¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

domingo, novembro 20, 2011
 
TABAGISMO É LEGADO DOS BUGRES


Pessoas que cometeram erros na juventude costumam flagelar-se quais xiitas na idade madura. Exemplo típico disto é o recórter tucanopapista hidrófobo que assina coluna na Veja. Idiota e comunista quando jovem, hoje não passa dia sem que xingue os comunistas e petistas. Outro é o astrólogo Aiatolavo de Carvalho, também comunista quando jovem, e que hoje cria inimigos fictícios para combatê-los mais confortavelmente. Elegeu como alvo o Fórum de São Paulo, uma espécie de Woodstcok das esquerdas, que morreu com a queda do Muro. Mas Aiatolavo precisa de um inimigo para bater. Promoveu então o ridículo fórum a grande inimigo do Ocidente, capaz de desestabilizar o regime capitalista.

Um outro que se fustiga impiedosamente é o tal de Júlio Severo. Em cada dez artigos que escreve, nove são condenando o homossexualismo. Está precisando urgentemente de um bafo na nuca. Tanto Júlio como Aiatolavo se dizem ameaçados de morte no Brasil. Nisto nada diferem daqueles comunistas que um dia buscaram mordomias na Europa, em nome de hipotéticas perseguições no Brasil.

Quando em Estocolmo – isso há quarenta anos – fui na polícia renovar minha permissão de estada. Herr Konstapel (policial em sueco) me perguntou:

- Profissão?
- Jornalista.
- Nacionalidade?
- Brasileira.
- Ah! Então o senhor quer asilo político?

Oh não, jag ska tacka nej, como pode muito bem ver Herr Konstapel, nesse formulário peço apenas uma permissão de estada, agradeço a generosa oferta, que aliás é pertinente. Meu país vive uma ditadura, sei disso, os dias não são os melhores para quem pensa e escreve o que pensa. Mas antes de fugir de ditaduras, Herr Konstapel, estou fugindo do país todo, fujo exatamente daquilo que para vossos patrícios é sinônimo de charme e exotismo, fujo do carnaval e do futebol, do samba e da miséria, da indigência mental e da corrupção, quero tirar umas férias do subdesenvolvimento, viver em um território onde o homem sofre os problemas da condição humana e não os da condição animal. Muito antes de os militares tomarem o poder, min Herr, eu já não suportava os civis.

Brasileiros me xingaram em Estocolmo. Como? A polícia te oferece asilo político e tu o recusas? Nem sabes o que estás perdendo. Ora, eu havia saído pela porta da frente de meu país, e mentir não está entre meus hábitos. Recusei a generosa oferta. Mas não era disto que pretendia falar. E sim de artigo de Drauzio Varella, na Folha de São Paulo de hoje, no qual o médico desfecha suas baterias contra o tabagismo.

Ex-fumante, Varella tem atitude semelhante às do recórter tucanopapista hidrófobo e do astrólogo. Pune-se com correntes fustigando o próprio lombo, por ter sido um dia fumante.

“Adquiri a convicção de que a nicotina causa a mais devastadora das dependências químicas. O cigarro é o mais abjeto dos crimes já cometidos pelo capitalismo internacional. Você acha que exagero, leitor? Compare-o com outros grandes delitos capitalistas; a escravidão, por exemplo: quantos viveram como escravos? E quantas crianças, mulheres e homens foram escravizados pela dependência de nicotina desde que essa praga se espalhou pelo mundo, a partir do início do século 20?”

Quando descobri ter sido premiado, há dois anos, por um carcinoma de palato, a primeira pergunta que ouvi dos médicos foi: você fuma?

Não, nunca fumei na vida. A menos que meu câncer tenha sido provocado por uma tragada que dei, lá pelos meus dez anos. Em uma pecinha de teatro na escola, fazíamos o papel de gaúchos. Como as professoras achavam que gaúcho pra ser gaúcho tem de fumar, permitiram à piazada chupar câncer. Foi a festa para meus colegas. Quanto a mim, pus o cigarro na boca, não gostei e o joguei pela janela.

