¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, janeiro 26, 2012
 
PROTETORES DE PATRIMÔNIO
OU RELES EXTORSIONISTAS?



O flanelinha é mais uma dessas coisas que, como a jabuticaba, só dá no Brasil. Viajei por praticamente todos os países da Europa e não vi em nenhum deles tais extorsionistas. Há algum tempo, um leitor advertiu-me que já existiam em Lisboa. De fato, existiam. Eram brasileiros que lá quiseram instituir a prática. Foram prontamente expulsos das ruas pela polícia.

Flanelinha é algo que me irrita profundamente. E isso que não tenho carro. Entre outros, este é um dos motivos pelos quais não tenho carro. Se tivesse e um desses vagabundos viesse me oferecer seus serviços – isto é, viesse extorquir-me dinheiro – minha vontade seria dar-lhe um tiro na testa. E isso que não uso armas.

Não é preciso que me assaltem para que eu me irrite. Irrita-me ver outras pessoas sendo assaltadas. Pior ainda, com a conivência das autoridades. Raramente a polícia de algum Estado tomou providências contra este assalto evidente. Lembro que, há muitos anos, um coronel da polícia carioca andou prendendo os tais de flanelinhas. Por extorsão. Logo chegou a turma do deixa-disso e a decisão do coronel durou o que duram as rosas.

Hoje, se você quer ir ao cinema, além do preço abusivo das entradas – mais caras que em Nova York – você terá de marchar com mais 15 ou 20 reais para o extorsionista. O mesmo diga-se de teatro, bares, futebol. Quanto maior o evento, mais alto o preço. O pagamento ao flanelinha virou imposto compulsório. Se você não paga, tem o carro riscado. E se pagar e mesmo assim tiver o carro riscado ou roubado, fica por isso mesmo. O flanelinha é que não vai ressarci-lo.

As ruas, que por definição são vias públicas, estão se tornando propriedades privadas de pequenas máfias. Pequenas mas poderosas. Além dos flanelinhas, a elas se atribuem direitos os camelôs, fanáticos religiosos e os ditos moradores de rua, como se rua fosse lugar de morar. Padres, igrejeiros e assistentes sociais chegaram a cunhar uma expressão, morador de rua, que foi alegremente assumida pela imprensa. Se morador de rua existe, é porque rua é lugar de morar. Um padreco comunista aqui de São Paulo, que há pouco deu de presente um carro de luxo a um marginal, para livrar-se de uma extorsão sexual, foi mais longe. Criou os “povos de rua”. Mais um pouco e inventam uma outra, as nações de rua. Com direito a assento na ONU.

Toda vez que alguma autoridade tenta limpar as ruas desse lixo humano e devolvê-las a quem trabalha honestamente e paga IPTU, não falta quem empunhe o mais novo palavrão ideológico, higienização. Ao tentar uma solução para a cracolândia, o governo paulista foi incontinenti chamado de higienista. Há uma intenção deliberada, de parte dos defensores dos ditos direitos humanos, de manter a cidade suja e infecta.

Em Porto Alegre, a partir do 1º de julho do ano passado, a extorsão foi oficializada em toda a cidade. Um termo de compromisso assinado entre a prefeitura, o Ministério do Trabalho e a Brigada Militar reconheceu como legal a atuação dos flanelinhas – doravante denominados "protetores de patrimônio" - e dos lavadores de automóveis do município. No mesmo dia, um grupo de 72 “profissionais” começou a trabalhar no estádio Beira-Rio, onde acontecia a final da Copa do Brasil. São dúcteis, as palavras. Basta uma manobra semântica para transformar vagabundo em profissional respeitável.

Os novos “profissionais” têm carteirinha e uniforme - azul e amarelo, camisa branca e gravata preta - para se diferenciar dos guardadores ilegais. O motorista paga ao guardador somente se quiser. Se antes extorquiam sem carteirinha nem uniforme, agora sentem-se com autoridade para extorquir. Quanto ao motorista pagar se quiser, estamos no reino da utopia. Qual motorista quer pagar? Nenhum. Mas sabe que se não pagar terá seu carro danificado pelos “protetores de patrimônio”. As autoridades gaúchas deram foros de legalidade à bandidagem.

Leitor me envia um artigo da revista Consultor Jurídico. Está tramitando na Câmara Federal o Projeto de Lei 2.701/2011, do deputado Fabio Trad (PMDB-MS), com a proposta de criminalização dos flanelinhas. O projeto acrescenta ao Código Penal a infração que prevê pena de 1 a 4 anos de detenção para quem constranger ou solicitar dinheiro a pretexto de guardar ou vigiar o veículo. O dispositivo, além de agravar a pena quando o condutor constatar dano ao veículo, torna típica qualquer vantagem exigida pelo flanelinha.

Para o deputado, o projeto se justifica pela insegurança que os flanelinhas têm causado aos cidadãos que precisam utilizar as vias públicas. “As ruas passaram a ser ocupadas por indivíduos denominados flanelinhas ou guardadores de carros que se autoproclamam proprietários de determinada área, passando a ditar regras e normas de conduta às pessoas.” Trad destaca que a ausência do poder público em inibir inclusive as disputas entre eles “pelo domínio dos locais de grande fluxo de veículos nas zonas centrais ou nas proximidades de eventos culturais, esportivos e sociais das cidades brasileiras” aumenta violência e gera insegurança.

Enfim, um projeto sensato em meio ao besteirol que os deputados discutem em Brasília. Como é um projeto sensato, obviamente não vai passar. Por outro lado, será interessante ver como fica a extorsão sendo criminalizada no plano federal e legalizada em Porto Alegre.

Quem viver, verá.