¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

quarta-feira, maio 18, 2011
 
EU, ELITISTA


Em função do que escrevo, particularmente das últimas crônicas sobre Higienópolis, tenho sido chamado de elitista. O que não me surpreende, sempre fui elitista. Mas meu conceito de elite não é o vigente. Não tem nada a ver com posses ou poder. Não tenho consideração alguma por pessoas que são apenas ricas ou detentoras de poder. Se forem ricas e cultas, se forem dotadas de sensatez, refinamento e savoir vivre, bem-vindas sejam à minha mesa. Se são ricas e poderosas, mas vazias por dentro, por favor mantenham distância. Vejo mais sensatez em meu barbeiro do que em PhDeuses da USP. Minha faxineira tem mais bom senso que muito acadêmico. Prefiro conversar com meus garçons do que com professores de Teoria Literária.

O mundo está cheio de ícones bafejados pela mídia, tipo papa, Dalai Lama, Lady Gaga, Beatles, Pelé, Lula, Xuxa et caterva. Para mim, não valem um vintém. Particularmente o papa, dedicado funcionário do obscurantismo. Não tributo nenhum respeito a estes senhores. Se um dia me estendessem a mão, recusaria a minha. Meus heróis são outros. Platão, Sócrates, Galileu, Giordano Bruno, Cervantes, Swift, Nietzsche, Renan, Hernández, Pessoa, Orwell, Alexandre, Schliemann, Fernão de Magalhães, Champollion, Mozart, Verdi, Bizet, Fellini, Kurosawa. Hesito entre qual vida mais me fascina, se a de Alexandre, de Schliemann ou de Magalhães.

Entre os amigos e amigas de meu pequeno círculo, não há ninguém famoso. Nem rico. Conheci de perto pessoas que sonham em roçar-se a certos ídolos. Certa vez, em uma festa em Alphaville, vi um monte de gente se espremendo para tirar uma foto junto a um afrodescendentão cheio de dentes. Quando perguntei a alguém de quem se tratava, tive uma resposta perplexa. Como que eu não sabia de quem se tratava? Era um famoso apresentador de televisão. Confesso que jamais ouvira falar do distinto. Da televisão nacional, só assisto a algum noticiário e olhe lá!

Fiquei também sabendo que era comunista. Mais uma razão para tomar distância. Não conheço comunista honesto. Pelo que li mais tarde, elegeu-se deputado ou senador. Ou coisa que o valha. Hoje, está atolado até o pescoço nessas corrupções inerentes a políticos. É arriscado tirar foto com certas personalidades. Suponho que Obama, Sarkozy, Berluscone ou Lula hoje se arrependam amargamente de terem posado, cheios de sorrisos, junto a Kadafi.

Isto sem falar nas sumidades que um dia abraçaram o poderoso responsável pelo FMI, Dominique Strauss-Kahn. Que acabou se revelando um vulgar puxador de saias. A affaire revela o caráter destes senhores. Como pode, um homem que com um estalar de dedos teria as mulheres que quisesse, atacar uma camareira de hotel? De potestade do planeta a prisioneiro em uma cela de 12 metros quadrados em Rikers Island. De candidato preferencial à Presidência da França a personagem do Law & Order. Foi preso pela Special Victimes Unit, como no seriado. Profundo mistério! Não, não tenho apreço algum por detentores de poder, dinheiro ou fama. Prefiro o convívio com meus anônimos amigos.

No fundo, sou um aristocrata. Mas na acepção aristotélica de aristocrata, aquele que possui a aretê, conceito elaborado pelos antigos filósofos gregos, que podemos traduzir por virtude. No grego moderno tem mais o sentido de mérito, qualidade, aptidão. No antigo, o de coragem e honra. Não que eu conheça grego antigo ou moderno. Consultei uma boa amiga, apaixonada pela Heléia.

“Nas minhas idas e vindas pela cidade – dizia Sócrates –, não faço outra coisa senão persuadir-vos, novos e velhos, a que vos preocupeis mais, nem tanto, com o vosso corpo e as vossas riquezas do que com a vossa alma, para a tornardes o melhor possível, dizendo-vos: a virtude não vem da riqueza, mas sim a riqueza da virtude, bem como tudo o que é bom para o homem, na vida particular ou pública."

O conceito de aretê está intimamente ao de paidéia, o "processo de educação em sua forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana" na Grécia antiga, segundo Werner Jaeger, a cultura construída a partir da educação. O objetivo da paidéia não era formar profissionais, mas treinar o cidadão para o exercício da liberdade e da nobreza. É deplorável que esse conceito tenha ficado enterrado no fundo dos tempos e a educação, hoje, tenha se transformado em instrumento de aquisição de dinheiro ou poder. O avanço na história jamais coincidiu com superioridade moral. Quantos mortais, hoje, teriam a dignidade de um Sócrates ou a visão e coragem de um Alexandre?

Naqueles dias, lemos na República, homem superior era o filósofo. Era o homem que não se entregava à multiplicidade das impressões sensoriais, nem se deixava arrastar durante a vida inteira pelo vai-e-vem das simples opiniões. Só ele possuía um conhecimento e um saber no verdadeiro sentido destas palavras. Só ele podia dizer o que era belo e justo em si. As opiniões da massa a respeito destas e das restantes coisas oscilavam na penumbra entre o não-ser e o verdadeiro Ser. O filósofo possuía a episteme. As massas se contentavam com a doxa, o saber vulgar. O mundo mudou, e não foi para melhor. Hoje, homem superior é o roqueiro ou jogador de futebol. E filósofo é qualquer acadêmico que fala de forma obscura sobre coisas claras.

Sou oriundo de uma geografia onde ser alfabetizado era como ter um olho em terra de cegos. Desde muito cedo intui que conhecer é mais desejável que ter. Uma boa biblioteca, para mim, vale mais do que um iate ou casa na praia. Considero mais inteligente viajar do que ter carro. Nunca tive carro, não sei sequer dirigir, mas conheço bastante bem o planetinha. Com carro não se vai longe. Melhor dois pés na Europa que quatro rodas no Brasil. Melhor conhecer cinco ou seis línguas do que ter dez ou vinte imóveis e ser monoglota. Melhor conviver com quem gostamos do que roçar-se em mitos. Melhor gostar da mulher que está a meu lado do que daquela que está longe.

Até hoje, guardo a terna lembrança de uma amiga sueca. Era, para desgosto de sua família, guia turística. Seus pais prefeririam que tivesse profissão mais rentável. Eram os dias da Guerra Fria. Se um dia os russos invadirem a Suécia – me dizia Lena – podem tomar as posses de todos os suecos. Mas minhas viagens eles não me tomam. Boa parte de meus amigos são viajantes sem cura. Possuem posses que ninguém rouba. Eu também. Se um dia um assaltante invadir meu apartamento, terá perdido seu tempo.

Sim, sou elitista. Mas elitista a meu modo. Nada a ver com o que se chama usualmente de elite.