¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, abril 27, 2011
 
SENADOR FRÁGIL E INDEFESO SOFRE
BULLYING DE JORNALISTA MALVADO



Da França, recebo de Roberto Veiga:

Olá, Janer,

bullying pra mim é no ambiente escolar o equivalente do que costuma ser chamado de assédio moral no ambiente profissional. Concordo que seja meio estúpido criminalizar o bullying (na verdade, é demagógico), já que nem menor estuprador e assassino é punido nesse país, mas discordo quando você desdenha disso, como se fosse algo que não traz maiores conseqüências para a vida da vítima e que por isso não mereça a atenção dispensada. Bullying não se resume a desentendimentos (comuns e inevitáveis) entre crianças e adolescentes em situações isoladas, com troca de insultos e safanões que no dia seguinte já se esquece.

Caracteriza-se, muito pelo contrário, por uma pessoa (a vítima) sendo constantemente assediada e geralmente por toda uma "galera" (os agressores). Passar a infância e a adolescência, época de formação da personalidade, sendo perseguido e humilhado, dia após dia, por outras crianças e adolescentes tem sim sua gravidade. Se o bullying gera ou não malucos como o do Realengo, isso pra mim é o de menos. Defendo o direito que uma pessoa tem, ainda mais uma criança ou adolescente num ambiente como o escolar onde ela esta pra ser cuidada, de não sofrer esse tipo de abuso. E isso implica a punição, também no ambiente da escola (suspensão, no limite mesmo expulsão), daqueles que o cometem.


Em termos, Roberto. De fato, não faz bem a uma pessoa, em sua infância ou adolescência, ser perseguida e humilhada, dia após dia, por seus colegas. Mas ninguém é perseguido dia após dia. Apenas de vez em quando. De qualquer forma, são situações que passam e nada justifica que, depois de adulto, o fulano massacre dez ou vinte crianças. É o que está sendo feito no caso do débil mental do Realengo. Já li defesas entusiastas do celerado e artigos considerando que devemos entendê-lo e perdoá-lo. É uma tendência contemporânea das esquerdas. Nenhum criminoso é culpado. São pobres vítimas desta sociedade malvada.

Que uma escola tome providências para afastar um aluno que não se adapta ao convívio com seus colegas é algo que me parece razoável. Daí a mobilizar a máquina da justiça e pedir um a quatro anos de reclusão para quem molesta seus colegas, como pretendem os promotores da Infância e Juventude de São Paulo, me parece exagero. Sem falar que é medida inócua. O tal de bullying geralmente ocorre entre adolescentes. Alguém já viu adolescente ir para a cadeia neste país? Adolescente tem carteirinha de 007, que confere direito a matar.

Se o assassino fluminense tivesse menos de 18 anos, seria condenado no máximo a três anos de internação. Sua liberação seria compulsória aos 21 anos. Seria punido com um aninho de prisão por cada três cadáveres. Em que planeta vivem estes senhores do Ministério Público, que pedem quatro anos de reclusão por pendengas de adolescentes?

Vamos adiante. Trote de calouros não é bullying? Não é humilhação submeter vestibulandos a banhos de lama, ovos quebrados no rosto e gracinhas outras. Isso quando não gera mortes, como já aconteceu em São Paulo. Em 99, o estudante Edison Tsung Chi Hsueh, brasileiro filho de imigrantes, ao entrar na Faculdade de Medicina da prestigiosa USP, foi jogado em uma piscina. Edison não sabia nadar e no dia seguinte seu cadáver foi encontrado no fundo da piscina. Dos duzentos veteranos presentes ao trote, ninguém sabia de nada, ninguém viu nada. Os assassinos, hoje membros da elite brasileira, permanecem até hoje impunes.

Há dois anos, causou alguma repercussão na imprensa o trote aos calouros da faculdade de agronomia da UnB. De acordo com a agência de notícias da universidade, os novos alunos - já sujos de tinta, ovos, farinha e vinagre - tiveram que escorregar por uma poça de água no corredor do Minhocão. Estudantes sem camisa eram incentivados a escorregar de barriga no chão molhado. Em outra brincadeira, os calouros lambiam leite condensado de uma lingüiça encapada com um preservativo.

Num curral improvisado nos fundos da universidade, os estudantes participaram ainda de uma gincana. A prova seria rodar ao redor de um cabo de vassoura com a testa em uma das extremidades até ficarem tontos para depois pularem em uma piscina de lama com pedaços de vegetais, legumes, folhas, galhos e lixo.

Isso não seria bullying? Ou bullying só é bullying quando ocorre no ensino médio? Os trotes universitários são bem mais violentos e humilhantes que o eventual assédio sofrido nos colégios. Com a agravante de que são praticados por universitários que se dirigem a cargos de responsabilidade na sociedade. Algum promotor pedirá quatro anos de reclusão para os futuros componentes da elite nacional?

A imprecisão do bullying é tamanha que o governo catarinense, ao legislar sobre o assunto, não conseguiu traduzir a palavra. Pela primeira vez na legislação brasileira temos um crime com nome ianque. Não vejo nada demais no fato de que as pessoas usem expressões inglesas ou francesas para designar produtos do mercado ou componentes da informática. Mas fica feio para quem legisla definir um crime tipificado em nossos códigos com nome estrangeiro.

Tão imprecisa é a definição de bullying, que o senador Roberto Requião a ela recorreu ao tomar o gravador de um jornalista. Ao ser interrogado sobre a pensão que recebe como ex-governador do Paraná, o senador não teve dúvidas. Avançou para cima do repórter e confiscou seu instrumento de trabalho. Que depois foi devolvido, com a gravação devidamente deletada.

“Acho que é um momento correto para resolvermos esse problema e acabarmos com o abuso, com esse verdadeiro bullying que sofremos, nós, os brasileiros, parlamentares ou não, nas mãos de uma imprensa, muitas vezes, absolutamente provocadora e irresponsável”, disse Requião ontem, em discurso no Senado.

Coitadinho do senador! E nós que pensávamos que só adolescentes eram vítimas de bullying. Neste país, nem nossos humildes e indefesos senadores estão a salvo da sanha de jornalistas truculentos e malvados e de suas perguntas inconvenientes.