¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, outubro 14, 2011
 
A FELICIDADE SEGUNDO BUDDHARAKKITA


Onde está a felicidade? Ano passado, escrevi sobre o Butão, aquele pequeno país isolado no Himalaia, cujo rei, Sua Majestade Jigme Singye Wangchuck – o primeiro marajá da dinastia dos Wangchuk a auto-intitular-se rei – decidiu abandonar os obsoletos índices de Produto Interno Bruto e substitui-lo por um índice de Felicidade Interna Bruta. Abaixo o PIB, viva a FIB. Sua jogada de marketing parece ter agradado às eternas e azedas esquerdas, que acham que PIB não quer dizer nada. Não que acreditem nisso, mas como o PIB das nações capitalistas sempre foi superior ao das socialistas, então o PIB “é do mal”.

Segundo pesquisa feita há cinco anos pelo economista britânico Richard Layard, em Happiness: Lessons From a New Science, a felicidade residiria no reino budista do Butão. Segundo Jigme Singye Wangchuck, quanto mais uma pessoa assiste televisão, menos feliz ela é. A solução então é simples: retire a televisão da sala e suas chances de ser feliz aumentarão. Sua Majestade parece ter conseguido vender ao Ocidente a idéia de que, para a felicidade geral das nações, é melhor renunciar ao presente e encerrar-se nas trevas do passado. Sob o repúdio à televisão, o livro esconde uma tese safada: informação é infelicidade. O PT, penhorado, agradece.

Mais tarde, o Reino Unido pretendeu criar um índice que determinaria o maior ou menor grau de felicidade dos súditos de Sua Majestade. Ano passado, uma consulta pública foi lançada para determinar o que torna felizes os cidadãos britânicos. Dinheiro, emprego, saúde, bom relacionamento com amigos e parentes, sensação de que vive num lugar seguro, atividades culturais, meio ambiente preservado.

A universidade de Leicester já havia elaborado, há cinco anos, o que seria o primeiro mapa mundial da felicidade, em um estudo que reuniu 177 países. Segundo este, os dinamarqueses e os suíços são os mais felizes. Depois destes, vêm os cidadãos da Áustria, Islândia, Bahamas, Finlândia e Suécia. Zimbabuanos e burundineses estão nos postos mais baixos e os brasileiros em 81º lugar. Dentro de meu conceito, já não digo de felicidade, que é muito relativo, mas de bem-estar, parece-me um mapa sensato. Que a vida é agradável na Dinamarca e Suíça, disto estou ciente. Que deve ser dura no Zimbábue e Burundi, disto também estou ciente, mesmo sem jamais ter postos os pés naquelas plagas.

Por outro lado, a New Economics Foundation e a ONG Friends of Earth criaram o Happy Planet Index, segundo o qual a felicidade teria estabelecido sua morada no arquipélago de Vanuatu – 83 ilhas no Pacífico, com 209 mil habitantes, na maioria pescadores e agricultores que vivem numa economia pouco além do nível da subsistência. Os vanuatuenses tiveram a melhor média de três indicadores básicos: esperança de vida ao nascer, bem-estar humano e nível dos danos ambientais causados ao país.

O mesmo não pensa o monge budista negro Steven Kabogosa, nascido em Uganda e que hoje vive nos EUA e viaja pelo mundo ensinando técnicas de meditação. Segundo Bhante Buddharakkhita, seu novo nome budista, a verdadeira felicidade depende de circunstâncias internas, e não externas. “A felicidade dependia de eu desenvolver qualidades internas, meditar, ter bons pensamentos”.

Buddharakkhita deve ser um ugandês privilegiado. Tem hoje 45 anos e viveu em seu país até 1990, quando foi estudar na Punjab University. Depois foi ao Nepal e visitou o Tibete. Em 99, foi aos EUA para um retiro em Massachusetts e viajou pela América Latina. Ou seja, as circunstâncias externas da felicidade parecem ter-lhe sido muito favoráveis. Ninguém voa de graça. Estas deambulações ninguém faz sem uma quantidade razoável de dinheiro.

Há quem seja feliz com muito pouco. Há muitos anos, aqui em São Paulo, numa fria madrugada de agosto, vi um mendigo que ria sozinho, atirado na rua, apoiado em uma garrafa de cachaça. “Como eu sou feliz”, dizia. E não seria eu quem duvidaria de que ele fosse feliz.

Mas Bhante Buddharakkhita que me desculpe. O mendigo sentia-se feliz porque estava bêbado. O álcool torna feliz qualquer desgraçado. Sóbrios, precisamos de algum substrato econômico para a felicidade. Esse substrato o monge parece ter, já que vive viajando de um continente a outro. Assim é muito fácil dizer que felicidade depende de qualidades internas, meditar, ter bons pensamentos.

Mais difícil é ser feliz morando mal, comendo mal, sem ter um vintém para pagar um prazerzinho qualquer. Quando se viaja pelo mundo, sem precisar trabalhar – porque monge não trabalha, sua profissão é ser monge, isto é, um inútil como o Dalai Lama – soa a cinismo afirmar que felicidade depende de bons pensamentos.