¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, setembro 09, 2011
 
ORFF, NIETZSCHE
E SKINHEADS



Ainda há pouco, eu manifestava meu espanto ante um submarino nazista encontrado na costa catarinense. Profundo mistério. Até hoje não entendo o que possa ser um submarino nazista. Já ouvi falar de submarinos russos, americanos, suecos. Mas jamais de submarinos comunistas, capitalistas ou social-democratas. Submarino, pelo jeito, só é nazista quando é alemão. Quando o Kursk explodiu no mar de Barents, matando 118 tripulantes, ninguém falou em submarino comunista. Tratava-se de um submarino russo. Antes de 1991, seria um submarino soviético.

Que será um submarino nazista? Imagino um submarino que tenha lido Mein Kampf e bata continência ao Fürher, dizendo Heil Hitler. Outra coisa não posso entender como submarino nazista.

Meu espanto agora é maior. Leio no Estadão entrevista com o historiador britânico Richard Evans, autor de uma trilogia sobre a Alemanha de Hitler, que está sendo publicada no Brasil, pela Planeta. Falando sobre Carmina Burana, diz Evans:

- Orff era um forte opositor da música modernista. Sua cantata Carmina Burana, executada pela primeira vez em 1937, apresentava harmonia crua, ritmo brutal, tons primitivos, uma batida forte que obnubilava a mente e parecia levar a música de volta a uma simplicidade camponesa imaginária. Foi um enorme sucesso na Alemanha nazista. Não estou dizendo que era uma música ruim - longe disso. E ela foi criticada por alguns nazistas pelo uso de textos medievais. Mas, se houve nazismo em música, foi nessa.

Difícil acreditar que um historiador tenha proferido tal disparate. Carmina Burana é a compilação de cerca de duzentos poemas e canções medievais, encontradas em um rolo de pergaminho, em 1803, na biblioteca da antiga Abadia de Benediktbeuern, na Alta Baviera. Poemas de natureza religiosa e amorosa, mas também profana e licenciosa, foram compostos pelos goliardos, monges pobres, egressos das universidades. Eram também chamados de clerici vagantes, desprotegidos pela Igreja, vagabundos de espírito transgressivo e provocador. Como os atuais tuneros da Espanha, cantavam e declamavam poemas satíricos em louvor ao amor, ao jogo e ao vinho, nas ruas, tavernas e universidades, muitas vezes denunciando os abusos e a corrupção da própria Igreja ou poemas eróticos. Carl Orff editou, em 1937, parte dessas canções para compor Carmina Burana.

Segundo Richard Evans, o nazismo teria então suas origens nos primórdios do século XIX. Ou melhor, mais atrás ainda, porque se o pergaminho foi achado em 1803, os poemas são bem mais antigos. Talvez do século XIII, quando surgiram os goliardos. Mas o historiador considera que o ritmo de Carl Orff é nazista. Além de submarinos nazistas, temos agora ritmos nazistas. Ora, qualquer marcha militar soa à pata de ganso. Se Carmina Burana foi sucesso na Alemanha nazista, isto nem de longe quer dizer que a cantata era nazista. Se nazista gosta de vinho, vinho será então uma bebida nazista?

O mesmo aconteceu com Nietzsche. Os nazistas quiseram apoderar-se de seu pensamento. Ora, responsabilizar Nietzsche pelo nazismo é desconhecer sua obra. Aqui vão algumas opiniões de Nietzsche sobre os alemães:

"Os alemães são incapazes de conceber a grandeza: seja Schumann o informante".

"Feito como sou, instintivamente estranho a tudo o que é alemão (a ponto de me bastar a aproximação de um deles para retardar-me a digestão)..."

"Por onde quer que passe, a Alemanha destrói a cultura".

"Primeiro, dois séculos de disciplina psicológica e artística, caros senhores alemães... Mas estas coisas não se alcançam facilmente".

"Nunca admitirei que um alemão possa saber o que seja a música!"

"Em Viena, em Copenhague, em Paris, em Nova York, por toda a parte estou descoberto: não o estou somente no país mais ordinário da Europa - a Alemanha".

E por aí vai. Verdade que na edição póstuma de Vontade de Potência pode-se encontrar momentos que possam justificar o nazismo. Mas não se pode responsabilizar um autor por uma obra que foi deturpada por terceiros, no caso a irmã do filósofo, Elisabeth Forster-Nietzsche. Elisabeth - que acabou morrendo no Paraguai em 1935 - quis acomodar o livro inacabado do irmão aos interesses do nazismo. Como dizia Nietzsche, é impossível cercar uma boa doutrina: os porcos criam asas.

Em verdade, queria comentar caso bem mais prosaico. Uma briga de gangues na semana passada, em São Paulo, resultou na morte de um dos vagabundos. A Folha de São Paulo fala em skinheads neonazistas e skinheads comunistas. A palavra sempre esteve associada a neonazistas, a novidade é que agora temos skinheads comunistas.

Por que neonazistas? Que idéia têm do nazismo esses retardados mentais? Que tenham ouvido falar de Hitler, até é possível, Hitler é o saco de pancada predileto do cinema contemporâneo. Ainda há pouco, vi um filme abominável, Bastardos Inglórios, do Quentin Tarantino, que mostra Hitler morrendo em um incêndio de um cinema em Paris. A quem aproveita tamanha sandice?

Que idéia podem ter esses analfabetos do comunismo? Terão algum dia lido Marx? Terão ouvido falar de Lênin ou Stalin? Terão alguma idéia do que foi o comunismo? Por que razões a Folha quer atribuir uma ideologia a imbecis que sequer têm idéia do que seja uma ideologia?

Mas quando um erudito historiador britânico vê em Carmina Burana uma obra nazista, quando Tarantino mata Hitler em Paris, nada de espantar que os meninos da Folha vejam em baderneiros militantes de ideologias mortas.