¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, junho 16, 2011
 
MESMO NA PSICANÁLISE
PODE HAVER SABEDORIA



Do Gustavo Rodarte de Queiroz, a propósito dos gigolôs das angústias humanas, recebo:

Janer,

também conheço muita gente que faz terapia por muito tempo e não resolve nada. Análise só resolve a vida do analista. Análise serve para fazer o paciente administrar o problema e melhor conviver com ele. Mas o problema, seja ele qual for, persiste, para a alegria do analista.

Mas o pior não é isso. Tem gente, muita gente que paga o analista para xingar seus desafetos. Essas pessoas não xingam seus inimigos pessoalmente por medo de processos judiciais. Aí pagam o analista e falam palavrões e descem o cacete em quem não gostam.

Você já reparou que quando conversa com alguém que faz ou fez análise a conversa não flui? São pessoas e papos chatísssimos. E quando duas ou mais pessoas que fazem análise conversam entre si? Quase sempre acaba em briga ou discussão. É até divertido presenciar esse encontro.


Meu caro Gustavo,

Em 1976, em Porto Alegre, tive a honra de conversar com Guilherme Figueiredo, irmão do João Figueiredo, aquele general que proclamou a anistia no Brasil. Diga-se de passagem, ele não gostava de ser visto como irmão do João. “O João é que é meu irmão” – disse-me. Bom, o Guilherme Figueiredo tem um livrinho que, sei lá como, sumiu de minha biblioteca, o Tratado Geral dos Chatos. Foi publicado nos anos 60 e lembra muito o Rol de Cornudos, de Camilo José Cela, que por sua vez inspira-se no utopista Charles Fourier, que publicou um estudo em que classifica 144 tipos de cornudos. Cela acresce a generosa contribuição ibérica.

Mas falava do Figueiredo. Contou-me ter recebido propostas de tradução de seu livro em vários países. Não aceitou, o livro é intraduzível. Os jogos de palavras em português não poderiam ser transportados a outra língua. Entre os vários tipos de chatos, o autor situa os catequéticos: são aqueles que tentam nos catequizar. O tempo todo querem converter-nos à sua religião, ao seu partido, ao seu time de futebol, ao seu esporte preferido.

É o caso dos analisados. (Se bem que prefiro dizer analisadas, já que estes espécimes existem mais no feminino). Se contestamos a psicanálise, a resposta vem de bate-pronto: estás precisando de análise. Quanto às duas ou mais pessoas que fazem análise conversam entre si, vou discordar. Conforme uma das leis da chateação de Figueiredo, dois chatos entre si não se chateiam.

Como não pertenço à raça das analisadas, com elas sempre tive conflitos. Quando uma pessoa destina parte de seu salário para pagar um analista por dez, vinte ou mais anos, de nada adianta dizer-lhe que entrou numa fria. Teria de admitir que sua vida toda – ou quase toda – foi um erro. É o mesmo dilema dos velhos acadêmicos comunistas. Renunciar ao marxismo significaria admitir que todas suas obras não passam de lixo. Para um velho, isto não é fácil admitir. Niemeyer, por exemplo, jamais aceitaria a idéia de que sua vida toda foi um equívoco.

De minhas relações com as moças – e não foram poucas – fiz algumas observações. Elas todas desenvolveram um certo sistema de defesa. Quando não conseguem se contrapor a um argumento lógico, apelam a um recurso aparentemente eficiente: “ isso, eu me recuso a discutir”. E encerram a conversa.

Cansei de ouvir isto em minha vida. Há muitos anos, conversando com uma analisanda, ela contou-me que tinha feito uma viagem à Europa. Espero que não tenhas ido pela Varig – aventei. Porque ir pela Varig era a maneira mais burra de voar. Ela foi rápida: se insistes nisso, vou embora e não pago a conta. Tudo bem – respondi – pago a conta com prazer.

Mas não foi embora. Contou-me que, em Lisboa, havia perdido seu passaporte. Foi perguntar a seu analista porque havia perdido seu passaporte. Ou seja, ela não sabia porque havia perdido o documento. Teve de perguntar ao analista, que não estava em Lisboa e certamente não tinha a mínima idéia de porque ela perdera o passaporte.

Mas se não tinha a mínima idéia, tinha uma resposta: “Você queria despir-se de sua identidade" – disse o guru. Ora, objetei, se querias perder tua identidade, melhor perder tua carteira de identidade. Mas jamais o passaporte. Stephan Zweig já dizia: o homem não é apenas corpo e alma. É corpo, alma e passaporte.

Curiosamente, boa parte das analisandas contemporâneas são petistas. Pelo jeito, precisam de suporte para suportar as contradições do partido. Dizia eu outro dia a uma destas moças: lembras de quando o PT denunciava as privatizações? Lembras de quando o PT denunciou Fernando Henrique por ter privatizado a telefonia? Lembras de quando se pagava quatro mil dólares por um telefone fixo? Como entender então a dona Dilma, que agora propõe a privatização de aeroportos?

- Ah! Isto eu me recuso a discutir.

Então tá. Costumo afirmar que certas vigarices só enganam pessoas com certo nível cultural. Quem faz análise, de modo geral, tem formação universitária. É o mínimo que se exige para ser marxista ou psicanalisada. Meu barbeiro, minha faxineira, meus garçons, meus taxistas, jamais cairiam em tais engodos.

Mas não se pode generalizar. Admito que há psicanalistas sensatos. Há muitos anos, quando vivia ainda em Porto Alegre, conheci uma moça em meus botecos. Uma semana depois, para minha surpresa, ela bateu à porta de meu apartamento.

- Meu analista me liberou para te visitar.

Se liberou, então entra. Quem sou eu para contestar um cientista? Ao sair, pedi que passasse meu endereço ao sábio analista, para que me enviasse suas outras clientes.