Suponho que aquela tragada, há mais de meio século, não tenha sido a causa de meus dissabores em 2009. Mas aventei a meus médicos a hipótese do fumo passivo, circunstância da qual dificilmente escapamos. Apesar do que os jornais afirmam sobre o fumo passivo, todos caíram na gargalhada.

Tenho amigas que fumam e outras que fumavam. Estas últimas sofreram para largar o hábito. Não passa dia sem que me falem que a culpa é da publicidade, “que nos conduz a fumar”. Ora, nasci tão exposto quanto elas a esta publicidade, vivi minha adolescência vendo filmes onde não se sabia quem fumava mais, se o mocinho ou o bandido.

Meus parentes todos fumavam. No entanto, jamais fumei. Há quem fale na propaganda subliminar do cinema. Podem atar-me em uma cadeira e passar filmes 24 horas por dia com propaganda subliminar do cigarro. Comigo não adianta. Ninguém me obriga a fazer o que não gosto.

Que o cigarro provoca câncer – e não só câncer, como várias outras doenças letais -, disto não temos dúvida. Quem fuma está matematicamente encurtando seus dias. É uma opção. Mas que depois não se queixem.

Certa vez, um amigo fumante – que deixou de fumar mas hoje só tem 22% de capacidade respiratória – fez um cursinho contra o tabagismo. Teve em mãos fotos de pulmões de fumantes e não-fumantes. Procurou-me em meu boteco com o fervor de um cristão novo. “Janer, pelo amor de Deus, tens de parar de fumar”. Ora, ele sabia muito bem que eu jamais havia fumado.

Drauzio Varella, em suas catilinárias contra o tabagismo, deixa entrever algo pior que o arrependimento de um ex-tabagista. Culpa o capitalismo pela dependência do cigarro. No fundo, se revela um antigo comunossauro que parece atribuir a Wall Street os cânceres e enfisemas produzidos pela nicotina. Ora, esta dependência está bem mais atrás.

O tabagismo foi o grande legado indígena à civilização. Toda pessoa culta sabe, mas nem toda pessoa culta ousa afirmar, que o tabaco foi importado da América Latina, onde era consumido pelos bugres, para a França, por Jean Nicot, daí nicotina. Os atuais cânceres e enfisemas - os politicamente corretos que me desculpem - são em boa parte herança do bon sauvage de nosso continente. Desde algum tempo, o tabagismo virou prática de gente pobre. Segundo pesquisas recentes, quase 33% dos americanos adultos que vivem abaixo do nível de pobreza fumam, contra 22% dos que estão acima desse nível.

Estamos entrando em uma era de uma nova Lei Seca. Desta vez, a dos cigarros. Os legisladores, em seu moralismo antitabagista, acabarão por fazer a fortuna dos mercadores do ilícito. A continuar assim, o tabaco terá em breve o mesmo ou maior prestígio que a maconha ou cocaína.

Hábitos sociais largamente difundidos não se combatem com proibições. Os EUA sabem disso e não parecem ter tirado maiores lições da Lei Seca, que durou apenas treze anos, onze meses e 24 dias. Se alguma autoridade quiser reduzir o tabagismo, é simples. Basta associar o cigarro com pobreza. Até os pobres pensarão duas vezes ao levar um toco de câncer aos lábios. Nesta época de culto ao dinheiro, mais eficaz que prevenir contra doenças é marcar o fumante com o estigma de pobre. Proibir só aumenta o consumo.

“O primeiro crime foi perpetrado contra algumas centenas de milhares de pessoas; o segundo contra mais de 1 bilhão – diz Varella -. Na história da humanidade, jamais o interesse financeiro de meia dúzia de grupos multinacionais disseminou tantas mortes pelos cinco continentes: 5 milhões por ano - 200 mil das quais no Brasil”.

Nada disso, doutor. O tabagismo nada tem a ver com capitalismo. Fumava-se tanto – ou mais – nos antigos países socialistas como nos capitalistas.

Tabagismo é herança dos bugres.