¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, junho 22, 2011
 
CANNABIS, CRACOLÂNDIA E A
HIPOCRISIA DOS VULTURES



Do Raphael Piaia, recebo:

"Os maconheiros seriam seres moralmente superiores à turma do crack ". Come on, Janer... Não são? Não dá para comparar, basta lembrar teus tempos de universidade. Lembre de alguma guria linda, marxista, que brigava contigo no começo da noite por conta das tuas posições muito "reacionárias", depois acendia um pouco de cannabis e no final da noite já estava dispersando toda a raiva que tinha de você através de beijos em você. Não há semelhanças, ao menos nesses casos, entre usuários de maconha e usuários de crack.

De mais a mais, pelo tempo que conheço você (leio teus textos desde que eu tinha o quê? 16, 17 anos? Hoje tenho 23), diria que a decisão do STF a favor da Marcha da Maconha condiz com o modo como pensamos, sob pena de se levar ao extremo a idéia de democracia indireta, de forma que só possamos nos expressar quando estamos elegendo esse ou aquele imbecil que, esse sim, vai falar por nós no congresso. Depois da eleição, fechamos os lábios e nos curvamos ao mandato concedido enquanto durar a legislatura (ou as legislaturas, no caso dos senadores). Parafraseando, salvo engano, o ministro Peluso, estaríamos diante de pura fossilização legislativa.
Abraço.


Vamos por partes, Raphael. Para início de conversa, sempre fui pela liberação das drogas. Ou melhor, era. Não há mais sentido em lutar pela liberação das drogas por uma razão elementar: elas há muito estão liberadas. Ao proibir a marcha da maconha e liberar a tal de marcha pela liberdade de expressão os juízes do Supremo estão trocando seis por meia dúzia.

A dita marcha pela liberdade de expressão de sábado passado foi em verdade uma marcha pela descriminalização da maconha. Marcha ridícula, já que o consumo da maconha, como disse, há muito deixou de ser crime. Deste ridículo participa inclusive um dos vultos insignes da pátria, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso que, depois de velho, anda liderando mundo afora uma cruzada para liberar o que há muito foi liberado.

O que é crime – e nisto vai outra hipocrisia – é o tráfico. Que história é essa? Comprar você pode. O que não pode é vender. É a hipocrisia inversa do que ocorre com a prostituição em vários Estados americanos e em alguns países europeus. Uma mulher pode vender seu corpo. Crime é comprá-lo. Imagine se você pudesse comprar vinho, mas fosse proibido vender vinho. Ridículo.

Mas o tráfico será mesmo crime? Apanho dados antigos, de seis anos atrás. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas da ONU de 2005 o tamanho do mercado das drogas em todo o planeta era de US$ 322 bilhões (R$ 510 bilhões) em vendas ao consumidor final, o que equivalia na época a 0,9% do Produto Interno Bruto Mundial. O volume de drogas no atacado (US$ 94 bilhões) representava 1,3% das exportações globais, e excedia em larga escala o comércio internacional de carne, trigo, café e derivados do tabaco, entre outros produtos. A venda de maconha vinha na frente - US$ 113 bilhões, no varejo - seguida pela cocaína, opiáceos (heroína, morfina), drogas sintéticas (anfetaminas, ecstasy) e haxixe. A maconha, aliás, foi a única droga que apresentou crescimento significativo do número de consumidores - 15 milhões a mais em relação ao último relatório.

Não me venham dizer que o tráfico é crime. Um mercado de tais dimensões é mercado livre, ora bolas. As distinções que os vultures do Supremo fazem em droga para uso pessoal e para caracterizar o traficante são outra bizantinice do Judiciário. Se ando com a maconha suficiente para um baseado é uso pessoal. Mas e se eu costumo fumar dez baseados por dia é também consumo pessoal. Se levo quantidade para dez doses, seria eu um traficante? Se o traficante traz apenas um baseado de cada vez, não poderia ser quantidade para uso pessoal? Os senhores juízes, no fundo, estão querendo cortar um fio de cabelo em quatro, como dizem os franceses.

Cá na pátria amada, de vez em quando a polícia apreende uma carga maior de droga, mais para mostrar serviço do que para outra coisa. A cracolândia, por exemplo. Há um bom meio milhar de drogados cachimbando à luz do dia. Todos os dias. Obviamente há quem os abasteça. E não serão um ou dois traficantes que darão conta do recado. São necessários dezenas. Mais ainda: se antes havia uma cracolândia no singular, hoje há cracolândias. Tanto em São Paulo como nas demais capitais do país.

Dito isto, vamos ao resto. Não vejo superioridade moral alguma dos maconheiros em relação aos – como direi? – craqueiros. Há uma diferença social e econômica. A maconha, desde a época dos Beatles, virou erva da moda. Para uso preferencial de gente fina, os universitários. O crack custa baratinho e é coisa de pobretão. Outra diferença é a letalidade do crack. É curioso observar como os zumbis da cracolândia nos chocam e os shows de rock e as raves, onde a droga corre solta, nos deixam indiferentes. Quando roqueiros apologistas das drogas vêm ao Brasil, multidões lotam estádios. Com a proteção da polícia. E sem que o STF fale em apologia da droga.

A diferença é que os honestos pais de família da classe média sabem muito bem que seus rebentos usam drogas nos shows e raves, mas jamais gostariam de vê-los entre os marginais da Santa Ifigênia e cercanias.

Sim, convivi com universitárias chegadas à cannabis. E ainda convivo. São pessoas que fazem – eu até diria: faziam – uso moderado da droga. Já fui convidado para o ritual. Exceto duas ou três tragadas em um distante verão em Estocolmo, nunca fumei. O que me desagradava não era tanto a droga, mas o caráter gregário dos consumidores. Sempre fumavam em grupo. E eu nunca gostei de grupos. Sou partidário do tetê-à-tête. Mais de seis pessoas, para mim, é multidão. No entanto, a bem da verdade, tenho de admitir que fumei muito mais maconha do que tabaco em minha vida. Se dei três tragadas em um baseado, em um cigarro foi uma só.

Não, Raphael, não sou contra a liberação das drogas. Como venho dizendo há anos há muito estão liberadas. Se o álcool e o cigarro não têm restrição alguma, por que teria a maconha? Nunca ouvi falar que alguém tenha morrido em conseqüência direta do uso da cannabis. Em meu boteco, sete clientes de uma mesa ao lado da minha já deram baixa. Dois de cirrose. E cinco em função do cigarro.

O que me causa espanto é essa postura tatibitate do Judiciário e das autoridades, que permitem o consumo das drogas mas proíbem o comércio, que autorizam passeatas em prol da maconha mas proíbem a apologia da maconha. Decidam-se, senhores!