¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, maio 30, 2011
 
PARA QUE SERVE A FILOSOFIA?


Prezada Cristina:

Falei em extinção dos cursos de Filosofia. Não em extinção da filosofia. Esta está extinta há muito tempo. Ou diluída de tal forma que se tornou irreconhecível. A palavrinha, desde suas origens, comporta muitos sentidos. Recorro a Ferrater Mora, que nos ensina que antes de se usar o substantivo filosofia, usou-se o verbo filosofar.

Aparece pela primeira vez em uma passagem de Heródoto, onde Creso, ao dirigir-se a Solón, disse ter tido notícias de seu amor ao saber e de suas muitas viagens a muitas terras com a finalidade de ver coisas. Emprego semelhante se encontra em Tucídides: amamos a beleza, mas sem exageros, e amamos a sabedoria, mas sem debilidade. Se atribui a Pitágoras ter-se chamado a si mesmo de filósofo.

“O problema se complica pelo fato de que, junto ao termo filósofo, se empregaram desde os pré-socráticos outros vocábulos: sábio, sofista, historiador, físico, fisiólogo. Uma primeira precisão surgiu quando filosofar foi entendido no sentido de estudar, isto é, estudar teoricamente a realidade. Sábios, sofistas, historiadores, físicos e fisiólogos foram então considerados filósofos. As diferenças entre eles obedeciam ao conteúdo das coisas estudadas: os historiadores estudavam fatos (e não só fatos históricos), os físicos e fisiólogos estudavam o elemento, ou os elementos últimos que se supunha comporem a natureza. Todos eram, no entanto, homens sapientes e portanto todos podiam ser considerados filósofos, como fizeram Platão e Aristóteles”.

Como vemos, o conceito era amplo e abrigava desde o amor ao conhecimento até mesmo o amor pelas viagens, que também constituem conhecimento. De lá para cá, os saberes foram se tornando autônomos e constituindo disciplinas distintas e independentes da filosofia. Lá pelas tantas, na Idade Média, a filosofia fundiu-se à teologia, e ai dos filósofos se assim não fizessem. Com a fragmentação das disciplinas, a filosofia foi sendo acossada rumo ao vago campo da metafísica e hoje, segundo alguns pensadores, o objeto da filosofia é buscar o objeto da filosofia. De busca do saber, a filosofia evoluiu para a masturbação acadêmica.

Sempre entendi como filósofo o homem que desenvolve um sistema filosófico. Que traz alguma resposta às questões que as épocas impõem. Se não trouxer resposta alguma, é mero solipsista. Filósofos, para mim, são Platão, Aristóteles, Hume, Bergson, Descartes, Kant, Hegel. (Nietzsche, eu o situo mais como poeta. Marx nunca foi filósofo, como pretendem os marxistas. Era jornalista e economista). Hoje, filósofo é qualquer professorzinho de filosofia. É possível que a moda tenha surgido na França. Em meus dias de Paris, meus professores, ao examinar meu currículo, exclamavam: “Ah, vous êtes philosophe”. Nada disso, professor, apenas estudei filosofia.

A propósito, que coisa boba o tal de cogito cartesiano. Colocar toda a realidade circundante em dúvida e concluir que só se existe porque se pensa? Ridículo. Fosse um brasileirinho a proferir tal bobagem, seria tido como delirante. Mas quando um francês arrota às margens do Sena, o arroto vira doutrina.

Estudei História da Filosofia por quatro anos. Nestes estudos, considerei que filosofia é isto: alguém diz que o homem e o universo são assim e vão para lá. Surge outro e diz que o homem e o universo são assado e vêm para cá. A filosofia busca abstrações. Quer definir o que seja o Homem, assim com H maiúsculo. Ora, esse homem não existe. É como buscar o terno ideal que sirva a todos os homens e acaba por não servir a nenhum. O que existe é este homenzinho de todos os dias – com h minúsculo mesmo – que vamos encontrar... na literatura.

O saber racional acaba por negar-se a si mesmo. As filosofias se chocam e se destroem umas às outras. Os filósofos acabam se dando cotoveladas nas enciclopédias, em busca de espaço. Só a literatura permanece. Platão, por fascinante que seja, envelheceu. Já a Ars Amatoria, de Ovídio, permanece eternamente jovem. A vida é mais simples do que imaginam os filósofos. O homem nasce e morre e neste interlúdio esperneia. Fim de papo. A filosofia até pode ter pretendido ensinar o homem a viver. Mas a história está repleta de homens que bem conduziram suas vidas, sem nada entender de filosofia.

À nous deux, Cristina. Não me parece que seja necessário curso universitário para estudar filosofia. A meu ver, basta pegar uma história da filosofia e ir em frente. O manualzinho precário do Manuel Garcia Morente já serve. Se quiser ir mais longe, você pode apelar ao dicionário de Ferrater Mora ou à História da Filosofia, de Abbagnano. O Will Durant não é muito bem visto na academia, mas é muito útil. Veja o que lhe interessa e busque os autores.

A filosofia estilhaçou-se em mil pedaços e hoje duvido que alguém saiba definir, com precisão, em que consiste a filosofia. Pelo que vejo, filósofo é qualquer acadêmico que fala de maneira obscura sobre o homem e o mundo. O Brasil está cheio deles, todo santo dia surge nos jornais alguém se intitulando filósofo. Houve até um senador que quis regulamentar a profissão, mas seu projeto não foi adiante. Nem poderia ir.

Cá entre nós, Cristina: para que servem seus estudos na University of London, no Institute of Philosophy, ou na UCLA? Você vai criar algum sistema filosófico novo? Não vai. Seus estudos vão levá-la a entender o homem e o mundo? Diria que não. O melhor caminho, no caso, são os estudos de história. Suas pesquisas trarão alguma contribuição ao país ou à humanidade? Tenho minhas dúvidas.

Não vou dizer que meus estudos de filosofia tenham sido completamente inúteis. Me ensinaram que a verdade é relativa. Que os homens são diferentes na geografia e que pensaram de forma distinta conforme as épocas que lhes foram dadas viver. E nada mais do que isso. Mas para chegar a estas conclusões, eu não precisava sentar o traseiro nos bancos universitários. Nem percorrer as chatices de Husserl, Heidegger ou Sartre.

Foi muito bom, sem dúvida alguma, conhecer Platão e Sócrates. Mas para isto basta apanhar alguns livros numa livraria ou biblioteca. Continuo considerando os cursos de Filosofia – como também os de Letras ou Jornalismo – completamente inúteis.