¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

domingo, junho 19, 2011
 
SOBRE QUERÉTARO E ESPELUZNANTE,
SUBANEMPUJENESTRUJENBAJEN,
AIVALAVALAATACALA E OUTRAS MAIS



Os espanhóis celebraram ontem o Dia E, quando escolhem a palavra mais bonita da língua. Este ano, a palavra não foi sentimiento, nem gracias, nem flamenco, nem alegria. Mas Querétaro, que é o nome de uma cidade mexicana. É uma bela palavra, sem dúvida alguma. Foi proposta pela ator Gael García Bernal e talvez por isso tenha sido eleita. Só tem um problema. Não é palavra espanhola e sequer consta do dicionário da Real Academia. Vem do purépecha, idioma falado por uma tribo de indígenas mexicanos, e significa “ilha das salamandras azuis”.

Eu escolheria outras. Tenho uma especial preferência por espeluznante. Literalmente, de arrepiar. Não é qualquer hispanófono que conhece esta palavra. Quando a uso – e gosto muito de usá-la, particularmente quando me refiro aos Andes ou aos glaciares de Terra do Fogo – passo por erudito.

Outra palavra que me agrada é despilfarro. Me soa sonora e, pelo menos para mim, seu significado é óbvio, nem precisaria ir ao dicionário. É claro que uma palavra como despilfarro só pode ser desperdício, gasto excessivo. Ou ainda, em espanhol, derroche.

As línguas estão cheias de palavras lindas, que soam bem. De minhas aulas de russo, me restaram duas. Karandash, que significa lápis. E outra que adoro: tchepetirnadzat. Significa quatorze. Sei lá por que, gosto da palavrinha. Outra palavra bonita do russo é liubich.

Do alemão, eu elegeria Hauptbanhof. Soa bem. Antes mesmo da queda do Muro, fiz não poucos discursos contra o comunismo na Hauptbanhof de Berlim. Outra palavra interessante, mais pelo que significa do que pela própria sonoridade, é Schadenfreude, o prazer derivado da infelicidade dos outros. Me parece ser um conceito muito particular ao alemão, que não encontrei resumido em uma palavra só em outras línguas.

Do inglês, língua que para mim é desconfortável, gosto de serendipity. É o que acontece quando alguém encontra alguém que não esperava encontrar. A palavra foi escolhida em junho de 2004, por uma entidade de tradução britânica, como a mais difícil de ser traduzida. Mas já foi importada por várias outras línguas. Simplificando, poderia ser traduzida por feliz acidente. Minha vida está cheia de serendipities.

Do sueco, guardei duas: tillintetgöra e tillrätavisa. Os suecos usam estas palavras com quem diz muito obrigado. Como estrangeiro, eu conseguia decompô-las. Göra till intet, isto é, até o nada fazer. Visa till rät, isto é, até o correto levar. Obviamente, eu apelava às raízes latinas: aniquilera e korrigera. Passei por erudito em meus dias de Estocolmo. Conhecia um sofisticerad svenska.

O sueco tem uma outra palavra muito bonita, längtan. Dizem que saudades é palavra única do português. Não é. Em francês temos regret du coeur. Em sueco, seria längtan. Que é bem mais rica que a palavrinha portuguesa, pois admite uma forma verbal, att längta. Que gerou um dos mais belos poemas da língua dos Svenssons, de Verner von Heidesntaim:

Jag längtar hem sen åtta långa år.
I själva sömnen har jag längtan känt.
Jag längtar hem.
Jag längtar var jag gar — men ej till människor!
Jag längtar marken,
Jag längtar stenarna där barn jag lekt!

Traduzindo:

Tenho saudade de minha terra há oito longos anos.
Mesmo em sonhos saudades senti.
Tenho saudades por onde vou — mas não dos homens.
Tenho saudades do chão,
Tenho saudades das pedras onde criança brinquei.

Mas längtan é palavra ainda mais rica. Se você sente saudades do passado, pode sentir do futuro. Jag längtar efter sommaren, por exemplo. Você sente saudades do verão. Não do verão passado, mas do que está porvir.

Do grego, gosto de duas, as mais banais e indispensáveis de todas as línguas: efharisto e parakalo. Merci e s'il vous plait. Thank you e please. Tak tak e varsågod. São aquelas duas palavrinhas com as quais você percorre o mundo. Há também uma expressão que adoro, akoma ena potirakis, parakalo. Ideal para ser usada nos bares e serve para não poucas circunstâncias: mais um copinho, por favor.

Grego é barbada. Sol? Helios. Peixe? Ictios. Mar? Pélago. Hospital? Nosocômio. Telefone? Telefone. Táxi? Táxi. Mas a que mais gosto é metáfora. Nada a ver com a nossa metáfora, que dela deriva. Metáfora, na Grécia, é transporte. Você quer transportar algo de um lugar a outro? Fácil. É só chamar uma metáfora.

Latinos, em Estocolmo criamos algumas palavras que designariam fenônemos de outros países. Me restaram duas. Ônibus, em alemão, chamávamos de Subanempujenestrujenbajen. Me pareceu uma palavra muito esclarecedora. Guerra, em turco, era aivalavalaatacala. Coerente com a língua. Algo assim como dizer: se aqui nevasse se usava esqui. Falando rápido, não faltará quem pense que você domina o russo.

Voltando ao início. É interessante ver uma nação escolhendo a mais bela palavra da língua que fala. Mas, fosse eu jurado, escolheria espeluznante.