¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, julho 19, 2011
 
TRF GAÚCHO REVOLUCIONA
AS RELAÇÕES DE TRABALHO



O Rio Grande do Sul está se revelando inovador em matéria de relações de trabalho, ao unir tecnologia e serviços públicos. O Tribunal Regional Federal da 4ª região, de Porto Alegre, lotou a analista judiciária Cristiane Meireles Ortiz em Madri até julho de 2013. Ela seguirá atuando na Corte através do processo eletrônico durante sua estada de dois anos na capital espanhola, onde acompanhará o marido, delegado da Polícia Federal, em missão no exterior. Neste período, atuará via internet com processos eletrônicos do gabinete da desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria.

A desembargadora concordou com a vontade da servidora, pois além de a demanda de processos de seu gabinete ser grande, caso a servidora fosse licenciada para acompanhar o cônjuge, a administração ficaria impossibilitada de chamar outro servidor para o seu lugar.

Bem, vivemos em dias de teletrabalho. Por que não trabalhar em Madri quando se está lotado em Porto Alegre? Nada obsta. Eventuais comunicações podem ser feita via Skype, com mais rapidez do que exige o percurso de uma sala à outra. Sem falar que Madri é uma cidade muito aprazível para se trabalhar. Você pode levar seu laptop, por exemplo, para o real parque de El Retiro, e desempenhar sua função sob um ameno sol de inverno contemplando os patinhos do lago e o Palácio de Cristal. Ou quem sabe na Plaza Mayor, redigindo pareceres entre uma tapa e outra, enquanto contempla – ou não contempla – a estátua eqüestre de Felipe III.

É o que chamo de humanização do trabalho. Se estiver muito frio, você leva sua estação de trabalho para El Oriente, digamos, em frente ao Palácio Real, onde poderá degustar um bom Rioja na sala onde El Rey costuma receber estadistas, enquanto elabora suas decisões. Se cansar do ambiente da sala d’El Rey, pode levar seu laptop para o Gijón, no Paseo de Recoletos. É um ambiente propício ao trabalho intelectual, ali fazem tertúlias os imortais da Real Academia. Duzentos metros adiante, há um outro ambiente dos mais adequados à concentração intelectual, El Espejo. Interior esplêndido, com espelhos que reproduzem sua imagem, enquanto trabalha, ao infinito. Culinária generosa e vinhos idem.

Por que não? Tudo em nome da unidade familiar. Segundo a presidente do Tribunal, desembargadora Marga Barth Tessler, que foi relatora do processo administrativo, está havendo uma mudança de referenciais nos ambientes profissionais. Segundo ela, "fomos educados para valorizar o trabalho, e existe um paradigma construído em décadas: trabalho acontece na empresa e vida pessoal, fora dela. Mas, tudo leva a crer que, em algum momento, estes hábitos começarão a mudar, impelidos pelas novas gerações, ávidas por quebrar paradigmas e mais inclinadas às novas tecnologias".

Nada contra, Dra! Na Índia há milhares de profissionais trabalhando para empresas sediadas nos Estados Unidos. Só que são indianos. Americano que se preze não vai trabalhar em Calcutá ou Bombaim. A decisão do TRF gaúcho é revolucionária. Se se pode trabalhar em Madri, por que não em Paris, Roma ou Berlim? Nestes dias de Internet, não há por quê encerrar funcionários em uma sala em Porto Alegre. Só tem um detalhe: muita gente vai querer as mesmas condições de trabalho.

Há uma possibilidade de uma funcionária pública acompanhar o marido em missão no Exterior. É a licença não-remunerada por dois anos. Foi o que fez minha mulher, quando fui para a França. Em verdade, estou fazendo ironia à toa. Durante quatro anos, trabalhei em Paris, Berlim, Cartago, Atenas, ilhas gregas, onde quer que estivesse. Mas eu era jornalista, trabalhava para uma empresa privada e não dependia de dinheiro público. Minha obrigação era mandar uma crônica diária para Porto Alegre. Eram tempos pré-internéticos, eu andava com uma Olivettinha a tiracolo e enviava meu trabalho pela Varig. Escrevia pensando em sete dias à frente. O que não era mau. Tinha de ter o cuidado de não emitir opiniões que desmoronassem no dia seguinte.

A rigor, todo e qualquer profissional que faz um trabalho intelectual pode fazê-lo em qualquer parte do mundo. O Brasil tem hoje dezenas de correspondentes no Exterior, com também diplomatas, adidos comerciais. Mas está gente precisa estar lá. (Ou talvez nem precise. Nestes dias de Internet, um jornalista que souber inglês pode editar um caderno de Internacional sentado na Barão de Limeira). Que adianta enviar a Bagdá um jornalista que não fala árabe ou a Teerã um outro que não fala farsi? O correspondente brasileiro no Exterior geralmente tem duas “fontes fidedignas”: o chofer de táxi e o porteiro do hotel.

Perdão, leitor, afastei-me do assunto. Uma empresa privada pode fazer o que quiser com seu dinheiro. Já dinheiro público é outra coisa. Claro que uma analista judiciária pode elaborar pareceres em qualquer lugar do mundo. Sim, as novas gerações estão ávidas por quebrar paradigmas e mais inclinadas às novas tecnologias, como diz a desembargadora.

Ocorre que, neste país nosso, trabalhar em Madri quando se está lotado em Porto Alegre é só para quem tem trânsito junto ao poder.