¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, agosto 11, 2011
 
SWIFT E OS ADVOGADOS *


Ao ser interrogado por seu anfitrião no País dos Houynhnhms, sobre as leis de sua pátria, o capitão Lemuel Gulliver explica:

Respondi a sua honra que eu não estava absolutamente versado na ciência da lei; que o pouco conhecimento que possuía de jurisprudência aprendera no convívio de alguns advogados que outrora consultara sobre os meus negócios; que, no entanto, ia dizer-lhe o que soubesse a tal respeito. Falei-lhe, pois: — O número daqueles que, entre nós, se dão à jurisprudência e fazem profissão de interpretar a lei, é infinito e ultrapassa o das lagartas. Têm entre si todas as espécies de escalas, de distinções e de nomes. Como a sua enorme quantidade torna o ofício pouco lucrativo, para fazer de maneira que, ao menos, lhes dê para viver, recorrem à indústria e à chicana. Aprenderam, logo nos primeiros anos, a arte maravilhosa de provar, com um discurso retorcido, que o preto é branco e o branco é preto.

— São estes que arruínam e despojam os outros, com a sua habilidade? — atalhou sua honra.

— São, decerto — repliquei eu — e vou citar-lhe um exemplo, a fim de que melhor possa ajuizar do que digo. Imagine que o meu vizinho tem vontade de possuir a minha vaca; vai logo ter com um procurador, isto é, um douto intérprete de prática da lei, e promete-lhe uma recompensa se puder fazer ver que a minha vaca não é minha. Sou obrigado a dirigir-me também a um Yahoo da mesma profissão para defender o meu direito, visto que a lei me não permite que me defenda a mim próprio.

Ora, eu, que tenho certamente por um lado a justiça e o direito, nem por isso deixo de encontrar dois grandes obstáculos; o primeiro é que o Yahu, ao qual recorri para defender a minha causa, está, por ofício e espírito profissional, habituado desde a mocidade a advogar a falsidade, de maneira que se vê fora do seu elemento quando lhe digo a verdade nua e não sabe como desvencilhar-se; o segundo obstáculo é que o mesmo procurador, não obstante a simplicidade do pleito de que o encarreguei, é obrigado a embrulhá-lo, e faça entrever aos juízes que a minha vaca podia não ser minha, mas do meu vizinho. Então os juízes, pouco habituados às coisas claras e simples, darão mais atenção aos subtis argumentos do meu advogado, acharão gosto em ouvi-lo e a contrabalançar o pró e o contra e, nesse caso, estarão melhor dispostos a julgar em meu favor do que se ele se limitasse a provar o direito, que me assistisse, em quatro palavras.

Uma das máximas dos juízes é que tudo quanto foi julgado, foi bem julgado. Assim, têm o máximo cuidado em conservar num cartório todas as decisões anteriormente tomadas, mesmo as ditadas pela ignorância, e que são o mais manifestamente possível opostas à equidade e à justa razão. Estas anteriores decisões formam o que se chama jurisprudência; são alegadas como autoridades e não há coisa alguma que não se prove e não se justifique, citando-as. Data de há pouco, contudo, o abandono do abuso que havia em dar tanta força à autoridade das causas julgadas; citam-se sentenças pró e contra, trata-se de ver que as espécies nunca podem ser completamente semelhantes e ouvi dizer a um juiz que as sentenças são para aqueles que as alcançam.

De resto, há um calão que lhes é próprio; um modo de se exprimir que os outros não entendem; é nesta magnífica linguagem que são escritas as leis, leis multiplicadas ao infinito e acompanhadas de inúmeras exceções. Vossa honra vê perfeitamente que, neste labirinto, o justo direito se perde facilmente; que a melhor questão é difícil de ganhar-se; e que, se algum estrangeiro, nascido a trezentas léguas do meu país, tivesse a lembrança de vir disputar-me uma herança que está na posse de minha família há trezentos anos, lhe seriam precisos talvez trinta anos para concluir e esgotar por completo este difícil pleito.

— É pena — atalhou meu amo — que uma gente com tanto gênio e talento não encaminhe o espírito para outro lado, fazendo dele bom uso. Não seria melhor — acrescentou — que se ocupassem em dar aos outros lições de prudência e de virtude, e participassem com o público das suas luzes? Porque, indubitavelmente, essa hábil gente possui conhecimento de todas as ciências.

— Qual história! — repliquei —. Sabem apenas do seu mister e nada mais; são os maiores ignorantes do mundo sobre qualquer outra matéria; são inimigos da boa literatura, de todas as ciências, e, nas relações vulgares da vida, parecem estúpidos, mazombos, enfadonhos, malcriados. Falo na generalidade, porque se encontram alguns espirituosos, agradáveis e galantes. Falo na generalidade, porque se encontram alguns espirituosos, agradáveis e galantes.

* Em homenagem à data.