¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

domingo, maio 01, 2011
 
VATICANO TEM VAGA
PARA MÉDICO VENAL



João Paulo II é o papa que não só acobertou pedófilos como ainda abençoou um dos mais notórios, o mexicano Marcial Maciel, recebido em audiência em 2004 e culpado de vários abusos sexuais. É o papa que puniu teólogos que pediam reformas na Igreja e o abrandamento de sua moral sexual. Que pregou castidade, fidelidade – da mesma forma que seu sucessor, Bento XVI - em plena epidemia de Aids na África, recusando o recurso aos preservativos e expondo populações inteiras à uma morte infamante.

João Paulo II é também o papa que proclamou beata a vigarista albanesa Agnes Gonxha Bojaxhiu, também conhecida como Madre Teresa de Calcutá. A santa senhora costumava depositar flores na tumba de seu conterrâneo, Enver Hoxha, um dos mais sanguinários ditadores comunistas do século passado. No Haiti, durante a tirania de Baby Doc, recebeu de suas mãos a "Légion d'honneur" haitiana. Junto à Suprema Corte dos Estados Unidos, pediu clemência para Charles Keating, vigarista condenado a dez anos de prisão por lesar os contribuintes americanos em 252 milhões de dólares. Deste senhor, Madre Teresa recebeu a simpática quantia de 1,25 milhão de dólares e a oferta de um jato privado para suas viagens.

Ontem, em plena praça San Pietro, em vez de ser denunciado a um tribunal de crimes contra a humanidade, João Paulo foi proclamado beato por Bento XVI. Para ser beato, basta um milagre. Milagrosamente – ou nem tanto – encontrou-se uma freirinha francesa que teria se curado do mal de Parkinson após ter rezado junto ao túmulo do papa. Sempre que está em pauta um processo de beatificação ou canonização, os milagres brotam como cogumelos após a chuva. Já estão sendo estudados cerca de 1.500 relatos de outros milagres atribuídos ao papa. Ora, basta um segundo milagre confirmado pelo Vaticano para transformá-lo em santo.

O milagre surgirá com a rapidez de um raio. Não é de duvidar que surja do Brasil, tido como a maior nação católica do mundo, onde psiquiatras estão cobrando apenas dez mil merrecas para dar aulas de simulação de loucura para promotoras. Para o Vaticano, argent de poche.

Não seria o primeiro santo made in Brazil. Em 98, foi beatificado pelo João Paulo o frei Galvão, religioso brasileiro que curava as pessoas com suas pílulas milagrosas. Para se tornar beato, em onze anos de estudo foram avaliados cerca de trinta mil milagres a ele atribuídos. Cinco destas graças relatadas por fiéis foram escolhidas e uma enviada à Roma. Mucho estruendo y pocas nueces, como dizem os espanhóis, parafraseando Shakespeare.

A graça reconhecida pelo Vaticano foi a cura de uma menina de quatro anos, que estava hepatite B. Desenganada pelos médicos, a menina tomou a pílula de Frei Galvão, dada pela própria mãe, e foi curada. A pílula consiste em um papelzinho onde está escrito: "Depois do parto permanecestes Virgem, Mãe de Deus, intercedeis por nós". A frase era escrita pelo próprio beato, que a distribuía às pessoas que o procuravam no Mosteiro da Luz, em São Paulo, enquanto ainda era vivo. Hoje são distribuídas cerca de 60 mil pílulas por mês por meio dos Correios.

Ora, segundo médicos, a maioria das pessoas que pega o vírus da hepatite B se cura sozinha (nove em cada dez) com o aparecimento de anticorpos anti-Hbs e não precisa de tratamento específico. Mesmo assim, a Santa Sé aprovou o milagre de autoria de Frei Galvão e ele foi beatificado.

O segundo "milagre", que conferiu ao charlatão das pilulinhas de papel a auréola de santo, foi o nascimento de um menino, cuja mãe tinha útero bicorne, o que dificulta muito a gestação. Dificulta, mas não impossibilita. Os Conselhos de Medicina do país se mantiveram calados e o novel santo jamais foi denunciado por charlatanismo.

Os santos da Igreja são, no fundo, uma decorrência do monoteísmo. Mal Constantino reuniu em uma só as três deidades, o Pai, o Filho e o Espírito, a Igreja, em sua raposice secular, pressentiu que a idéia não era brilhante. Que eram os deuses lares, manes e penates romanos, senão reencarnações dos próprios antepassados? O homem que cultuava seus lares estava em verdade cultuando seus mortos. A família era mais sólida naquele mundo pagão. A progênie era uma benção e a infertilidade uma maldição. Quem não procriasse, uma vez morto não teria quem lhe oferecesse os manjares que agradam aos lares.

A um deus distante e impessoal, os pobres de espírito preferem deuses particulares e mais íntimos. Intuindo isto, a Igreja criou um novo tipo de herói, o santo. Substituem os muitos deuses da era pagã. É um deusinho para uso pessoal. Houve época em que os santos eram mais ou menos universais. Com João Paulo II, esta política muda. Em seus 26 anos de pontificado realizou 1.345 beatificações. Dos 800 santos da Igreja Católica, 483 são do período do papa polonês. Ele canonizou mais do que todos os outros papas juntos nos últimos 400 anos. Hoje há santos de província, dos quais só alguns gatos pingados têm notícia.

Em matéria de milagres, meu santo dileto é São Vicente Ferrer, de Valência, cidade famosa pela paella que leva seu nome. Consta que uma família, ao saber que receberia a visita de um cardeal, perguntou ao santo milagreiro que deveria oferecer-lhe.

- Ofereçam o que de melhor vocês têm – disse o Vicente.

O melhor que a família tinha era o filho. Fizeram do filho uma paella. Ao tomar conhecimento do excesso de zelo, o santo homem voltou à casa e reconstituiu o menino. Menos o dedo mindinho, que a mãe havia comido ao provar a paella.

Falta agora só um médico que, em nome da ciência, constate um segundo milagre de Karol Wojtyla. Como médicos venais é o que não falta neste mundo, dentro em breve João Paulo será santo.