¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, março 29, 2011
 
PANTA REI!


Era uma vez um leitor de CD. Pifou. Mandei consertá-lo. Saiu quase o preço de um novo. Quando pifou de novo, decidi comprar outro. Mas se ia comprar um leitor de CDs, por que não um que lesse também DVDs? Foi o que fiz. Tive o cuidado de comprar um aparelho que lesse cinco zonas, para ler DVDs da Europa e Estados Unidos pelo menos. Com cinco bandejas. Mais home theater. Vai daí que o antigo televisor, velho de 13 anos, não lia os DVDs. Troquei de televisor. Mesmo assim, o novo não lia os DVDs em cores. Tive de fazer uma gambiarra. Quanto à antiga televisão, da era do preto e branco, joguei-a no lixo. Dá-la a alguém constituiria ofensa.

Meu novo aparelho – novo no século passado – tem mais de década. Por algum tempo andei namorando esses novos televisores, de 32 e mais polegadas. Muito caros. Sem falar que pouco assisto TV. Serviria mais para minhas óperas. Mas o DVD já era, estamos entrando na época do blu-ray. Em minhas prateleiras ainda tenho algumas peças de museu, os bolachões e fitas K-7. Já tive aqueles rolos de fita enormes, dos antigos gravadores. Tive também, é claro, um daqueles gravadores antigos, que pesavam cerca de dez quilos. Algumas dessas mídias, pelo valor que tinham, passei-as para CD. É o caso de um Martín Fierro, recitado ao violão por um payador do qual não tenho hoje nem o nome.

Também passei para CD um bolachão editado na França, Chants revolutionnaires de Cuba, que trouxe escondido para o Brasil nos dias da ditadura. Adelante, heróica guerrilla! Guerrillero, adelante, adelante! Juventud, juventud cubaaaana, unidos por un mismo ideal. Viva Cuba, soberaaaana! Viva el pueblo, en libeeeertad! Cuba sí, Cuba sí, Cuba si, yankee no! Remember Playa Girón! Los yanques con sus armas, a Cuba quieren invadir! Etc, etc, etc.

Arrisquei incomodar-me, mas o disco era um documento da época. Hoje, quando recebo algum velho comunossauro, faço uma sessão nostalgia aqui em casa. Eles o escutam com certo mal-estar.

Panta rei, dizia Heráclito. Nunca nos banhamos nas mesmas água de um rio. Tudo obsolesce, digo eu. Nunca curtimos nossas antigas canções na mesma mídia. Vai daí que meu atual televisor (a partir de hoje nominado ex-atual) também virou peça de museu. E os preços dos novos aparelhos foram baixando. Entrei, hoje, de rijo no século XXI. Sony 52”, blu-ray, 3D e outros babados. Aí começaram as surpresas.

Pra começar, meu rico DVD que lia cinco zonas e tinha cinco bandejas – que há dez anos era o haut de gamme da tecnologia - não é compatível com o novo televisor. Mais ainda: descobri que os aparelhos com cinco bandejas não mais existem, o carrossel quebrava fácil e agora só há aparelhos com uma única bandeja. Vá lá! Traz então um novo DVD. Afinal, o antigo não lia nem blu-ray nem 3D. Mas o home theater também foi pras cucuias. Pior ainda: o televisor tem conexão para computador. Mas meu notebook é dos antigos, não tem conexão para o televisor. Meus antigos aparelhos, todos, viraram uma merencória tralha que não ouso repassar nem à minha faxineira.

Mas os dramas não terminam aí. Com a nova resolução do televisor, meu decodificador da NET também obsolesceu. Aquele modelito prateado já era. Preciso agora de um decoder com resolução de 1080 pixels (full hd), senão a imagem fica distorcida.

E resta mais um probleminha. Se já há até algumas óperas em blu-ray, em 3D não há sequer filme que preste. A indústria está produzindo aparelhos para os quais ainda não foram produzidos filmes. Pelo jeito, vou precisar de mais alguns anos para usufruir dos plenos benefícios da nova tecnologia.

Ouvi rádio pela primeira vez em uma galena. Tudo flui! Se há algo que me consola, é que certamente será o último televisor de minha vida. Dado o tempo que me resta, espero não ter de reciclar-me antes da partida.