¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, dezembro 28, 2011
 
SEM-TETO MAS PREOCUPADO
COM SALVAÇÃO DO PLANETA



Ah! Esses incríveis salvadores da humanidade e seus projetos mirabolantes. Preocupam-se com o universo e esquecem de cuidar da própria lavoura. Eu os conheço de perto. Um deles, meu colega de trabalho em Porto Alegre, costumava escrever para o papa sugerindo rumos para a humanidade. Como estes senhores têm secretárias com a função expressa de responder cartas, ele sempre recebia uma respostinha formal. Que deixava descuidadamente em alguma prateleira de seu apartamento, para que alguma visita a notasse. Eram anos 60. Quando alguém notava a carta pontifical, reagia com naturalidade: “Ah sim, o Paulo de vez em quando me escreve”.

Claro que quem se comunica com tal potestade não se comunica com uma só. Cá e lá, havia uma cartinha do Lindon Johnson, do Charles de Gaulle, do Dalai Lama. Enfim, é uma maneira de situar-se no mundo. Como dizia Fernando Pessoa:

Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...


A Folha de São Paulo nos traz o depoimento de mais um deles. O amazonense Rivanor de Souza, 47 anos, perambula pela Esplanada dos Ministérios, em Brasília, denunciando as irregularidades de auxiliares da presidente. Mandou dezesseis cartas para Lula e obviamente teve todas respondidas. Só não conseguiu falar com ele, o objetivo de sua ida para Brasília, em 2008. “Pensava que seria fácil encontrá-lo. Quando cheguei, bateram a porta na minha cara. Ainda vou escrever um livro: "Desvendando o enigma de um cidadão comum falar com o presidente".

Santa ingenuidade. Um presidente não fala com cidadãos comuns. Um presidente só fala com grandes. Pode ser um grande vigarista, como o Dalai Lama. Ou um grande ditador, como o “amigo e irmão” Muamar Kadafi. Ou um grande traficante, como William de Oliveira, ex-presidente da associação de moradores da Rocinha. Mas tem de ser grande.

Rivanor pensa grande: “Deixei minha cidade, meu barraco, e vim lutar pela Amazônia, pelo planeta, pela vida. A Dilma está passando a função do Executivo para as ONGs. Tanto é que todos os escândalos que estão vindo a tona agora têm o envolvimento de ONGs.

“Eu quero fazer um convite às potestades, aos principados para que possamos nos reunir e tratar de assuntos do interesse de toda humanidade. Estou convidando o papa Bento XVI, o Obama, a rainha Elisabeth e o príncipe Charles para uma reunião.

“Quero ter assento na reunião das Nações Unidas que vai acontecer no Brasil em junho. Falar a essas pessoas que se isentam de impostos e de qualquer responsabilidade sobre o desequilíbrio climático por conta da destruição da Amazônia, do planeta e da vida.

“Fui roceiro, vendedor de peixe e trabalhei na prefeitura. Larguei tudo. Vim lutar pela Amazônia, pela vida”.

Preocupado com os grandes problemas do planeta, Rivanor só esqueceu de uma coisa, tratar da própria vida. Apesar de seus nobres propósitos, hoje é morador de rua. Mas afinal de contas, não se pode tratar de tudo ao mesmo tempo, de si mesmo e do planeta. Mais um pouco de persistência, e Rivanor acaba criando uma religião.

Esta história começa longe nos tempos. Há quase dois mil anos, um destes iluminados se disse filho de Deus e a história colou. Está incomodando até hoje. Como no caso de Rivanor, não temos a mínima idéia como se sustentava. Há um maluco em Santa Catarina, o Inri Cristo, que também se diz Filho do Pai, não se sabe qual profissão tem, mas já constituiu um pequeno exército de jovens e lindas fiéis.

Maomé, cameleiro analfabeto, sentiu-se chamado pelo Senhor e seu analfabetismo não impediu que criasse a religião que hoje mais se expande no mundo.

O sem-teto de Brasília, se for hábil, tem futuro pela frente.