¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

Powered by Blogger

 Subscribe in a reader

segunda-feira, janeiro 30, 2012
 
MEU PRIMEIRO MILHÃO


Pois... acabo de ultrapassar a marca de um milhão de acessos. O que já é algo para um blog independente, não escorado em nenhum grande portal. Bem entendido, não significa um milhão de leitores. Tivesse eu um milhão de leitores, me perguntaria o que andei escrevendo de errado. Escrevo para quem pensa e duvido que neste Brasil haja um milhão de seres pensantes. Daí minha restrição aos best-sellers. Quando um livro vende um milhão de exemplares, é óbvio que não pode prestar.

Para minha surpresa, descobri leitores no mundo todo, desde Europa, Estados Unidos e Canadá até Sumatra e Jakarta. É a brasileirada dispersa pelo mundo, mais esparramados que filhotes de perdiz. Meu limite é a língua. Mas não muito. Certa vez, ao discutir o filme Lepota Poroka, de Živko Nikolić, recebi cartas em inglês de duas montenegrinas, e duvido que lessem português.

Comecei este blog timidamente, há oito anos. Blog, em suas origens, era recurso de adolescentes para manifestar suas dores-de-cotovelo. Logo os jornalistas descobriram seu potencial e hoje não há grande jornal que não tenha sua equipe de blogueiros. De início, não escrevia diariamente. Aos poucos, fui percebendo que o número de leitores só aumentava. Propaganda certamente boca a boca, ou melhor, tecla a tecla. Passei a levar a coisa a sério.

Fiz muitos amigos neste blogar. Na Europa e no Brasil. Encontrei amigas e amigos na Suécia, Finlândia, Alemanha e França. Conversei com muitos deles em minhas viagens. No Brasil, foram centenas. Devo ter brindado com algumas dezenas. É um novo tipo de amizade, que chamarei de internética. Sem nos encontrarmos, nos estimamos, trocamos idéias, informações e abraços.

Melhor mesmo foram os reencontros. Reencontrei namoradas de há trinta e quarenta anos. Reencontrei um poeta canarino de Puerto de las Nieves, Gran Canaria, e uma adorável sabra, que conheci em minhas travessias pelo Atlântico. Como também reencontrei amigos de Dom Pedrito e Santa Maria, que há décadas não via. Verdade que ainda falta encontrar uma bugra muito querida de meus dias de adolescente e uma gauchinha que um dia reencontrei, transida de frio, no Kungsträdgården, num pleno inverno de Estocolmo. Enquanto há vida, há esperança.

Sei que, se por um lado fascino leitores, por outro lado eu os irrito. Fascino os livre-pensadores, que não têm filosofia alguma a defender. Fascino os que pensam com a própria cabeça. Irrito os crentes, sejam cristãos, católicos, marxistas ou muçulmanos. A estes, adoro irritar. Seguidamente, recebo insultos que soam como música a meus ouvidos. Insulto é o argumento de quem não tem mais argumentos. Se um fanático soubesse o prazer que sinto quando ele me insulta, certamente não me insultaria.

Há quem me julgue ateu militante. Ateu, sim. Militante, não. Jamais conclamei alguém a largar sua fé e ser ateu. Que as pessoas creiam em seus deuses e seus santos, e boa sorte a todos. Jamais discuti a existência ou inexistência de deus. É perder tempo. Mas discuto, isto sim, a Biblía, e seguidamente a releio. Eu a vejo como obra literária e quando comento os feitos de Jeová é como se estivesse falando das aventuras do Quixote. Deus para mim é um personagem literário, criado por sacerdotes de gênio. É o mais conhecido personagem literário do mundo todo, a tal ponto que não há mendigo analfabeto que não o cite.

Irritei tanto marxistas e petistas, como católicos e judeus. Mais ainda: ateu, consegui irritar os ateus. Andam por aí uns menininhos ambiciosos, reunidos em associações de ateus, que alegam estar sendo discriminados para passar bem. Não duvido que um dia reivindiquem cotas na universidade, os coitadinhos. Pois bem, um dia denunciei esta farsa e os ateus caíram em cima deste ateu que vos escreve. Que falta de esprit de corps, gente!

Irrito também no bom sentido. Ainda há pouco, me escrevia um leitor que eu o tinha enraivecido. Sentia raiva por não ter escrito crônica que escrevi sobre a televisão nacional.

Há quem me julgue polêmico ou que escreva com a intenção de polemizar. Não é bem isso. É que, não tendo aderido a nenhuma filosofia ou ideologia, acabo tendo atritos com quem se apega a filosofias ou ideologias. Polêmico é todo escritor que não adere a nenhum sistema de pensamento.

Escrevo para pessoas cultas e tenho leitores atentos. Escrevendo todos os dias, mais dia menos dia incorro em lapsos. Nunca falta o leitor prestimoso que me advirta sobre uma palavra inadequada ou a falta de uma crase. Certo dia, transferi a Amazônia para a Europa. Numa crônica sobre Mangalia, na Romênia, grafei Rio Negro em vez de Mar Negro. Suponho que todos os demais leitores leram Mar Negro, pois ninguém reclamou. Exceto um, mais atento que os demais. Que teve a gentileza de apontar meu lapso. A estes leitores, que me corrigem quando incorro em erro, sou muito agradecido.

Mas tenho também leitores incultos. São os que mais me xingam. Me agrada que me leiam. É uma chance de escapar à insciência. Há ainda aquele leitor que me odeia mas não deixa de me curtir. É a “hora de ódio” orwelliana. Suspeito que estes sejam meus leitores mais fiéis. Eu os adoro.

E há os leitores que ajudam a enriquecer este blog. Com seus depoimentos, me falam de livros que não li, de notícias que me escaparam, de viagens que não fiz.

Há muito tempo desisti de escrever ficções. E há mais de vinte anos não leio ficções. Romances são contos de fada de quem não tem imaginação, como dizia Pessoa. Bem entendido, ainda releio as grandes ficções que um dia me fascinaram. Escrevendo crônicas, me sinto como peixe n’água. É gênero que pratico desde os 22 anos. Na crônica se pode fazer tanto história e ficção como poesia e filosofia.

Comecei cronicando em 1969, no extinto Diário de Notícias, de Porto Alegre. Continuei com coluna diária na Folha da Manhã, onde escrevi inicialmente de Porto Alegre e depois de Paris. Nas crônicas parisienses, deixava meu endereço ao pé da coluna e cheguei a receber 20 ou mais cartas por dia. Fiz bons amigos naqueles anos às margens do Sena, relações que perduram até hoje. Era na época das cartas. Entre uma carta e a resposta, havia uma espera de pelo menos duas semanas.

Os tempos mudaram. Se antes eu chegava apenas até onde os jornais chegavam, hoje chego em qualquer cidade do planetinha. Se antes uma comunicação exigia duas semanas, hoje recebo respostas às vezes em cinco minutos. Em 24 horas tenho dezenas de respostas. Isto o livro não rende. Nem mesmo o livro eletrônico.

Abaixo, transcrevo texto antigo, onde explico meu método de trabalho. Aos leitores que me proporcionaram meu primeiro milhão, sejam afetos ou desafetos, meu mais forte abraço.