¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, março 09, 2012
 
SOBRE MIGRANTES E PSICÓLOGOS


Meu caro Dino,

em princípio, considero o migrante um ser diferenciado e audacioso, que não hesita em abandonar o país, passado, amigos e familiares, em busca de vida melhor. Digo em princípio, porque vou abrir uma exceção lá adiante. Diria que são basicamente duas as motivações que levam alguém a migrar: dinheiro ou educação. Deixo de lado as razões políticas, estas geralmente compulsórias. Há quem viaje em busca do dinheiro que não consegue aqui. Outros querem aperfeiçoar o domínio de um idioma ou exercer uma arte que no Brasil não leva muito longe, por exemplo, cantores líricos, pianistas, violinistas.

Vamos ao primeiro caso, que parece ser o dos dekasseguis. Terá certamente de submeter-se a trabalhos manuais, que não dependem do domínio do idioma. Pode ser mecânico, varredor de ruas, lavador de pratos e, com um mínimo de habilidade, até mesmo garçom. Ou prostituta. São aquelas profissões que os países do Primeiro Mundo reservam aos imigrantes. Para quem vê na vida o dinheiro como objetivo maior, é uma boa saída. Um garçom na Europa, por exemplo, ganha bem mais que um redator de jornal aqui. Conheci de perto um caso emblemático em Porto Alegre.

Um operador de câmera gaúcho, que vivia mais de susto que do salário, resolveu um dia migrar para os States. Foi para Utah, onde começou na limpeza de lixo hospitalar. Certo dia, faltou um operador numa sala de cirurgia. Ele estava por perto e ofereceu seus serviços. Para surpresa dos médicos, deu conta do recado. Foi imediatamente promovido. Levou mulher e filhos para lá, acabou comprando casa de dois pisos, de esquina. O que, só foi descobrir mais tarde, não era grande vantagem: tinha de limpar a neve de duas calçadas. Claro que este profissional dificilmente teria esta chance no Brasil. Sem falar que não precisou mudar de ofício. Mas nem sempre passa um cavalo encilhado junto ao rancho de um migrante.

Em meus dias de Europa, conheci muitos jovens com curso universitário trabalhando como garçons, porteiros de hotel, lavadores de prato. Mais ainda: certa noite, ao voltar de madrugada para meu hotel em Paris, vi erguer-se do catre do concierge uma calva ilustre e muito familiar. Era a calva de um de meus professores de Filosofia na UFRGS, autor de vários livros e um dos mais reputados do país. De catedrático a porteiro de noite.

Em Estocolmo, conheci um universitário, filho de família tradicional gaúcha, que trabalhava como diskare (lavador de pratos) durante o verão sueco. Trabalhava em dois turnos, tinha poucas horas para dormir. Mas só trabalhava dois meses. Com o que ganhava na Suécia, vivia o resto do ano espichado ao sol em Ibiza. Na época, a conjuntura econômica européia permitia tais proezas.

É uma fórmula atrativa de vida. Muito melhor que mourejar oito horas por dia o ano todo, num banco ou escritório. Mas tem seu preço. Como você diz, o tempo passa, o mundo muda e não há como voltar atrás. Um belo dia, você se olha no espelho, tem 40 ou 50 anos e não tem uma profissão decente.

Conheço outro tipo de migrante, o eterno bolsista. Vai para um mestrado, tem as portas abertas para um doutorado, depois há os pós-doc pela frente. Até o dia em que descobre, perplexo, que a vida passou e ele nunca teve carteira assinada.

Considero legítima esta motivação, a de buscar dinheiro. Você pode encontrá-lo, mas o mais das vezes terá de renunciar a coisas mais importantes na vida. De minha parte, não abri mão de valores culturais ou econômicos ao voltar. Aos valores culturais, tenho acesso o tempo todo. Quanto a valores econômicos, nunca foi minha preocupação ter muito dinheiro. Tendo algo para meus livros, vinhos e viagens, me dou por plenamente satisfeito.

Mas volto ao início. Dizia que - em princípio - considero o migrante um ser diferenciado e audacioso, que não hesita em abandonar o país, passado, amigos e familiares, em busca de vida melhor. Dizia em princípio, porque agora surgiu – penso na Europa – um novo tipo de imigrante, o que busca não vida melhor, mas vida mansa. Preferentemente sem trabalhar. Se antes o imigrante queria saber quais seriam seus deveres no novo país, agora chega reivindicando direitos.

Os árabes, por exemplo, sentem-se no direito de levar todas suas quatro mulheres permissíveis pelo Profeta, mais as proles geradas com cada, todos contemplados pela Previdência Social. Isso sem falar no tal de reagrupamento familiar. Em nome deste – conta-me uma amiga da Finlândia – um somali conseguiu levar 98 parentes para o Canadá. Isto é, levou a tribo toda.

Por este tipo de imigrante, que quer gozar o melhor do Ocidente sem dar uma contrapartida equivalente, não tenho nenhum respeito. Mas não era este o cerne da discussão, e sim os gigolôs de dekasseguis. Não vejo razões para que um migrante, ao voltar, precise recorrer a psicólogos. A psicologia está querendo invadir todas as áreas. Morre alguém de sua família? Busque um psicólogo. Morre um cachorrinho? Busque apoio psicológico.

Do jeito em que vão as coisas, até turista precisará de psicólogo na volta. O coitado, que vivia no mundo das sombras platônico, viu o mundo real e agora volta às trevas. Não conseguirá sobreviver sem uma boa análise.