¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, maio 27, 2011
 
HOMOSSEXUALISMO VIRA BANDEIRA


Leitor me pergunta se vou escrever algo sobre o kit gay do ministério da Cultura. “Nove em cada dez pessoas com quem converso e se opõem ao kit por "incentivar a homossexualidade" não assistiram nenhum dos vídeos. Dá a impressão de que a oposição do homem médio por aí ao kit é apenas prazer sádico em dizer não e com isso inflar o sentimento de superioridade ou, sei lá, inflar uma idéia distorcida de poder”.

Vamos lá! Não, não vejo nenhum prazer sádico em dizer não. Penso que o Estado – como também a Igreja – nada tem a ver com a vida sexual de quem quer que seja. Não que eu concorde com a presidente. Ela concorda comigo, já que desde jovem defendo esta tese. Com uma diferença. Eu a defendo porque assim penso. Não preciso comprar votos da bancada evangélica para defender um ministro corrupto.

Para começar, não tenho simpatia alguma pela tal de educação sexual, pelo menos como vem sendo ministrada. Que se dê a um adolescente noções do aparelho reprodutivo, informações sobre doenças venéreas e sua prevenção, tudo muito louvável, digno e justo. Daí a entrar em detalhes sexuais, como vem sendo feito, considero um abuso por parte dos professores. Estão roubando ao adolescente o prazer da descoberta. Nada melhor que deparar-se com algo desconhecido e penetrar aos poucos no mistério.

Se bem que, nestes dias em que a pornografia está à distância de um clique de mouse, nem isto é possível. De qualquer forma, é perfeitamente dispensável nas escolas. Já ouvi e li relatos sobre professoras empunhando uma banana em plena aula para ensinar como se põe um preservativo. Como se fosse preciso ensinar. Estão subestimando a inteligência da meninada.

Por outro lado, sexualidade é uma questão de opção individual. Não falta quem diga que as pessoas nascem hetero ou homossexuais. É a besteira inversa daquele axioma da Simone de Beauvoir: uma mulher não nasce mulher; se torna mulher. Ora, homens e mulheres – salvo alguma anomalia genital – nascem homens e mulheres. Homossexualidade é escolha. A pessoa um dia degusta o fruto e dele gosta. Frutos proibidos existiam nos tempos bíblicos. Hoje não há fruto proibido algum. Pelo menos no Ocidente.

Surgiu nas últimas décadas uma profissão espúria, como tantas outras que andam por aí, tipo psicanalista, astrólogo, quiromante: a profissão de sexólogo. Como se sexo precisasse ser ensinado: "olha, isto aqui você põe ali". Proliferam também os manuais de educação sexual, que pretendem ensinar como portar-se na cama. Virou gênero literário. Confesso jamais ter lido tais manuais e deles jamais senti falta.

Vi os filminhos em discussão. Me pareceram uma apologia bichesca ao homossexualismo. Explico. Uma coisa é ser homossexual, outra é ser bicha. Por homossexual, entendo aquele homem ou mulher que gosta do mesmo sexo, sem renunciar à sua masculinidade ou feminilidade. Bicha, em minha acepção, é esse homossexual com trejeitos femininos e voz de pato Donald. É o que vemos nos filmes, pelo menos no que discute o homossexualismo masculino. O menino homossexual é um estereótipo. Ora, um homem não precisa ser uma caricatura de mulher para ser homossexual.

Outra solene bobagem: pelo que se vê, as relações entre os personagens são, antes de tudo, amorosas. No fundo, a velha concepção catolicona de amor. Por trás dos vídeos, pelo jeito há militantes igrejeiros. No que se refere a lesbianismo, até pode ser. Mulher não é tão devassa como nós, varões. Quanto a homossexualismo masculino, não é bem assim. Os homens se movem mais por desejo do que pelo tal de amor. Esses namoricos entre homem e homem é abominável modismo contemporâneo. Não é, a meu ver, o que fazia um Alcebíades buscar Sócrates.

Por outro lado, o projeto de lei anti-homofobia é mais tentativa de censura à expressão do pensamento do que defesa de opção sexual. Pelo que tenho lido, daqui pela frente toda crítica ao homossexualismo fica proibida. A senadora Marta Suplicy abriu uma exceção no projeto: em templos pode. Assim, se você não gosta deste tipo de comportamento – o que é um direito seu – terá de buscar um templo para criticá-lo. Quanto ao heterossexualismo, este pode ser criticado à vontade.

