¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, abril 13, 2012
 
DIVERTIDA CIÊNCIA,
A CONTEMPORÂNEA



Cientistas descobriram que as mulheres podem ter orgasmos apenas com relações sexuais, dispensando a estimulação do clitóris. E que estes dois orgasmos são totalmente diferentes. As informações são do jornal britânico Daily Mail. Mais um pouco os cientistas acabam descobrindo a América. Descobriram também que o ápice do prazer sexual da mulher acontece no cérebro, que transmite sensações no corpo. Mais um pouco e descobrirão que sem cérebro não há prazer sexual.

O que me lembra uma antiga piada, a do cientista português. Cortou as pernas de uma pulga e mandou a pulga pular. A pulga não pulou. Conclusão óbvia: as pulgas têm os ouvidos nas pernas. As pesquisas científicas contemporâneas – ou ditas científicas – me divertem. Que se pesquise o desconhecido, entendo. Daí a pesquisar o óbvio, vai uma longa distância.

Segundo o artigo, o primeiro anatomista a fazer referência a essa parte do corpo feminino foi Ronaldo Columbus, em 1559, quando o descreveu como a "cidade do amor". Se assim foi, o Ocidente descobriu tarde a América. No Kama Sutra, escrito entre 100 e 400 d.C., Vatsyayana já conhecia esta cidade. Consta que o filósofo francês René Descartes, 100 anos depois de Columbus, achou que tivesse feito a descoberta. Não duvido. Para quem concluiu que só existia porque pensava, nada de espantar. Para ele, sem o prazer clitoriano, as mulheres não se submeteriam à maternidade. Ou seja, o pensador francês desconhecia aquele outro prazer, que alguns cientistas parecem ter redescoberto agora. Deve ter mantido uma respeitosa distância das mulheres em sua vida.

Depois disso, o clitóris teria caído no esquecimento por muitos anos, até que em 1884, George Cobald publicou uma série de desenhos que não poderiam mais ser negligenciados pela ciência. Ora, desenho não prova nada. Fosse uma foto, vá lá. Posso muito bem desenhar um centauro. Ou um anjo. Melhor seria observar o fenômeno in loco. O que não parece ter ocorrido a Cobald.

Mas deixemos a cidade do prazer em repouso. Os cientistas, infatigáveis, continuam afirmando bobagens. Leio no jornais de hoje que babuínos aprenderam a 'ler' em um experimento, isto é, conseguiram distinguir entre palavras verdadeiras e seqüências aleatórias de letras na tela do computador. Cientistas da universidade Aix-Marseille, na França, conseguiram treinar meia dúzia deles para que reconhecessem quando letras na tela de um computador formavam uma palavra de verdade e quando eram só sequência sem sentido.

Os babuínos foram treinados para usar telas de computador sensíveis ao toque. Diante deles apareciam palavras sempre com quatro letras (por exemplo: "wasp", vespa) ou então combinações artificiais de quatro letras que não eram palavras. Os macacos passavam por sessões de teste que incluíam 25 apresentações de uma nova palavra, 25 palavras já aprendidas e 50 pseudopalavras. Se acertassem uma palavra, recebiam uma recompensa de comida. Após o treino, os bichos alcançaram precisão em torno de 75% nos testes.

Os babuínos, suponho que de boa cepa francesa, após treinamento de um mês e meio, receberam palavras em inglês, sendo algumas delas inexistentes. Surpreendentemente, os macacos souberam distinguir o que fazia ou não sentido. Os babuínos não estavam lendo, pois não sabiam o significado do que estava escrito. Mas os resultados mostram que eles dividem as palavras ao invés de apenas memorizar seu formato como um todo, explicou Grainger.

Perguntinha de quem não entendeu bem o teste: que é uma falsa palavra? A meu ver, palavra nenhuma é falsa. É palavra ou não é palavra. Um conceito pode ser falso, uma definição também. Mas toda palavra, por estranha que soe, é uma palavra. Pode ser desconhecida para quem a lê. Mas continua sendo palavra. Na Folha de São Paulo, tivemos o caso célebre, não de um símio, mas de uma jornalista, que desconhecia a palavra soez, pronunciada por Fernando Henrique. Nem por isso a palavra deixava de existir.

