¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, outubro 12, 2011
 
QUANDO NÃO ANUNCIAR O PREÇO DO COUVERT É
MAIS GRAVE QUE MATAR ALGUÉM NO TRÂNSITO



Falava eu ontem das leis idiotas que assolam o país. Mais uma outra passou a vigorar na semana passada, a lei do couvert, sancionada pelo catolicão enrustido Geraldo Alckmin. Bares e restaurantes que cobrarem o couvert sem avisar antecipadamente os clientes sobre a taxa do serviço poderão ser multados. O valor varia de 200 a 3 milhões de Ufirs (Unidade Fiscal de Referência), o que significa autuações entre R$ 422 e R$ 6,3 milhões.

Ora, pelo que me consta desde há muito existe uma lei que diz ser o couvert optativo. Que mais não seja, esta questiúncula não deveria ser objeto de legislação. Se não pedi o couvert, posso aceitá-lo ou não. É o que sempre faço. Se o couvert é interessante, vamos lá. Se não é, eu o mando de volta. E se o restaurante quiser me impor o couvert, levanto da mesa e boa noite. As relações entre cliente e restaurador devem ser regidas pelo bom senso, não por diplomas legais.

No mundo do livre comércio, tudo encontra seu preço. Um restaurante tem todo o direito de cobrar, digamos, 60 reais por uma cerveja. Que vai acontecer? Vai perder a clientela. Não é necessária lei alguma proibindo cobrar 60 reais por uma cerveja. O mercado se encarrega de punir o restaurador. Da mesma forma, não é preciso lei alguma para regulamentar o couvert. Eu quero ou não quero e estamos conversados.

Punir com 6,3 milhões de reais um restaurante que não avisa antecipadamente sobre a taxa de serviço é loucura de burocrata. Nem restaurante de luxo resiste a tal multa. Mas se você matar um pedestre com seu carro, com duzentos e poucos mil você paga fiança e permanece livre como um passarinho.

O país está cheio de administradores metendo o bedelho onde não devem meter o bedelho. Essa lei que proíbe fumar em restaurantes, por exemplo. Naqueles em que há mesas na calçada, existe uma linha amarela além da qual se pode fumar. A medida é ridícula. Pessoas levantam-se das mesas e vão fumar um metro adiante. Outros, mais pragmáticos, encontraram solução melhor. Sentam-se junto à linha amarela e estendem a mão além dela para segurar o cigarro. Teoricamente, teriam de espichar o pescoço além da linha. Mas quem fará isso? Ninguém. Puxam o cigarro para a zona ilícita, dão uma tragada e o devolvem à zona permissível.

Erundina, quando prefeita, pretendeu regulamentar os cardápios. Todos deveriam ser traduzidos ao português. Imagino que a cabra da peste um dia tenha estado em algum restaurante francês e teve dificuldades de entender o que eram os tais de escargots. Ora, é perfeitamente traduzível. Mas ninguém gosta de comer caramujos. Escargot soa melhor.

Há certos pratos da culinária francesa que pertencem à minha infância no campo. Um deles é o os à la moelle. Prosaicamente, tutano. Mas você não vai a um restaurante francês comer tutano. Muito vulgar. Os à la moelle tem mais sabor. Você não vai a um restaurante italiano comer um osso de buraco. E sim um ossobuco.

Uma sobremesa que adoro na França é a île flottante. Que também atende por oeufs à la neige. Há gosto na clara de ovo? – se perguntava o santo homem Jó na Bíblia. É que Jó não conheceu Paris nem a île flottante. Pertence também à minha infância. Só que lá no Ponche Verde a chamávamos de escuma de sapo. Onde se viu servir escuma de sapo em um restaurante francês? Já île flottante, ça va!

Certa vez, busquei um restaurante escandinavo em São Paulo, onde encontrei uma smörgåsbord. Dá pra traduzir? Até que dá. Mas aí perde a graça. Enfim, todo mundo esqueceu da lei da cândida Erundina. E já encontrei, aqui perto de casa, cavalete anunciando:

FEIJOADA
CINCO REAL
ENJOY IT!


Em sua fúria legiferante, o governo está invadindo a vida privada de cada um. Que crime hediondo cometeu um restaurador para receber uma multa de 6,3 milhões? Qual cliente não sabe que o couvert é pago? O Estado está tratando adultos como se fossem crianças. Olhe se o elevador está no andar antes de entrar. Consulte suas cuecas sobre quando fazer exame de próstata. Não use lingerie sensual se quiser seduzir o parceiro. Afaste-se alguns centímetros de sua mesa para fumar.

Passados dois ou três anos, todo mundo esquece tais bobagens e criam-se outras para atanazar o cidadão. Houve época – e bem recente - em que se tornou obrigatório portar um kit de primeiros socorros no carro. Quem não o portasse arriscava uma pesada multa. Alguém ainda lembra disto? É claro que alguma empresa faturou alto com a tal leizinha. Imagine o que significa em dinheiro um kit para cada carro no Brasil. Ou uma plaquinha metálica em cada porta de elevador.

Feita a coleta, a lei vai pro lixo.