Os vídeos me pareceram, sim, um aceno ao homossexualismo. Mostra este comportamento como algo idílico e desejável, nos moldes daquele amor tão ao gosto da Igreja de Roma. Ora, o Estado nada tem a ver com opções sexuais. Ao que tudo indica, há um núcleo gay militante no MinC, que pretende mostrar ao mundo como ideal o comportamento homossexual. O veto da presidente é hipócrita. Se acha que Estado nada tem a ver com o assunto, deveria começar demitindo seu ministro da Educação, o responsável último pelos vídeos e outras besteiras anteriores.

Convivo com homossexuais desde minha adolescência. Quando a imprensa internacional incensou como grande novidade os prefeitos de Paris e Berlim, esqueceram Dom Pedrito. Tivemos, lá pelos anos 70, um prefeito assumidamente homossexual. Nada tinha de bicha. Era másculo e adversário temível nos debates políticos.

Já contei há uns cinco anos, me sinto obrigado a contar de novo. Alto, apolíneo no porte, dionisíaco na vida, Rui Bastide foi eleito e reeleito vereador várias vezes e chegou a ser prefeito da cidade. Nos anos 70, teve seus direitos políticos cassados, por um ato único do presidente Garrastazu Médici. Honrado com a deferência, comemorou o ato com foguetes. Comentário indiferente na cidade: "O Brasil vai perder muito com esta cassação". Na época, não se falava em gays, tampouco havia associações de gays e lésbicas. "Já procurei até médico" - confessou-me um dia Bastide -. "Mas que vou fazer? É a minha natureza".

Sua detenção pelos militares virou folclore. O vereador estava prestando seus serviços ao Brasil, quando batem na porta de seu apartamento. Ainda pelado, entreabriu a porta. Três militares o procuravam, um oficial e dois soldados, de metralhadoras em punho. O senhor é o Rui Bastide? - perguntou o oficial. Sou. Então o senhor está convidado a comparecer às dependências do 14º Regimento de Cavalaria. Acho que vou declinar do gentil convite - respondeu Bastide. Ocorre que não é bem um convite. O senhor terá de ir. Agora e como está. Então me levem - disse o Rui - abrindo a porta e os braços, em plena glória de sua nudez. "Os soldadinhos enrubesceram, não sabiam para onde apontar as metralhadoras. Aí, me deram tempo. Tomei banho, me perfumei, me despedi do Brasil, não sabia quanto tempo ia ficar preso".

Em tempo: Brasil era um negrão que fazia jus aos favores do futuro alcaide. Pelo jeito, a prisão foi produtiva. Em vez de xingar a ditadura, Rui encenou um balé, onde bravos lanceiros do Ponche Verde, envergando diáfanas bombachas brancas, executavam impecáveis pas de deux enquanto cantavam uma ode ao 14 º RC: Querido Exército...

A trajetória do Rui, a meu ver, está à espera de um bom cineasta. Em passadas andanças pela Europa, em vários países relatei este caso pedritense. E vi alemães, franceses, espanhóis perplexos, admitindo que em suas comunidades, por mais abertas que fossem aos novos tempos, não haveria lugar para um prefeito gay. Fala-se muito hoje em abrir o jogo, sair do armário, assumir-se. Tais expressões eram desconhecidas em Dom Pedrito. Se alguém era homossexual, ninguém tinha nada a ver com isso e estamos conversados.

Há fatos que na infância nos marcam a memória e só depois de muito viver lhes conferimos a verdadeira dimensão. Ocorreu no Upamaruty, distrito rural de Livramento, na fronteira com o Uruguai, onde vivi meus dias de guri. Torrão de gente rude, onde qualquer adulto tinha de cuidar-se com a língua para não morrer. Lá na Linha Divisória - como era mais conhecida a região - uma palavra mal empregada, ou mal entendida, podia custar uma vida. Lá na Linha, conheci Seu Alvarino.

Fora trazido da cidade, como cozinheiro do Peixoto, um bolicheiro local. Negro, enorme, espadaúdo, durante o dia cuidava da cozinha e das coisas do Peixoto. Nas tardes de domingo, cumpridas suas tarefas caseiras, vestia uma blusinha de rendas cor-de-rosa, punha sua mais rodada saia longa e sentava na porta do bolicho, munido de agulhas e novelos. A gauchada ia chegando, boleando a perna e atando os cavalos no alambrado. Em meio àquela gente armada, revólveres e facões pendendo da guaiaca, seu Alvarino, indiferente às charlas e ruídos de esporas, permanecia absorto em seu crochê, como se ali estivesse tricotando desde o início dos tempos.

Nunca precisamos de cartilhas do MinC para aceitar a sexualidade alheia. Homossexualismo, naqueles pagos, não era bandeira a ser brandida. Apenas um comportamento como qualquer outro.