¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, março 28, 2011
 
A VOLTA DO TURISTA MARSUPIAL


Comentei há dois ou três dias o aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) para as compras feitas em cartão de crédito no Exterior. A medida foi publicada hoje no Diário Oficial da União. O estrangeiro ficou 4% mais caro para todo brasileiro. Se antes você pagava 2,38 reais por 100 reais gastos, hoje você passa a pagar 6,38. Em mil reais, pagará 63,80. Em dez mil, que é uma despesa viável em cartão de crédito para uma viagem, pagará 638 reais. Quase a metade de uma passagem de ida e volta a Paris.

Além do absurdo pago pela taxa de embarque – uma das mais caras do mundo – você marchará com mais essa contribuição para o governo assistencialista do PT. O aumento do imposto visa conter o consumo. Conter, lá fora. Aqui, você pode consumir com gosto. Mal surge uma brecha para o cidadão viajar e comprar barato, o governo interfere na economia para proteger os caros preços nacionais.

Se ainda existe memória neste país, quem costuma viajar deve lembrar dos dias da ditadura militar em que havia limitação para as divisas que um turista levava ao exterior. O limite era mil dólares, quantia que mal pagava dez dias de hotel no estrangeiro. Sem falar que, quando se viaja, é preciso comer. A lei era de uma hipocrisia escancarada, pois nenhuma autoridade acreditaria ser possível sobreviver uma semana no exterior com mil dólares. O recurso era então levar dólares na barriga.

O viajante brasileiro assumiu uma condição de marsupial. Os dólares não eram levados exatamente na cueca, mas em cintas improvisadas de tecido, com um bolsinho para os dólares. Eu gostava daquelas guaiacas de couro que se comprava na Argentina, um cinturão com divisões internas. Com o tempo, me tornei mais criativo. A cada calça que comprava, pedia ao lojista que a munisse de bolsos internos.

Todo brasileiro de minha idade, que um dia teve de viajar, em algum momento usou este recurso. Hoje é mais simples. Leva-se VTMs ou travellers-cheques, sem limitação de quantidade, ou cartões de crédito. Mas eu vivi minha fase de dólar, não digo na cueca, mas pelo menos na barriga. O que dava à viagem uma certa insegurança. Se você tem travellers ou VTMs, recebe um comprovante de compra que lhe permite resgatá-los, caso você seja roubado ou perca os mesmos. Se for roubado ou perder papel-moeda, não há como recuperá-lo.

Mas esta permissão para mil dólares permitia alguma vantagem, pelo menos aos fronteiriços. Havia uma distância considerável entre o câmbio oficial e o paralelo. Ora, a República Oriental del Uruguay é exterior e Porto Alegre não fica longe. Saía em conta pagar um vôo até Montevidéu, enviar mil dólares, recebê-los em um banco uruguaio e voltar. A viagem estava paga e ainda sobrava grana. Em Porto Alegre, houve quem fretasse aviões com prostitutas, que davam um giro pela 18 de Julio e voltavam no mesmo dia, com a bolsa cheia de dólares.

Claro que não deixei de aproveitar a janela. Certa vez, fui com a Baixinha a Buenos Aires. Ou seja, dois mil dólares no câmbio oficial. Mandei-os para o Uruguai, onde podia pegar a remessa em dólares. Em Buenos Aires, troquei-os no câmbio negro. Passamos uma semana na Argentina, comendo, bebendo bem e ainda comprando algunas cositas más, pelo preço de dois jantares em Porto Alegre.

Essas diferenças cambiais sempre favoreceram viagens, inclusive na Europa. Nos dias em que vivi na Suécia, era mais barato passar um mês nas ilhas gregas, hotéis, viagem e comer e beber incluídos, do que ficar uma semana em Estocolmo. Havia estudantes suecos que deixavam de visitar os país no próprio país, para economizar na Grécia.

Três coisas eram muito baratas em Atenas e nas ilhas gregas para um sueco: comida, álcool e dentistas. O preço das bebidas na Grécia era algo inacreditável para os Svensons, que pagavam pesados impostos para comer e beber no próprio país. E o dos tratamentos dentários também. Como não eram incluídos nos seguros de saúde na Suécia, viajar para tratar dos dentes era salutar para o bolso. Nas ruas das cidades de Creta, Lesbos ou Mikonos, as placas mais freqüentes eram: sprit e tandläkare. Álcool e dentistas, em sueco.

Quando resolvi renunciar ao paraíso nórdico e descer rumo ao Brasil, pensei em pegar um trem até Barcelona, onde embarcaria no Eugenio C, hoje desarmado. Não lembro muito bem dos preços exatos, mas a viagem de trem até Paris – em segunda classe, o que não é desconfortável na Europa - era algo em torno de 290 coroas. Doze dias em Palma de Mallorca, com hotel, meia pensão, e vôo de ida e volta, me custariam 300 coroas. Não hesitei um segundo. Mais ainda, vendi minha passagem de volta a Estocolmo a um cozinheiro dinamarquês por cem coroas e meus doze dias de Baleares custaram apenas um terço de uma viagem de trem a Paris.

Eram os dias da disparidade de moedas na Europa. Dias das coroas, marcos, francos, liras, pesetas. (Ainda as guardo em uma jarra de vidro). Com o euro, a festa acabou. De qualquer forma, um hotel sempre será mais barato em Lanzarote ou Tenerife do que em Bergen ou Tromsø. E o vinho sempre custará mais barato em Roma, Paris ou Barcelona do que em Estocolmo ou Oslo.

Dona Dilma está tentando acabar com a fugaz festa dos brasileiros. Sua mensagem é: abandone essa mania de viajar. Afinal, como dizia Afonso Celso, “não há no mundo país mais belo do que o Brasil. Quantos o visitam atestam e proclamam essa incomparável beleza. Dentro do enorme perímetro brasileiro, encontra-se tudo o que de pitoresco e grandioso oferece a terra”.

Para que viajar então? “Em nenhuma outra região, se mostra o céu mais sereno, nem madruga mais bela a aurora: o sol em nenhum outro hemisfério tem os raios tão dourados, nem os reflexos noturnos tão brilhantes: as estrelas são as mais benignas, e se mostram sempre alegres: os horizontes, ou nasça o sol ou se sepulte, estão sempre claros; as águas, ou se tomem nas fontes pelos campos, ou dentro das povoações nos aquedutos são as mais puras... A formosa variedade de suas formas, na desconcertada proporção dos montes, na conforme desunião das praias, compõe uma tão igual harmonia de objetos que não sabem os olhos onde melhor possam empregar a vista”.

Fique na pátria amada, leitor. Enfrente, em nome do amor ao Brasil, os caros preços do Rio, São Paulo, Recife, Salvador, Curitiba, Porto Alegre. Pague em um restaurante brasileiro metido a besta o triplo ou mais do que você pagaria em uma boa casa em Paris. Dona Dilma, coerente com suas origens, está usando os recursos dos países totalitários do século passado, do Brasil da ditadura militar inclusive: impedir, ou pelo menos dificultar, as viagens ao estrangeiro.

Mas ainda há uma brecha. O IOF para travellers checks e compra de moeda estrangeira continua sendo de 0,38%. Volte à condição de turista marsupial. Em vez de cartão de crédito, leve dinheiro na barriga. Mas faça isto logo. Se bem conheço os bois com que lavro, a sanha fiscal do governo vai logo fechar esta última janela.