¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, março 22, 2012
 
SERPENTES PÕEM OVOS
TAMBÉM À ESQUERDA



Suponho que alguém ainda lembre de Anders Behring Breivik. O nome parece familiar, não? Há menos de um ano, o maluco norueguês matou cerca de oitenta pessoas, em nome de uma "guerra de sangue" a imigrantes e marxistas. Estranhamente, matou jovens noruegueses, que não eram imigrantes e certamente nada tinham a ver com marxismo.

O massacre de Breivik foi uma festa para as esquerdas. Finalmente um europeu de boa cepa, loiro e de olhos azuis, demonstrava a natureza assassina da cultura europeia. Alusões a O ovo da serpente, de Ingmar Bergman, seriam inevitáveis. Na ocasião, uma jornalista tupiniquim, pretendendo ser original, escreveu:

“Breivik é um fanático, que parece não recuar diante de nada para eliminar de sua frente aqueles que considera indesejáveis ou ameaçadores para o “sonho europeu” que persegue e difunde em suas mensagens pela internet. Os ataques que protagonizou, fundamentados por teorias de extrema-direita, deixam a Europa e o mundo em estado de alerta, já que uma onda de repulsa a imigrantes, declínio econômico, aumento do desemprego e medo crescente de retaliação de fundamentalistas islâmicos têm tomado conta de vários países do velho continente.

“O que os tristes acontecimentos da Noruega nos dizem é que parece que o apoio a teorias xenófobas, como as que segue o atirador fanático de Oslo e da ilha de Utoeya, está crescendo. Vem da Bíblia o conceito de que a coexistência com idéias e companhias maléficas equivale a chocar o ovo de uma serpente. Em 1977, o notável cineasta Ingmar Bergman fez um filme com o título O ovo da serpente, ambientado entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, quando o nazismo nasceu e prosperou na Alemanha, encantando governantes de índole totalitária em vários cantos do mundo. O resultado é bastante conhecido e lamentado até os dias de hoje.

“Eventos como o da Noruega parecem assustadoramente apontar nesta direção. Através do gesto tresloucado e das palavras mais ainda de Breivik, pode-se discernir o futuro provável da Europa e do mundo se providências enérgicas não forem tomadas para reprimir a expansão desta ideologia de extrema-direita que retorna. Através das membranas finas do ovo, pode-se vislumbrar o réptil peçonhento e letal, perfeitamente concebido e pronto para atacar”.

Vinte anos após a queda do Muro de Berlim, Breivik prestou um serviço inestimável a uma doutrina já putrefata. Um maluco sai a matar e a idéia de Europa é posta em xeque. As esquerdas, penhoradas, agradecem.

Segunda-feira passada, outro alucinado matou três crianças e um rabino em uma escola judia em Toulouse, França. Quatro judeus de uma tacada só? Pensei logo em algum Mohammed ou Mahammoud, como seria lógico. Ocorre que a loucura não é lógica e ataca em todos azimutes. Melhor não apostar na loucura.

Durante quase 48 horas, a imprensa francesa foi tomada por um wishful thinking, a hipótese de que o assassino fosse um europeu de boa cepa. Não era. Era um Mohamed. Enquanto sua identidade era desconhecida, Gilles Lapouge, o correspondente do Estadão em Paris, apostou numa doença tipicamente ocidental, o serial killer. E evocou desde Breivik até uma condessa húngara do século XVI:

“O homem da moto seria o clássico "serial killer"? Um fanático que mata por ideologia, como Anders Behring Breivik, o norueguês nazista que assassinou recentemente 69 jovens numa ilha? Ou um imitador dos 2 rapazes que, na escola de Columbine (Colorado), massacraram 12 estudantes e um professor em 1999? Evidentemente, as pessoas dirão que os serial killers costumam agir mais frequentemente nos Estados Unidos, e a França não tem grande tradição nesse tipo de ação.

“Mas um ser delirante agiu na França: Francis Heaulme, o responsável pelos crimes, assassinou sete pessoas. Na 2.ª Guerra, o doutor Marcel Petiot matou 26 mulheres e guardou os cadáveres em sua casa. Mas os dois, embora entes abomináveis, não são os campeões mundiais. Eles não rivalizam com a condessa húngara Elizabeth Báthory que, no século 16, obcecada pela beleza, assassinou 610 jovens para banhar-se no seu sangue a fim de preservar sua juventude.

“Esse personagem desconhecido, ainda não identificado, embora tenha sido fotografado por cerca de 40 câmeras de segurança, tornou-se um fantasma de filme de terror, uma figura de pesadelo vagando pelas ruas das cidades, que poderá, quando quiser, fazer nova matança em pleno dia. Os criminologistas afirmam que os serial killers não param nunca”.

Ocorre que o assassino não era exatamente um serial killer. Muito menos um loiro europeu de olhos azuis. Nem era preciso ir tão longe no tempo para entender seu gesto. O celerado era de fato um Mohammed, francês de origem argelina, treinado em terrorismo no Paquistão e Afeganistão. Decepção no seio das esquerdas: o massacre pode favorecer a recandidatura de Sarkozy e mesmo a candidatura de Marine Le Pen.

Em declarações para o Nouvel Obs, Christian Etelin, o advogado que o defendeu em pequenos delitos, o descreve como “um jovem muito doce, com rosto de arcanjo, de linguagem policiada”, que sabia ser “cortês e elegante”. Para seu antigo empregador, era “um bom elemento, de uma habilidade fora do comum no trabalho e de uma grande amabilidade”. Em declarações ao Libé, a concierge de seu prédio o descreve como um locatário geralmente só, gentil, polido, a rigor boa gente em todos os sentidos. “Se você o visse, você lhe ofereceria um café. Parecia doce como um cordeiro e você lhe daria o perdão sem confissão”.

Para um de seus companheiros de bairro, “um mês ele era um bom muçulmano, na religião, sadiamente. No mês seguinte era totalmente uma outra coisa. Como se ele fosse duas pessoas”.

O doce cordeirinho de rosto de arcanjo revelou-se um assassino frio e eficiente. Seu único arrependimento é não ter matado mais gente. Vai ver que Mohammed matou não em seu mês de bom muçulmano. Mas no mês em que era outra coisa.