¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, março 31, 2011
 
PORQUE NÃO VEJO GRAÇA
NESTE MEU LINDO BRASIL



Não conheço quase nada do Brasil. Ao norte de São Paulo, só conheço Rio e Brasília. Mesmo de meu Estado, o Rio Grande do Sul, conheço muito pouco. Dom Pedrito, onde me criei, Livramento, onde nasci, Santa Maria e Porto Alegre, onde estudei, amei, trabalhei. Isto é, vivi. Devo conhecer mais umas três ou quatro cidades gaúchas, de visitas muito rápidas. E só.

Tenho amigos que me convidam para conhecer Belém, Manaus, Salvador. Nem pagando. Se acho que no Rio faz calor excessivo, é claro que vou sofrer muito lá perto da linha equatorial. Tem outro detalhe: não me sinto viajando quando todos em torno a mim falam minha mesma língua. Claro que adoro Portugal. Mas em Portugal se fala português e não brasileiro.

Já a Europa, conheço o continente quase todo. Da Europa de cá, acho que só faltam Escócia e Islândia. Da do Leste, conheci inclusive países que não mais existem: Alemanha Oriental, Tchecoslováquia e Iugoslávia. Meus passaportes já são peças de museu. Quando digo conhecer países, me refiro às capitais e cidades mais importantes. Mesmo assim, conheço bastante do interior da França, Espanha, Itália. Da Noruega, conheço diria que boa parte de suas cidades. O que, cá entre nós, não é grande feito. Basta navegar pelo seu litoral. Suas cidades mais lindas estão lá.

Mais um pouco de África, Oriente Médio, Leste europeu, América Latina, e Canadá francófono. Dos EUA, só Nova York. Não gosto dos Estados Unidos nem me sinto bem em países anglófonos. A começar pela culinária. Diz-se na Europa que a Inglaterra conquistou tão grande império em busca de uma boa cozinha. Pelo jeito, ainda não a encontrou. Você já ouviu falar em cozinha inglesa? Eu não.

Ninguém imagine que sou milionário. Sem falar em meus quatro anos de bolsa em Paris, mais um em Madri, durante muito tempo viajei sem pagar nada. Explorei minha condição de jornalista, é uma forma de completar salário. Minhas traduções, miseravelmente pagas, me renderam uma viagem à Suécia e a bolsa em Madri. Se nem sempre se come pão quente, de vez em quando se come pão quente. Atualmente, afastado do grande jornalismo, tenho pago para viajar. Como me desagrada a idéia de rasgar dinheiro, tenho preferido a Europa.

Os patrícios que me desculpem, mas não vejo graça alguma em viajar pelo Brasil. Vou morrer sem conhecer muito de meu país. Confesso que, ano passado, vi algo imponente, as cataratas. Não vou dizer que tenha sentido vontade de chorar. Chorei mesmo. A beleza extrema me faz chorar, seja uma montanha nos Alpes ou nos Andes, seja uma ópera de Mozart ou Bizet.

Para começar, o que está perto não me interessa muito. Prefiro o que está longe. É humano. Mas não muito longe. China e Índia para mim estão descartadas. (Sobre a Índia, devo escrever em breve. Estou lendo Índia, de Jean-Claude Carrière, autor de quem sempre gostei, mas que agora me decepcionou). É que me viciei em Ocidente. Oriente pouco ou nada me diz. Nos anos 50, 60 e 70, não poucos intelectuais europeus se encantaram pelo Oriente. Entre eles, Herman Hesse e Aldous Huxley. Conheci não poucas brasileiras que foram buscar paz interior numa Índia em que as crianças morrem de fome nas ruas e ratos são alimentados com leite nos templos. Esse escapismo nunca me atraiu.

Desde meus verdes anos, tem sido mais caro viajar pelo Brasil que pela Europa. Nos anos 70, um mês nas ilhas gregas custava bem menos que um mês nas praias do Recife. Como os brasileiros sequer imaginavam isto, iam para o Nordeste. Em meus dias de França, quando tinha férias, em vez de voltar para casa eu optava pelas ilhas gregas ou canárias. Sem falar na distância, o custo in loco era muito menor. Lembro que certa vez, em Ilunda, ilha próxima a Creta, pedi um ouzo num daqueles cafeneion, de paredes brancas e portas e janelas azuis - as cores da bandeira e das ilhas gregas - atendido por uma velhota toda de preto. Ela trouxe a bebida, com seis escargots em torno e mais seis fatias de compota de pêssego.

Estoy jodido - pensei com minhas divisas. Ao pagar, custou creio que seis dracmas. Menos que um franco, não eram ainda os dias do euro. Não pagava um cafezinho em Paris. Pedi mais dois ou três ouzos.

Lá por 2.000, quando a Varig detinha o monopólio aéreo no Brasil, a Baixinha queria ir para a Terra do Fogo. Fui ver os preços. SP/Ushuaia/SP dava em torno de 1.500 dólares. Achei o puchero meio gordo. Ela queria neves? Bom, neve também há no norte. Pesquisei um giro pela Noruega. Encontrei uma passagem da Swissair, SP/Oslo/Estocolmo/SP, por 669 dólares. Mais que o dobro da distância por menos da metade do preço. Adivinhe o leitor para onde eu fui. Mais ainda: com uma agradabilíssima pausa em Zurique. Às margens do Limmat. Em um bar que se chamava Panta Rei. Antes que me esqueça: a morte da Varig foi uma das alegrias de minha vida.

Isto para dizer que tenho viajado bastante e longe para economizar o que pagaria para viajar pouco e perto. Ainda hoje, um de meus interlocutores, ligado a uma agência de turismo, me sugeria três dias em Montevidéu – a partir de Porto Alegre – por 732 dólares, como se isto fosse barbada. Ou seja, praticamente 1200 reais por três dias. Quatrocentos paus por dia e por cabeça. Não faz sentido.

Agora em dezembro, eu e minha filha giramos pela Europa durante 28 dias. Paris, Londres, Dublim, Berlim e de novo Paris. Com minha passagem transatlântica, mais nossas passagens internas, bons hotéis e bons restaurantes, paguei 22 mil reais. Menos de mil por dia. Mais precisamente, 785 reais por dia. Para duas pessoas. Ou seja, 392 por cabeça, vinhos e uísques incluídos. Isso sem falar que a distância entre Porto Alegre e Montevidéu é um pouquinho menor que a distância entre São Paulo e Berlim. É preciso ser muito panaca para comprar um pacote desses para Montevidéu.

Pego uma oferta ao acaso – e poderia pegar muitas outras, se quisesse – da CVC, os Circuitos Brasileiros. Jóias da Estrada Real, oito dias. Diamantina de JK, Ouro Preto, Tiradentes, Brumadinho, Inhotim e Petrópolis. Saídas de Belo Horizonte ou Rio de Janeiro. Preço? 1.898 reais. Seis cidades em oito dias. Ou seja, você acaba não vendo nenhuma.

Pego agora um pacote oferecido pela pequena agência que me serve. Quatro noites em Paris, passagem de ida e volta incluída, 999 dólares. Arredondando: 1600 reais. Isso sem falar que a distância entre Paris e São Paulo é um pouquinho maior que a distância entre o Rio e Ouro Preto. Perguntinha: você prefere quatro noites em Paris por 1600 reais, ou oito dias – provavelmente seis noites – nas tais de cidades históricas de Minas, por 1900 reais?

Sua resposta afere seu nível de inteligência. E o apreço que tem por seu dinheiro. Eu não hesitaria um segundo. Esta é uma das razões – entre muitas outras - pelas quais pouco conheço o Brasil.