¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, junho 30, 2011
 
DEUS FOI CONDENADO
À MORTE POR JUDEUS



Recebi a notícia há alguns dias. Não sei se procede, parece mais um daqueles hoaxes que inundam a Web. Ma chi lo sa?

Uma corte de rabinos de Jerusalém teria sentenciado recentemente um cachorro à morte por apedrejamento, segundo o site Ynet, página eletrônica do jornal Yediot Aharonot, um dos maiores de Israel. O motivo seria a suspeita de que o espírito de um advogado que insultou juízes vinte anos atrás havia se transferido para o corpo do cão.

Segundo o Ynet, um grande cachorro entrou na Corte de Negócios Monetários perto do bairro ultraortodoxo de Mea Shearim, em Jerusalém. O cão assustou os visitantes da corte e, para surpresa deles, se recusou a sair mesmo depois que as pessoas tentaram levá-lo para fora. Um dos juízes lembrou que cerca de vinte anos atrás um famoso advogado que insultou a corte foi amaldiçoado pelos juízes. Eles disseram que queriam que o espírito dele passasse para o corpo de um cachorro. O advogado morreu anos depois.

O que não deixa de ser previsível. Segundo a notícia, um dos juízes sentenciou o animal à morte por apedrejamento e recrutou crianças da vizinhança para colocar a ordem em prática. O cachorro fugiu. O dirigente da corte, Rabbi Avraham Dov Levin, negou que a corte tenha sentenciado o cão à morte, mas um dos gerentes confirmou a sentença.

Como disse, a notícia mais parece boato. No entanto, em se tratando de rabinos, nunca se sabe. Judeus não gostam de cães. Vejo aqui em meu bairro, Higienópolis. Também conhecido por Hidishienópolis. É certamente a mais alta concentração de judeus por metro quadrado da América Latina. Há também muitos cães no bairro. Mas jamais vi judeus – facilmente identificáveis por seus trajes – sendo conduzidos por cachorros. Enfim, isto pode ser uma observação particular. Vamos então ao Livro.

Poucas são as menções a cães no Antigo Testamento. E todas pejorativas. Lemos no Êxodo: “Mas contra os filhos de Israel nem mesmo um cão moverá a sua língua, nem contra homem nem contra animal; para que saibais que o Senhor faz distinção entre os egípcios e os filhos de Israel".

Em Juízes: “E Gideão fez descer o povo às águas. Então o Senhor lhe disse: Qualquer que lamber as águas com a língua, como faz o cão, a esse porás de um lado; e a todo aquele que se ajoelhar para beber, porás do outro”.

Em Samuel: “Disse o filisteu a Davi: Sou eu algum cão, para tu vires a mim com paus? E o filisteu, pelos seus deuses, amaldiçoou a Davi”.

A ordem de execução do animal teria sido dada pelos rabinos pela aflição que o animal causou à corte”, disse o dirigente da Corte de Negócios Monetários. “Eles não emitiram uma decisão oficial, mas ordenaram que crianças das redondezas apedrejassem o cão para fazê-lo ir embora. Eles não vêem isso como uma crueldade contra animais, mas como uma forma apropriada de se livrar do espírito que entrou no pobre cachorro”.

Não me espantaria. Afinal os judeus já condenaram até mesmo Deus à morte. Quem conta é a teóloga e historiadora britânica Karen Armstrong, em seu último ensaio publicado no Brasil, Em Defesa de Deus. Aconteceu em Auschwitz. Certo dia, um grupo de judeus resolveu julgar Deus.

“Diante de um sofrimento tão inconcebível, consideraram totalmente inconvincentes os argumentos convencionais. Se Deus era onipotente; podia ter impedido a Shoah; se não podia detê-la, era impotente; se podia, mas decidira não a deter, era um monstro. Condenaram Deus à morte. O rabino que presidiu o julgamento pronunciou o veredito e depois, calmamente, anunciou que estava na hora da oração vespertina”.

Estas desconfianças em relação à divindade sempre perpassaram a literatura. Problemas decorrentes do monoteísmo. Se Deus é um só, ele é responsável não só pelo bem, mas também pelo mal. Escreveu o suíço Fritz Zorn: “Mesmo se partimos da hipótese que Deus não existe, deveríamos positivamente inventá-lo, que mais não seja para quebrar-lhe a cara. Deus é o vaso no qual o homem deve despejar seu ódio”.

Em Informe sobre Cegos, de Ernesto Sábato, Fernando Vidal Olmos elabora sete possibilidades sobre a divindade:

1 – Deus não existe.
2 – Deus existe e é um canalha.
3 – Deus existe, mas às vezes dorme: seus pesadelos são nossa existência.
4 – Deus existe, e tem acessos de loucura: esses acessos são nossa existência.
5 – Deus não é onipresente, não pode estar em todas as partes. Às vezes está ausente. Em outros mundos? Em outras coisas?
6 – Deus é um pobre diabo, com um problema demasiado complicado para suas próprias forças. Luta com a matéria como um artista com sua obra. Algumas vezes, em alguns momentos, consegue ser Goya, mas geralmente é um desastre.
7 – Deus foi derrotado antes da História pelo Príncipe das Trevas. Derrotado, convertido em suposto Diabo, é duplamente desprestigiado, já que se lhe atribui este universo calamitoso.

Em suma, monoteísmo causa desconforto. Que o digam os judeus que condenaram Deus à morte. Se ousaram condenar Jeová, condenar um cão é o de menos.