¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, abril 20, 2011
 
SOBRE MINHA DECEPÇÃO COM O 7º
MELHOR RESTAURANTE DO MUNDO



Pois não é que eu já almocei no sétimo melhor restaurante do mundo e não sabia? Só fiquei sabendo agora, ao ler no Estadão que o D.O.M., aqui de São Paulo, obteve o 7º lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo – eleição feita anualmente pela revista britânica Restaurant. Hoje eu nada poderia dizer sobre o D.O.M., minhas papilas gustativas estão avariadas. Mas quando estive lá, meu paladar estava intacto.

Em primeiro lugar, fui lá porque fui convidado. Jamais iria de moto próprio. É um desses restaurantes carésimos onde novos ricos vão para serem vistos. Já que estava convidado, era ocasião de conhecer um universo para mim desconhecido. Éramos três. Do que foi servido, só reconheci um cordeiro assado e um aligoté. O resto, o Alex Atala nos explicava do que se tratava, pois não dava para perceber do que se tratava.

Suponho que o cordeiro fosse de carne, mas nunca se sabe. Atala é adepto da tal de cozinha molecular, essa estranha culinária que faz caviar de cenoura, beterraba e maracujá, e ostras sei lá de quê. Não sou muito chegado a caviar, em todo caso prefiro os de beluga ou esturjão. Não vou dizer que não gostei do que comi no D.O.M. Mas saí dali com saudades de uma boa picanha ou de uma massa à putanesca. Já nem falo de cochinillos ou lechales.

Pratos que parecem ikebana, servidos em porções diminutas. Hesitei em comer. Melhor levar para casa e pendurar na parede. Um deles vinha em um retângulo de madeira escura com listas brancas transversais. Quando terminei, o garçom me perguntou: não gostou do pupunha? Que pupunha? – quis saber. Pupunha eram as listas brancas. Ah, bom...

Pagamos, em três, com um só vinho, o preço de uma passagem de ida e volta a Paris. Quer dizer, eu não paguei, era convidado. Nem pagaria. Só em São Paulo encontro uns dez restaurantes melhores do que o D.O.M. e a preços mais humanos. Por que digo só dez? Porque só freqüento uns dez restaurantes em São Paulo. Se saísse a pesquisar, encontraria vinte, trinta ou mais. Se expandir minha pesquisa pela Europa, encontro cem, duzentos, mil ou mais restaurantes bem mais palatáveis.

Atala é discípulo do chef catalão Ferran Adriá, proprietário do El Bulli, restaurante em Cala Montjoi, uma enseada da Costa Brava espanhola, no qual eu jamais poria meus pés. O restaurante, que teve três estrelas no Guide Michelin, funcionava seis meses por ano. Nos outros seis meses, Adriá pesquisava novos pratos. Reservas com um ano de antecedência. Disse funcionava porque acabou fechando, apesar de suas três estrelas.

Adriá se celebrizou pelo que se chama de descontrução da cozinha. Leio no site Correio Gourm@nd: “Acreditando que ser criativo é não copiar nada, ele se fez célebre pensando no que ninguém havia pensado antes. Para conseguir uma mousse que conservasse todo o sabor natural de seu ingrediente principal e, ao mesmo tempo, tivesse uma perfeita e etérea ligeireza, usou o sifão, aquele de fazer chantilly, e, substituindo os ovos e o creme de leite por gelatina, deu vida a delicadas espumas. Transformou o foie gras numa textura suave e borbulhante, assim como a água do mar, o queijo parmesão ou qualquer fruta de época que cruzasse por seu laboratório. Mas esta é apenas uma das inovações do chef cuja imaginação e ousadia parecem não ter fim. A cada temporada, Adrià surpreende o universo gastronômico oferecendo um novo espetáculo sem paralelo na história da cozinha”.

Nada contra inovações em qualquer área que seja, inclusive na gastronomia. Mas, em matéria de cozinha, sou conservador. Gosto daqueles bons e antigos pratos, cuja excelência resistiu aos séculos. Do antigo e bom assado, das antigas e boas massas, risotos e paellas. Do foie gras que é foie gras e não espuma do mar. Leio que no El Bulli pratos complexos como a paella são sintetizados num único grão que você come e sente o exato gosto de uma paella; as gelatinas são quentes, o sorvete é salgado... Passo. Quero a antiga e boa paella, as gelatinas frias e os sorvetes doces.

Quando leio que o D.O.M. ficou em sétimo lugar numa lista dos 50 melhores restaurantes do mundo, agradeço a informação. Já excluo de minhas viagens pelo menos 50 restaurantes. Continuo fiel aos meus restaurantes seculares. Que não cultivam a tal de cozinha molecular. Neles o porco é porco, a ostra é ostra, o caviar é caviar. Aliás, em Madri eu gostava muito de um, que hoje não mais existe, o Comidas Naturales. Lá tudo era natural. O porco era porco, o boi era boi, o cordeiro era cordeiro.

Isso de comer sucedâneos de produtos naturais a preço de ouro, me desculpem os novos gourmets, é frescura de quem gosta de ostentação. Não é por acaso que o D.O.M. foi classificado por uma revista britânica. É sabido que a Inglaterra conquistou tão grande império em busca de uma boa cozinha. Pelo jeito, ainda não a encontrou.