¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, abril 26, 2011
 
PROMOTORES PRETENDEM
PROIBIR A ADOLESCÊNCIA



Depois do massacre do Realengo, bullying é palavrinha que tomou conta dos jornais. É mais um desses conceitos ianques, tipo bipolaridade, que são importados por jornalista aculturados sem maiores reflexões. Tanto que a palavrinha até agora não conseguiu ser traduzida pelos jornais. Já há quem pense em tipificar um novo crime no Código Penal. Se é bom para os Estados Unidos, deve bom para nós.

No fundo, o eterno desejo das esquerdas, de condenar a sociedade por qualquer crime e isentar o indivíduo de qualquer responsabilidade. O maluco que fuzilou doze crianças no Rio não é um criminoso. Mas uma vítima. O coitadinho sofreu bullying na escola. Normal que saísse a matar crianças.

O tal de bullying está previsto na legislação de vários Estados americanos, desde Washingotn ao Delaware, passando pela Florida e Massachussets. É definido ora como agressão física a estudantes, funcionários da escola, ora como destruição da propriedade física, ora como a prática de qualquer expressão, gesto ou padrão de comportamento físico ou verbal com a intenção clara de causar abalo físico ou emocional aos estudantes na área das escolas públicas e nas suas adjacências.

No Brasil, curiosamente, a assembléia catarinense e o poder executivo instituíram um programa de combate ao bullying, sem sequer se preocupar em traduzir a palavra importada. Diz o governador do Estado, através da lei nº 14.651, de 12 de janeiro de 2009:

Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a instituir o Programa de Combate ao Bullying, de ação interdisciplinar e de participação comunitária, nas escolas públicas e privadas, no Estado de Santa Catarina.

Parágrafo único. Entende-se por bullying atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotadas por um indivíduo (bully) ou grupo de indivíduos contra outro(s), sem motivação evidente, causando dor, angústia e sofrimento e, executadas em uma relação desigual de poder, o que possibilita a vitimização.

Art. 2º O bullying pode ser evidenciado através de atitudes de intimidação, humilhação e discriminação, entre as quais:

I - insultos pessoais;
II - apelidos pejorativos;
III - ataques físicos;
IV - grafitagens depreciativas;
V - expressões ameaçadoras e preconceituosas;
VI - isolamento social;
VII - ameaças; e
VIII - pilhérias.

Art. 3º O bullying pode ser classificado de acordo com as ações praticadas:

I - verbal: apelidar, xingar, insultar;
II - moral: difamar, disseminar rumores, caluniar;
III - sexual: assediar, induzir e/ou abusar;
IV - psicológico: ignorar, excluir, perseguir, amedrontar, aterrorizar, intimidar, dominar, tiranizar, chantagear e manipular;
V - material: destroçar, estragar, furtar, roubar os pertences;
VI - físico: empurrar, socar, chutar, beliscar, bater; e
VII - virtual: divulgar imagens, criar comunidades, enviar mensagens, invadir a privacidade.

Ou seja, a santa e bela Catarina está criminalizando, em nome de uma moda importada, atitudes normais de adolescentes. Está querendo criminalizar o insulto, expressão espontânea e inócua de quem sente raiva, os apelidos – que em geral são pejorativos –, as grafitagens, que deveriam ser tipificadas em danos ao patrimônio, as ameaças, que são normais na vida de qualquer adolescente e em geral resultam em nada. E por aí afora. Desde quando é crime empurrar, socar, chutar, beliscar, bater? Desde quando pilhéria é crime? Isto faz parte da adolescência. Ou pretende alguém proibir as piadas? Há só um item na lei catarinense que mereceria uma atenção especial, o assédio sexual. Mas isto já está tipificado em lei, a de número 10224, de 15 de maio de 2001.

Prudentemente, a lei estúpida não prevê punições. Ora, se não há punição, tanto faz como tanto fez. Leio na Folha de São Paulo que promotores da Infância e Juventude de São Paulo querem que o bullying seja considerado crime. Um anteprojeto de lei elaborado pelo grupo prevê pena mínima de um a quatro anos de reclusão, além de multa. Se a prática for violenta, grave, reiterada e cometida por adolescente, o autor poderá ser internado na Fundação Casa, a antiga Febem.

Segundo o promotor Mario Augusto Bruno Neto, “hoje, como não há tipificação legal específica, os casos que chegam são enquadrados geralmente como injúria ou lesão corporal”. Ora, se já estão tipificados, para que criar um crime novo? Só para imitar a legislação americana?

