¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sábado, julho 16, 2011
 
FILHA QUER FAZER DE
PAI IDIOTA UM HERÓI



Leio nos jornais que foi encontrado, na costa catarinense, um submarino nazista. Profundo mistério. Até hoje não entendo o que possa ser um submarino nazista. Já ouvi falar de submarinos russos, americanos, suecos. Mas jamais de submarinos comunistas, capitalistas ou social-democratas. Submarino, pelo jeito, só é nazista quando é alemão. Quando o Kursk explodiu no mar de Barents, matando 118 tripulantes, ninguém falou em submarino comunista. Tratava-se de um submarino russo. Antes de 1991, seria um submarino soviético.

Que será um submarino nazista? Imagino um submarino que tenha lido Mein Kampf e bata continência ao Fürher, dizendo Heil Hitler. Outra coisa não posso entender como submarino nazista. Mas não era disto que pretendia falar. E sim de um filme franco-brasileiro brasileiro, Lettres et Révolutions - Diário de uma Busca, no Brasil - de Flavia Castro, que anda entusiasmando o público e a crítica franceses. Pelo menos segundo a Folha de São Paulo. Pessoalmente, suponho que tenha reunido alguns raros gatos pingados brasileiros, saudosos dos anos 70.

Segundo o jornal, “o filme é um mergulho na história pessoal da diretora, que o realizou para entender as condições obscuras da morte de seu pai. Celso Castro foi encontrado morto em 1984, em Porto Alegre, na casa de um alemão suspeito de fazer parte de uma rede de ex-nazistas. (...) Por meio de cartas de Celso, ela conduz o espectador à realidade da clandestinidade, da militância dos jovens que faziam a luta armada no turbilhão da grande história: o Brasil, a Argentina e o Chile dos anos 60 e 70. Paris é a última etapa antes da anistia de 1979, da volta ao Brasil e do drama da morte do pai, em circunstâncias que o filme se presta a tentar elucidar”.

Atenção à “rede de ex-nazistas”. A palavrinha continua dando Ibope. Conheci Celso Castro, em meus dias de Filosofia. Era filho do presidente da Bolsa de Valores de Porto Alegre, quando em Porto Alegre havia uma Bolsa de Valores. Cooptado pelas esquerdas irresponsáveis da época, passou a militar em um grupo trotskista. Não há nada a entender nas “condições obscuras da morte do pai”, como pretende a moça. Sua morte não teve mistério algum e nada tem a ver com rede de ex-nazistas.

Vivia em Porto Alegre um velhote, obscuro sargento da Wehrmacht – e não da SS, como foi propalado então – que nada tinha a ver com os crimes do nazismo nem era procurado por nenhum tribunal. Corria a lenda de que teria em seu apartamento um tesouro secreto nazista. Castro e mais um outro bobalhão decidiram assaltá-lo. Após tomar um porre – no Fusca que utilizaram havia uma garrafa de uísque quase vazia – invadiram o apartamento do alemão. Quem os recebeu foi sua mulher, que foi agredida. O velhote reagiu com uma bengala.

Em meio a isso, foi disparado um tiro, que não feriu ninguém. Mas alertou os vizinhos, que chamaram a polícia. Encurralados, Castro e seu assecla se suicidaram. Um matou o outro e depois se suicidou. Dois militantes de esquerda assassinados no apartamento de um nazista, foi a primeira versão a correr nos jornais. Primeira pergunta: que faziam dois militantes de esquerda no apartamento de um nazista? O caso acabou sendo encerrado por Luís Pilla Vares – jornalista da Zero Hora, também trotskista – conhecido por seu itinerário intelectual de Trotsky a Sirostky. Pilla atestou o duplo suicídio e o episódio foi abafado.

O filme foi aplaudido pela exigente crítica francesa – diz a Folha –. "Com sensibilidade, sobriedade e muita inteligência, o filme é profundamente emocionante", escreveu o Le Monde. A revista Les Inrockuptibles enfatiza "a capacidade da diretora de misturar com talento relato autobiográfico, rememorações e reencontros de família, arquivos e investigação quase policial". "Essa busca da verdade é ainda mais emocionante por conduzir a um impasse, a morte de Celso, misteriosa para sempre", afirma a revista Télérama.

Flavia Castro pode enganar os franceses, mas não engana quem viveu em Porto Alegre na época. O duplo suicídio foi uma besteira de dois desvairados que acreditavam na lenda de gibi de um tesouro secreto nazista.

A Folha se dá ao trabalho de entrevistar Alain Krivine, fundador da Ligue Communiste Révolutionnaire, que certamente nunca conheceu Porto Alegre e muito menos a história dos porra-loucas gaúchos. O filme não esclarece o enigma da morte do pai de Flavia Castro... – aventa o repórter desavisado. Responde Krivine:

- Isso não é importante, mesmo sendo a motivação do filme. O mais fantástico é a história dos camaradas que fizeram a guerrilha, que arriscaram suas vidas. Não vamos discutir o resultado, uns abandonaram a luta. Outros passaram para o outro lado. Era uma militância incrível a que os pais de Flavia viveram, com todos os perigos implícitos. Na França, não corríamos os mesmos riscos que eles.

Ora, não há enigma nenhum na morte de Castro. Ele tampouco participava da luta armada. Fazia parte de um dos tantos grupelhos de malucos da época e, depois de um porre, saiu à cata de um tesouro nazista. Deu no que deu.

Fácil enganar franceses. Pelo jeito, nem a filha conhece as circunstâncias da morte do pai. Está trabalhando para fazer, de um idiota, um herói.