Jonathan Grainger, o principal autor do estudo, tenta estabelecer a principal diferença entre palavras e pseudopalavras. Reside no número de vezes que certas combinações de letras aparecem. Assim, por exemplo, a seqüência ‘wa’ pode ser vista mais várias vezes, em palavras como walk, ward e wall, diz o especialista. Já as seqüências ‘wr’ ou ‘wh’ são mais raras no inglês. Seriam então pseudopalavras?

Ora, não queiram os cientistas me convencer de que os babuínos franceses eram poliglotas. Se até mesmo Monsieur Dupont desconhece palavras rudimentares do inglês, me permito duvidar que um símio as reconheça. E se na telinha estiverem reproduzidas palavras como struldbrugs, Tramecksan, Slamecksan ou Houyhnhnms? Duvido que os macacos as reconheçam, já que certamente milhões de franceses as ignoram. E no entanto existem.

Neste sentido, qualquer neologismo não seria palavra. Mas neologismo é palavra, ao mesmo título que as demais. Se um macaco reconhece uma seqüência de duas letras, isto não quer dizer que esteja reconhecendo uma palavra. Memorizou uma forma gráfica. Mais ou menos como mostrar círculos e quadrados e recompensar o reconhecimento de uma destas formas com alimento.

Há um secreto desejo, entre os cientistas contemporâneos, de conferir alguma parcela de humanidade a animais, particularmente aos símios. (Já nem falo dos cães, que hoje gozam de mais estima entre os seres humanos que os próprios seres humanos). Há campanhas internacionais querendo conferir personalidade jurídica aos grandes primatas. Nos anos 70, não faltou uma antropóloga desvairada que pretendia conferir personalidade jurídica aos gorilas. A meu ver, os gorilas não foram consultados. Não sei se prefeririam submeter-se aos direitos e deveres que uma personalidade jurídica implica, tais como trabalhar para ter direito a um salário, suar o topete para garantir saúde e habitação, submeter-se às normas do Direito de Família para constituir prole e incomodações outras típicas do Homo sapiens.

Sem ser gorila e portanto sem conseguir pensar como pensaria um gorila – se capaz de pensar fosse – intuo que aqueles primatas prefeririam continuar pastando tranqüilamente em suas selvas do que submeter-se à condição de um cidadão cercado por direitos, mas também por deveres.

A moda, como todas as modas que vêm do Primeiro Mundo, contaminou este nosso Terceiro. Entre nós, um certo Dr. Alfredo Migliore quer que nossos juízes reconheçam que os grandes primatas têm direitos básicos de serem respeitados e que de uma vez por todas devemos aceitar que o ser humano não é o único dono deste universo.

Pode até não ser, mas é o único que entendeu suas leis e o domina. Ao descobrir a palavra, o Homo sapiens passou a designar – e a reconhecer – objetos. Daí ao sujeito, predicado e objeto foi um passo. Um dia descobriu o alfabeto. Foi um upgrade eficacíssimo, as palavras podiam então ser registradas, permaneciam no tempo, e a comunicação dispensava a voz.

Os símios, por mais que pretendam os cientistas, não falam, não reconhecem palavras e continuam pendurados pelo rabo nas selvas, ou vivem de caridade pública nos zoológicos. Que tenham algumas habilidades, isto não se discute, todo animal tem seus instrumentos para sobreviver. Não se trata de negar inteligência aos animais. Mas é uma inteligência curta, pragmática, que serve para o comer e habitar. Em suma, para sobreviver. O homem vai mais longe. Quer arte, ciência, filosofia, tecnologia, conforto, gastronomia.

Não pretendam os cientistas de Marselha que um símio leia francês e inglês. Conhecemos – e de perto - homens de Estado que não chegaram lá. Divertida ciência esta nossa, que descobriu que o prazer sexual não é apenas clitoridiano e que símios memorizam grafismos.