Para efeitos de raciocínio – e apenas para isso – vou assumir o conceito ianque. Se bullying fosse fator criminógeno, algum massacre eu já teria cometido. Tive vários apelidos em minha adolescência, e apelido é o mais evidente sinal de humilhação. Na escolinha rural onde estudei, era chamado de Porongo. Por que, não sei. Certa vez, uma coleguinha me lançou o epíteto. Irritado, joguei nela uma pedra negra, dessas pesadas. Minha intenção era manifestar desagrado. Não é que a puta da pedra descreveu uma parábola e foi cair justo na cabeça dela? Abriu uma boa brecha e uma baita briga entre famílias.

Dona Clotilde teve de exercer seus dotes de diplomata para evitar uma chacina. Para dar uma idéia da moça que eu havia machucado, ela foi mais tarde exímia domadora de potros. Mas nunca mais alguém me chamou de Porongo. Uma vez na cidade, já no ginásio, os apelidados se multiplicaram. Como cheguei de bombachas, passei a ser o “grosso da campanha”. Me adaptei à coisa e não mais reagi violentamente.

Quer dizer, nem tanto. Havia em minha classe uma charrua linda, a Luludi, com olhos negros imensos, nos quais eu gostava de me afogar. Certo dia, quando eu mergulhava naqueles mares profundos, padre Lourenço van der Raadt, um oblato holandês que ensinava inglês, me flagrou em flagrante mergulho:

- Janer, vá para o fundo da classe.

Só por olhar para os olhos de uma menina! Seria isso crime? Um primo dela, enciumado, certa vez me puxou pelos ombros, com intenção agressiva. Não hesitei um segundo. Dei-lhe um chute na boca do estômago. Quanto ele dobrou, cruzei as mãos e as desci no pescoço. (Havia visto isto no cinema). Ele caiu estatelado no chão. Nossa! Virei herói da noite para o dia. Passaram até a me chamar por meu nome. Pretende alguém qualificar como crime estas brigas de adolescentes?

É só aluno quem pratica bullying? Eu diria que professor também. Ainda em meus dias de Dom Pedrito, chegou de Porto Alegre uma professora de biologia, um par de coxas fenomenais, nem um pouco mesquinha em exibir seus dotes. À minha frente, aquele vale profundo, sombrio, entrevisto sob a saia, antevisão de uma Canaã de leite e mel abundantes. A ala masculina perplexa, com olhar de peixe morto. Ela, ou pelo menos sua metade que ficava acima da mesa, distante e impassível, como se nada tivesse a ver com o que exibia lá embaixo. Um belo dia, resolveu tripudiar:

– Senhor Cristaldo, suba ao estrado.

Vermelho, de mão no bolso, obedeci à intimação, de costas para as meninas, olhar fixo no quadro negro. A pedagoga, coxuda e implacável, fria como navalha:

– Senhor Cristaldo, vire-se para seus colegas.

Mais o golpe de misericórdia:

– E por favor, senhor Cristaldo, tire as mãos do bolso.

Saudades daquela professora! Sempre fui bom em biologia, que aula dela eu não perdia. Mas isto não é bullying? Nós também éramos cruéis. Tínhamos um professor alemão de matemática, o padre Chico. Sofrera bombardeios na Alemanha e tinha neurose de guerra. Quando descobrimos isso, passamos a jogar no estrado aquelas bombinhas que estalam ao serem pisadas. O coitado do padre, ao ouvir os estalos, punha as mãos nos ouvidos e saía correndo porta afora. Nós ríamos às gargalhadas. Se isto não é bullying, não sei o que seja bullying.

Lourenço van der Raadt tampouco foi poupado. Mal havia chegado da Holanda, a turma inventou de chamá-lo de Padre Bicha. Se com pertinência, não sei. Sem conhecer nada de português, cada vez que entrava na aula era saudado com um sonoro "Padre Biiiicha!" Julgando que se tratava de um apelido carinhoso, ria feliz e sacudia as mãos juntas sobre a cabeça, como um atleta ao celebrar um gol. Pelo menos até o dia em que conheceu melhor as nuanças do português. O homem entrou na aula vermelho, o rosto entumecido pelo sangue. Nossa tradicional saudação ficou na garganta. Foram duros os meses pela frente.

Quando fui estudar em Santa Maria, fui colega do folclórico Trindade, um anão que fez história no colégio Santa Maria. Não era desses anões disformes, mas muito bem proporcionado. O irmão Daniel, professor de Física, o chamava de massa zero: ele não influenciava a lei da gravidade. Irmão Leão, professor de Química, o chamava de anão das idéias fedorentas: tinha o ânus muito perto da cabeça. Trindade nem ligava, se divertia com as piadas e seguia em frente. Estas foram as menores que o anão enfrentou. As outras, por uma questão de elegância, prefiro não contar. As piadas o divertiam.

Faz parte da adolescência apelidar, xingar, insultar, brigar, bater. E também reagir a apelidos, insultos ou agressões. Quando promotores querem criminalizar estes gestos, estão no fundo querendo proibir a adolescência.