¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, fevereiro 03, 2012
 
CHALITA BRITÂNICO QUER
UM TEMPLO PARA ATEUS



Alain de Botton, o Gabriel Chalita de Londres, é um dos mais bem-sucedidos autores de auto-ajuda da Europa. Nada li deste senhor. Mas quando alguém escreve algo intitulado Como Proust pode mudar sua vida, é óbvio que estamos diante de um charlatão. O livro se tornou best-selller nos Estados Unidos e Inglaterra. Mais uma razão para não comprá-lo. Proust não muda a vida de ninguém. Não é um pensador. Apenas um cronista social bem sucedido. Tentei ler À la recherche du temps perdu. Não consegui passar do segundo volume. O homem escreve para espantar o leitor. Proust até pode mudar sua vida, se você consegue uma bolsa em Paris para estudar sua obra. Mas aí melhor escolher escritor mais digerível.

Não bastasse essa solene bobagem, de Botton escreveu As consolações da filosofia, obra na qual procura demonstrar como os ensinamentos de filósofos como Epicuro, Montaigne, Nietzsche, Schopenhauer, Sêneca e Sócrates podem ajudar a resolver as aflições comuns no dia-a-dia do mundo moderno, como impopularidade, sentimento de inadequação, dificuldades financeiras, desilusões amorosas e outros infortúnios. Ora, a filosofia nunca existiu para consolar alguém. Pelo contrário, muitas vezes desespera. Pretender transformar a filosofia – ou o que dela resta – em auto-ajuda é vigarice.

Pois não é que o Chalita britânico está querendo nos enquadrar, nós, ateus? Seu último livro, lançado ano passado – que não li mas até que gostaria de dar uma trecheada – intitula-se Religião para Ateus. Trate do que tratar, trata-se de um oxímoro. Religião é o culto a um deus, tanto que o budismo não é considerado religião, afinal Buda não deu o passo do judeu aquele. Não se pretende deus nem cultua deus algum. Nós, ateus, tampouco cultuamos deus ou deuses. Assim sendo, o título já destrói o livro.

Não bastasse isto, o Chalita lá deles está anunciando um plano para criar vários templos para ateus a serem construídos no Reino Unido. A brilhante idéia deriva de seu livro, que sugere que os ateus deveriam copiar as maiores religiões e erigir uma rede de novas obras-primas arquitetônicas em forma de templos. “Como as religiões sempre souberam, uma bela construção é parte indispensável para enviar nossas mensagens. Apenas livros não conseguem isso”.

O abominável ateu militante mostrou ao que vem. Quer fazer proselitismo. Deve estar doidinho para crer num deus qualquer. Considero que todo ateu que pretende conquistar alguém para sua descrença, no fundo anda em busca de um outro deus que não os do mercado.

Ateu que se preze é ateu e basta. Somos tão discretos que nem história temos. George Minois tenta construir uma, a partir dos cacos do ateísmo, em Histoire de l’Atheísme. Mas reconhece as dificuldades de seu intento:

"Como fazer a história de uma atitude negativa?" - pergunta-se Minois -. "A história dos que se opõem à... é seguidamente empunhada pelo campo adverso, e tratada com todos os preconceitos de hábito. (...) A dificuldade não é menor na época contemporânea: exceção feita dos movimentos ateus militantes, muito minoritários, como retraçar a história de uma atitude que não parece ter conteúdo positivo? Sonharia alguém, por exemplo, retraçar a história dos que não acreditam nos Ovnis?"

Mesmo assim, Minois desenvolve por quase 700 páginas a história dos que se opõem à... De Botton argumenta que definitivamente não são necessários deus ou deuses para justificar um templo. “Você pode construir um templo para algo que é positivo e bom. Isto pode significar: um templo para o amor, para a amizade, calma ou perspectiva”.

Vá lá! Mas porque chamar de templo? Clube me parece a palavra mais adequada. Templo dá uma idéia de religião, e com religiões nada temos a ver. Ao propor a idéia de templos sem deuses, De Botton não está sendo nada original. Está retomando uma idéia do século XIX, a religião da humanidade, ou positivismo, proposta por Augusto Comte (1798 – 1857). Ainda existem, no Marais, em Paris, a Chapelle de l’Humanité - o único templo positivista que ainda resta na Europa - e mais três destes templos no Brasil, no Rio, em Porto Alegre e em Curitiba.

Comte pretendeu criar uma espécie de religião laica, onde a Divina Trindade cristã foi substituída por uma outra, a Trindade Positivista. Ou seja, o Grande Ser - a Humanidade - que seria uma entidade coletiva, real e abstrata, formada pelo conjunto de seres humanos convergentes do passado que contribuíram para o progresso da civilização, do futuro e do presente.

Segunda entidade da Trindade, o Grande Fetiche, o planeta Terra com todos os elementos que o compõe: vegetais, animais, água, terra etc.). Terceira, o Grande Meio, isto é, o espaço, os astros, o Universo.

A Igreja Positivista do Brasil foi fundada no dia 11 de maio de 1881, por Miguel de Lemos, no bairro da Glória, no Rio. No pórtico da igreja pode se ler a máxima comtiana: "Os vivos são sempre e cada vez mais governados necessariamente pelos mortos". Nas laterais da grande nave, 13 bustos glorificam os homens que mais se destacaram na religião, literatura, filosofia, ciência e política: Moisés, Homero, Aristóteles, Arquimedes, César, São Paulo, Carlos Magno, Dante, Gutenberg, Shakespeare, Descartes, Federico II, Bichat e Heloísa, única mulher do elenco, representando as Santas Mulheres. No altar, em vez de deuses ou santos, a imagem de uma mulher com um bebê ao colo. Personifica a Humanidade, ou o Grande Ser. A seus pés um busto de Comte.

Ou seja, a idéia de um templo sem deuses nada tem de nova. O Chalita londrino, que na verdade é suíço, demonstra nada conhecer de história e ignora a doutrina de um vizinho seu. “Por que os religiosos têm os mais belos templos das terra? – pergunta-se De Botton -. Já é tempo de os ateus terem suas próprias versões das grandes igrejas e catedrais”.

Cá entre nós, diria que desde há muito temos um templo. É o bar, café, restaurante, tasca, bodega, taverna, como quer que tenham se chamado na geografia ou na história. É lá que oficiamos nossa liturgia, o culto do prazer e da vida, sem preocupação alguma com potestades ou eternidade. Dispensamos grandes arquiteturas, pedimos apenas interiores aconchegantes e amigos em torno. E muito álcool e muito vinho.

De Botton nada entende de ateísmo. Grandes templos não são o melhor lugar para celebrar a vida.