¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 25, 2011
 
SCHENGEN EM XEQUE


Sua Santidade o papa Bento XVI, em sua suma generosidade, pediu ontem "solidariedade" aos refugiados de conflitos, particularmente africanos, na sua mensagem de Páscoa ao mundo. "Possa vir ajuda de todos os lados para aqueles fugindo de conflitos e para refugiados de vários países africanos, que têm sido obrigados a deixar o que é querido a eles", disse. "Possam as pessoas de boa vontade abrirem seus corações para recebê-los, para que as necessidades de tantos irmãos e irmãs sejam atendidas com uma resposta concertada em um espírito de solidariedade", acrescentou.

Por pessoas de boa vontade Sua Santidade entende Itália, França, Espanha, Alemanha e demais países da comunidade. O Vaticano está fora. Verdade que lá não caberia muita gente. Mas o Vaticano está cheio de salas que poderiam muito bem abrigar centenas de pobres diabos. Isso sem falar na Piazza San Pietro, com espaço confortável para centenas de barracas.

Na semana em que Sua Santidade expressava seu imenso amor pela humanidade desvalida, um grupo de 150 ciganos romenos foi desalojado de suas favelas de Casal Bruciato pela Prefeitura de Roma. Na Sexta-Feira Santa, dia que se celebra a morte do deus-homem que se deixou crucificar por amor aos homens, os ciganos se refugiaram na basílica de São Paulo extramuros, em território da Santa Sé.

Na manhã mesma do domingo em que o papa exortava desde sua cátedra os europeus a acolherem os refugiados da Líbia, África e Oriente Médio, as famílias ciganas foram divididas e expulsas do local. Uma trintena de mulheres e crianças romenas de etnia rom passaram uma noite ao relento, debaixo de chuva, no parque adjacente à basílica de São Paulo. É o que leio no El País. Deus não joga mas fiscaliza. Ou pelo menos gosta de pregar peças em seu vice.

Em seus ímpetos de generosidade, cinco países europeus – Bélgica, França, Alemanha, Luxemburgo e Países Baixos - assinaram em 1985 o tratado Schengen, que permite a livre circulação de pessoas dentro dos países signatários, sem a necessidade de apresentação de passaporte nas fronteiras internas. De lá para cá, uma trintena de países aderiu ao acordo, sendo que uns sete ou oito ainda aguardam implementação. Em um de meus passaportes, tenho um visto para o espaço Schengen, que me dispensava de vistos outros em território europeu. Meu passaporte era carimbado no país de entrada e no de saída. Este visto não é mais exigido, mas as regras Schengen ainda vigem na Europa.

O acordo logo revelou um elo fraco. Se imigrantes entravam no continente por fronteiras complacentes, estavam livres para buscar os países que lhes ofereciam mais vantagens, como França, Alemanha, Suécia, Dinamarca. Migrantes econômicos, geralmente alegavam perseguições políticas para obter asilo. Alguns países nórdicos estabeleceram uma limitação: o imigrante não poderia pedir asilo em um segundo país que chegasse na Europa. Teria de pedir no primeiro. Mas isto não conteve a onda de famintos da África e do Magreb.

Há duas semanas, a França impediu a entrada no país de um trem com dezenas de imigrantes tunisianos que haviam partido da cidade italiana de Ventimiglia. De acordo com a comissária européia do Interior, Cecilia Malmström, as autoridades francesas citaram "razões de ordem pública" para justificar a medida. Um porta-voz da Comissão Européia afirmou também que a França não tem a obrigação de permitir a entrada de imigrantes com vistos de residência temporária concedidos pela Itália.

Os humanistas de plantão – entre eles Sua Santidade – protestaram violentamente contra a França. A Itália protestou contra a decisão francesa e afirmou que a medida viola as regras da União Européia sobre a livre circulação no bloco. As pessoas que vivem legalmente nos 25 países da União Européia que assinaram o tratado de Schengen não precisariam apresentar documentos de viagem às autoridades da região.

Desde quando a Itália não pode exportar os famintos que a buscam para o país vizinho? O episódio pôs em xeque o acordo Schengen. Sexta-feira passada, um funcionário da Presidência francesa disse que o país considera abandonar temporariamente o tratado.

Toda corrente é tão forte quanto seu elo mais fraco. Segundo o funcionário do governo francês, deveria haver um mecanismo para suspender o acordo em resposta ao que descreveu como uma "falha sistêmica" na fronteira externa da UE. "Nos parece que precisamos pensar sobre um mecanismo que nos permitiria, quando há uma falha sistêmica numa das fronteiras externas da UE, intervir com uma suspensão temporária pelo tempo que a ruptura durar".

Schengen fracassou. Os europeus recém estão acordando para enfrentar as ameaças perfeitamente legais que ameaçam o continente. Enquanto isso, Bento XVI pede hipocritamente aos países europeus que acolham os miseráveis que o Vaticano expulsa de seu território.