¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, agosto 22, 2011
 
REQUIESCAT IN PACE


Desde há muito estou afastado disso que se chama o mundo do livro. Publiquei uns dez livros em papel, mais outros tantos em formato eletrônico e traduzi uns vinte e poucos do sueco, francês e espanhol. Ofereci às editoras livros que considero importantes, como Crônicas da Guerra Fria, Ianoblefe, Como ler jornais. Não recebi nem a cortesia de uma resposta. Não só não sou de esquerda, como sempre combati as esquerdas. Logo, fui banido desse universo.

Diga-se de passagem, publicar meus primeiros livros se situa na órbita do milagre. Quando publiquei Ponche Verde, meu editor, o Jayme Bernardes, da Nórdica, apostou no livro achando que seria o grande romance do exílio. Apesar de ter sido uma viagem abrangente pela Europa dos anos 80, que incluía cidades prestigiosas como Berlim, Estocolmo, Paris, Lisboa, não teve uma mísera resenha na grande imprensa. Eu não era exilado nem de esquerda. E literatura de exílio é coto de caça privado das esquerdas.

Me refugiei então no universo do livro eletrônico, graças aos bons ofícios do Teotonio Simões, da ebooksbrasil. Se você quiser algum título, não precisa buscá-lo nas livrarias, nem mesmo comprar. Basta sentar-se frente a seu computador e baixá-lo de http://www.ebooksbrasil.org

Exceto meu primeiro livro, O Paraíso Sexual Democrata, jamais ganhei algo significativo com literatura. Então, faço presente do que escrevo a meus leitores. Ah, O Paraíso pode ser baixado da scribd:
http://pt.scribd.com/doc/46142761/Janer-Cristaldo-O-Paraiso-Sexual-Democrata

Há muita sujeira no mundo do livro. Em um universo editorial ainda dominado pela ideologia, quem não for politicamente correto está mais ou menos excluído do mercado. Até os autores que denunciam o politicamente correto precisam ser politicamente corretos. O escritor vale mais pelas posições que ocupa do que pelo que escreve. Se tiver cátedra na universidade e público cativo nas indicações para vestibular e currículos, ou se tiver coluna em jornal de prestígio, tem edição assegurada. Se perder essas tribunas, perde também o editor.

Por outro lado, perdi meu interesse pela ficção. Contos de fada de quem não tem imaginação, como disse Pessoa. Claro que sempre volto a Swift, Cervantes, Dostoievski, Orwell e mais alguns de cabeceira, mas ultimamente só tenho lido ensaios, particularmente sobre história e história das religiões. O último livro de ficção que li foi o último que traduzi, A Família de Pascual Duarte, de Camilo José Cela.

Quanto a traduzir, cansei. A paga é mínima, pouco mais do que se paga a um digitador. Traduzir é ofício para jovens, que gostam de desafios e ainda não perderam o entusiasmo pela literatura. De desafios, continuo gostando. De literatura, se considerada como ficção, não mais. Não consigo ler autores contemporâneos. É como se estivesse ouvindo as mesmas histórias que ouço em meu boteco. Já um Quixote é diferente: sou transportado a uma outra geografia, a um país que adoro e há quatrocentos anos atrás.

Por outro lado, penso que a Internet vai acabar matando o livro, e mais: não apenas o livro em papel. Se posso conversar com o mundo todo através de curtas crônicas em um blog e delas ter retorno, não vejo porque escrever calhamaços e oferecê-los ao público. Claro que a tese de 1984 não cabe em uma crônica, muito menos a visão da humanidade que Swift nos transmite nas Viagens de Gulliver. Mas são obras de uma época passada. Estamos entrando em uma nova era, que ainda está longe de dizer a que veio.

No Estadão de ontem, leio reportagem sintomática. O editor Sérgio Machado, da Record, revela ter mais de dois milhões de livros, estocados há cinco, seis anos, num armazém alugado próximo à sede da editora. Lá seguiriam indefinidamente não fosse o recente pedido de desocupação do lugar. Agora o dono da maior editora de obras de interesse geral do País tem poucos meses para dar destino às pilhas que abarrotam o lugar. "Estamos alugando outro espaço e avaliando alternativas", diz Machado. "É provável que alguma coisa seja destruída."

Segundo a reportagem, em 2010, as editoras produziram quase 23% mais exemplares de livros que em 2009, enquanto o crescimento no número de cópias vendidas foi de apenas 13%. Conforme a estimativa, ao longo do ano foram produzidos 55 milhões de livros a mais do que se comercializou para o mercado e o governo, mantendo uma tendência à superprodução já percebida nos últimos anos. Num momento em que o digital domina o debate sobre o futuro do livro, o presente é feito de encalhe de livros em papel.

Produzir 55 milhões de livros exige muito trabalho, dinheiro e papel. Isso sem falar na logística de transporte, armazenamento e espaço nas livrarias. Para depois jogar toneladas de literatura ao lixo? Editores não devem ser loucos que rasgam reais. Há obviamente algo errado nesse universo.

"Há uma superprodução. Trabalho na área desde 1984 e nunca vi coisa igual. De uns dois anos para cá, deu um salto", diz Ricardo Schil, gestor de negócios da Livraria Cultura. Atuando nos dois lados do negócio, o editor e livreiro Alexandre Martins Fontes diz não ter dúvida de que hoje se produz muito mais do que o mercado pode consumir. "E me pergunto onde isso vai parar. Em algum momento o mercado terá de se autorregular. Porque, se você publica e não vende, uma hora você quebra."

O que não entendo é como não quebraram ainda. Já defendi a idéia de que as teses universitárias teriam grande utilidade, por exemplo, na construção de diques na Holanda. Hoje, o que abarrota depósitos não são nem as teses, mas a literatura comercial editada. Mas nem doar é solução.

“Doar é sinônimo de dor de cabeça. Para editoras, preparar kits com poucos exemplares de cada livro e distribuir entre instituições sairia mais caro que estocar e não resolveria a questão da quantidade; tampouco interessa às instituições receber mil exemplares de um livro só. "A doação existe, mas não resolve. Além disso, dependendo do contrato, você não consegue doar sem pagar direitos autorais. Daí precisa de documentação para fins de doação do autor e do governo", diz Roberto Feith, diretor da Objetiva”.

Summa av kardemuma: em um país com alto índice de analfabetos, isso sem falar nos analfabetos funcionais, há falta de depósitos para o excedente de livros. Sinto-me muito bem longe desse universo. Pouco a pouco, os editores começam a perceber que o livro-papel já era. Vivemos em dias que autor sem editor é como peixe sem bicicleta.

Para que editor, se hoje editar um livro e distribuí-lo está ao alcance de qualquer autor?