¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, dezembro 23, 2011
 
LIBAMÁBLOKK SZARVASCOMBÁVAL


Sábado passado, lá pelas três da tarde, fui almoçar num japonês na Vilaboim, aqui perto de casa. Aos fins de semana, o restaurante está sempre cheio e às vezes preciso esperar alguns minutos para encontrar mesa. No sábado, estava vazio. Eu e uma amiga éramos os únicos clientes. E o povo para onde foi? – perguntei à gerente. Ah! É Natal. Está todo mundo no shopping. A pracinha tem uma rua de uns cem metros, que abrigam uns dez restaurantes. Todos estavam vazios ou quase.

Ou seja, voltamos à monótona e anual histeria natalina. Restaurantes oferecem ceias entre mil e 1.500 reais. Ora, por pouco mais do que isso, vou a Paris, janto e volto. Claro que não para jantar e voltar. É jantar muito exaustivo. Doze horas de ida mais doze de volta por uma noite em Paris. Jamais faria isso. Mas conheço pessoas que fazem.

Leio que alguns paulistanos, para evitar as aglomerações natalinas dos aeroportos, estão fretando jatinhos privados para viagens de fim de semana até alguma praia da Bahia. Preço? 34 mil reais. Em minha última viagem por cinco países da Europa, novembro passado, paguei bem menos do que isso. Por duas pessoas, passagens, hotéis e bona-xira incluídos. Comendo e bebendo bem. Verdade que São Paulo está repleta de milionários, para quem 34 mil reais ou 34 centavos tanto faz como tanto fez. Mesmo assim, é um absurdo.

A cada fim de ano, nunca falta quem me pergunte se vou ficar na cidade durante as tais de festas. Ora, nestes dias não saio daqui nem atado. Como tampouco saio nos feriadões. É quando dois ou três milhões de pessoas saem da cidade e São Paulo vira uma espécie de Dom Pedrito em um domingo de chuva. Ruas quase desertas, silêncio, restaurantes sem filas, garçons sem os percalços de uma casa cheia. Se há algo que não entendo no mundo é esta psicologia de rebanho. Por que saírem todos nas mesmas datas? Quem se dispõe a pagar 34 mil reais por um jatinho até uma praia, obviamente tem disponibilidade para viajar em outra ocasião mais confortável. A conclusão a que chego é: quanto mais rico, mais idiota.

Sim, já viajei nestes períodos, é que gosto do inverno europeu. Mas confesso que é desconfortável. Tanto no Natal como Ano Novo, comer é complicado. Viajar, mais ainda. Procuro então chegar bem antes destas datas. Isso sem falar que nos primeiros dias de dezembro ainda é estação baixa. Onde estiver, tento enfrentá-las da melhor maneira possível.

Outro problema é que o Natal desfigura aquelas magníficas praças européias, com as tais de feiras natalinas. As praças desaparecem, dando lugar a quiosques que vendem bugigangas. A Plaza Mayor, de Madri – que, diga-se de passagem, já foi palco de grandes fogueiras para a queima de hereges pela Igreja Católica – tem sua belíssima arquitetura churrigueresca oculta pelos barracos dos camelôs de fim de ano.

Mas um certo Natal, na Grand Place de Bruxelas, me levou às lágrimas. O espaço foi tomado por ciprestes, envoltos em uma suave luz azulada. Holofotes projetavam figuras nas paredes dos prédios em torno à praça e uma divina música de fundo inundava o silêncio ambiente. Não vi símbolo religioso algum. Perambulei horas por um mundo mágico, irreal. Savoir faire não é para todos. Aquele Natal valeu.

Ano novo é bem mais complicado. Com minha mania de fugir do verão tropical e viajar no inverno europeu, boa parte de meus réveillons foram em Paris, Madri, Berlim, Colônia, Roma. Sempre encerrado em um hotel. Nas primeiras vezes, até tentei aproximar-me dos fogos. Quando a multidão começava a engrossar, dava meia volta. Multidões me dão medo. Quando uma multidão vai para o norte, eu rumo ao sul.

Certa vez, um amigo quis levar-me, eu e a Baixinha, até o Ayuntamiento de Madri, na Puerta del Sol, onde os madrilenhos comemoram a passagem do ano comendo doze uvas à meia-noite, uma a cada badalada do relógio da torre da prefeitura. Até que tentei. Não consegui e voltamos para o hotel. E fiz algo que jamais faço em um hotel: liguei a televisão. Embalados por uma Freixenet, contemplamos confortavelmente os festejos no mundo todo.

Ao abandonar São Paulo em busca de descanso, os paulistanos levam para as pequenas cidades todos os problemas da cidade grande: ruído, engarrafamentos, filas. Enfim, melhor para quem fica. Eu, que sou indiferente a natais, agora estou adorando. Nesta metrópole, me sinto como em uma aldeia de ruas desertas.

Coincidentemente, estou recebendo daqui a pouco, chez moi, este amigo daquela Navidad madrilenha. Vamos degustar, com mais gentes dos dias de Paris, um libamáblokk szarvascombával, que é como os húngaros chamam, em sua língua singela, o foie gras trufado.

Ou acho que seja, sei lá! Mas acho ótimo degustar um libamáblokk szarvascombával. Soa muito mais exótico que um reles foie gras. Trouxe de Budapeste e isso não é coisa que se consuma sozinho. Em memória aos dias de Espanha, brindaremos com uma cava catalã.

Tim tim, leitor!