheço, ok. Mas se já conheço bem a cidade, viro sedentário. No que dependesse de mim, nem saía do Quartier Latin. Em Madri, me custa muito afastar-me mais de mil metros da Puerta del Sol.

Queria apenas sentar-me em meus botecos diletos, sentir-me em Paris, e nada mais do que isso.