¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, setembro 20, 2011
 
MENSAGEM DO CATELLI


Caro Janer,

Saudações!

Li seu ótimo artigo "Veja endossa medicina do além". Você esqueceu de mencionar que essa tal Mara Mazan morreu em novembro de 2009 - o artigo em que você originalmente criticava essa contumaz ingratidão para com os que realmente curam era de março daquele ano, pelo que pesquisei em seu site. Ou seja: Dr Fritz falhou vergonhosamente, mesmo dominando técnicas avançadíssimas da tal "medicina do além".

Pergunta: por que orações pouco adiantavam antes de Alexander Fleming e agora curam tanto? Por que orações curavam pouco quando não havia técnicas avançadas de cirurgia?

Por que não rezam pela paz no Oriente Médio, pela cura da AIDS ou que o dedinho amputado do Lula cresça... Sabemos que o seu deus não cura amputados, nem que todas as pessoas do mundo peçam com fé incessantemente por meses a fio.

O crente acredita que melhorou pelo fato de ter pedido pela sua saúde à Senhora das Graças? Bravo! Partindo desse pressuposto, deve as melhoras à Santa porque ela o ajudou. E se não tivesse melhorado, seria por recusa da Santa em o ajudar? Aí não, claro! Seu deus sabe o que é melhor para ele, para sua alma. O crente blinda seu deus, que é louvado quando atende a preces e quando não atende - é louvado aqui por ter lhe dado forças para suportar o infortúnio. Ora, então o crente pio que pediu com fé devia colocar uma plaquinha de agradecimento na gruta da Santa por não ter sido curado, afinal seu deus sabe o que é melhor para ele e para a humanidade.

E quando tem sucesso, o infinito orgulho de nossa raça ajuda-o a crer que mereceu ser curado enquanto milhões de outras pessoas que têm a mesma crença estão na fila de espera há anos por um milagrezinho. Ele é muito especial para o seu deus!

Mas considero isso normal. Quando crentes se sentem impotentes perante algumas agruras da vida, gostam de ter um ser onipotente à disposição, para atender aos seus desejos, qual gênio da lâmpada, e a prece (a prece que pede por algo, não a que agradece, que por vezes é fruto apenas de felicidade transbordante e por vezes medo de ser mal-agradecido e perder o que foi conquistado por ser muito especial aos olhos de deus) é uma espécie de joystick com que julgam controlar esse ser onipotente... E aí se sentem potentes...

Digamos que 0,15% da população mundial contraia uma doença nova da qual a chance de o contagiado se curar seja de uma em cem - 1%. Quem ouve de um médico "sua chance de sair vivo desta é de 1%" considera-se praticamente morto, não?

A população mundial é de 6,6 bilhões. Teremos quase 10 milhões de desgraçados no mundo que contraíram a doença. Quase todos terão algum deus e rezarão para ele, embora se considerem praticamente mortos. No fim das contas, teremos 100 mil pessoas salvas "miraculosamente" mundo afora a dar testemunho diário do quanto seu deus é poderoso, afinal estavam "praticamente mortas". As outras milhões estarão mortas e não terão chance de dar testemunho diário de coisa alguma. Estatística é isso aí! Se a possibilidade de ganhar em determinado jogo é de uma em um milhão e cinco milhões jogarem, provavelmente teremos cinco ou seis ganhadores, dez, quem sabe. E todos eles se considerarão agraciados pelos deuses, afinal rezaram antes de jogar... Assim como rezaram também os outros que não ganharam...

Mas vou além, caro Janer. Amiúde acreditam também em destino, nossos crentes. Se 200 morrem em um acidente de avião, era a hora deles. Se um se salva, era porque não era a hora dele. Se a caminho do hospital a ambulância bate e ele morre, é porque realmente era a hora dele, mas se não morre é porque realmente não era a hora dele. Se perde o voo é porque não era sua hora. Se consegue embarcar pela fila de espera e morre é porque realmente era sua hora...

Pergunto: por que colocar cinto de segurança, por que ir ao hospital, por que se medicar? Por que chamar o Dr. Fritz? Já não está escrita a hora de cada um?


Tenho pena... Um grande abraço!

Catelli



Pois, Catelli, eu não sabia da morte da Mazan. Pelo jeito, o Dr. Fritz de nada lhe valeu. As declarações da atriz se mostram de um ridículo atroz:

- Antes de eu tirar o tumor de meu pulmão, eu já havia sido operada espiritualmente pelo Doutor Fritz (incorporado por Edson Queiroz), indicado pela minha amiga e cantora Alcione. Os tumores que existiam em meu pulmão diminuíram consideravelmente e, quando a equipe do médico Riad Yunis fez a retirada do tumor maligno, não houve nenhum tipo de complicação. (...) Foi uma coisa surreal, mas muito bacana. O meu tratamento foi inteiramente realizado na base da oração. Fiquei sentada em uma cadeira e começaram a rezar. Logo eu comecei a sentir meu corpo dormente, como se tivesse sido anestesiada. Entrei em alfa e depois vomitei um líquido verde, parecendo a personagem Sarah, de O Exorcista.

De fato, foi uma coisa muito bacana. Entrou em alfa, vomitou... e morreu. Quanto a isso de aviões, sempre me espantaram as declarações de quem se salva de um desastre aéreo: "Graças a Deus". Mas que deus é esse que matou os demais passageiros e tripulantes?

Falando nisso, vivi uns bons quatro anos em pânico ante a perspectiva de voar. É que levei um susto aterrissando numa pista no Saara argelino. O piloto mandava atar os cintos, que estávamos aterrissando, e eu, mesmo a uns quatro ou cinco metros do solo, só via areia. É hoje, pensei. Não era. Os aeroportos no deserto são assim mesmo, a pista só surge quando o avião está encostando o solo.

Vai daí que, por quatro longos anos, se eu tinha de voar, dois meses antes eu já não conseguia dormir bem. Comecei a interrogar-me e descobri que eu não tinha medo de voar. Mas medo de morrer. Ninguém tem medo de voar. O medo é outro. Até que um dia conclui que a morte é inevitável mesmo e assim sendo, que aconteça o que tiver de acontecer. Hoje, mal o avião decola, já estou dormindo.

Não estou preocupado com minha hora. Mas sempre pode ser a hora do piloto. Da morte, não alimento mais medo algum. Mas sei que me sentirei muito triste ao abandonar uma festa que vai continuar. Talvez eu chore, como chorei em Madri, ao dar-me conta de que estava abandonando aquela festa toda para voltar ao Brasil.

Em meio a isso, que pobres de espírito busquem muletas metafísicas para enfrentar a morte, isto não me surpreende. O que me surpreende é ver médicos negando suas próprias ciências e assumindo as tais de medicinas do Além.