¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 30, 2012
 
MOÇA VAI DE MOTO PRÓPRIA
A RESTAURANTES EM PARIS



Ano passado, contei já ter almoçado no sétimo melhor restaurante do mundo. Pelo menos assim dizem os jornais. Sem saber. Só fiquei sabendo mais tarde, ao ler no Estadão que o D.O.M., aqui de São Paulo, obteve na época o 7º lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo – eleição feita anualmente pela revista britânica Restaurant. Hoje eu nada poderia dizer sobre o D.O.M., minhas papilas gustativas estão avariadas. Mas quando estive lá, meu paladar estava intacto.

Em primeiro lugar, fui lá porque fui convidado. Jamais iria de moto próprio. É um desses restaurantes carésimos onde novos ricos vão para serem vistos. Já que estava convidado, era ocasião de conhecer um universo para mim desconhecido. Éramos três. Do que foi servido, só reconheci um cordeiro assado e um aligoté. O resto, o Alex Atala nos explicava o que era, pois não dava para perceber do que se tratava.

Suponho que o cordeiro fosse de carne, mas nunca se sabe. Atala é adepto da tal de cozinha molecular, essa estranha culinária que faz caviar de cenoura, beterraba e maracujá, e ostras sei lá de quê. Não sou muito chegado a caviar, em todo caso prefiro os de beluga ou esturjão. Não vou dizer que não gostei do que comi no D.O.M. Mas saí dali com saudades de uma boa picanha ou de uma massa à putanesca. Já nem falo de cochinillos ou lechales.

Pratos que parecem ikebana, servidos em porções diminutas. Hesitei em comer. Melhor levar para casa e pendurar na parede. Um deles vinha em um retângulo de madeira escura com listas brancas transversais. Quando terminei, o garçom me perguntou: não gostou do pupunha? Que pupunha? – quis saber. Pupunha eram as listas brancas. Ah, bom...

Pagamos, em três, com um só vinho, o preço de uma passagem de ida e volta a Paris. Quer dizer, eu não paguei, era convidado. Nem pagaria. Só em São Paulo encontro uns dez restaurantes melhores do que o D.O.M. e a preços mais humanos. Por que digo só dez? Porque só freqüento uns dez restaurantes em São Paulo. Se saísse a pesquisar, encontraria vinte, trinta ou mais. Se expandir minha pesquisa pela Europa, encontro cem, duzentos, mil ou mais restaurantes bem mais palatáveis.

Leio na Veja on line que o D.O.M. subiu três posições e passou à 4ª colocação do ranking da mesma Restaurant. É o único latino-americano a figurar entre os dez melhores do mundo, atrás do tricampeão dinamarquês Noma e dos espanhóis El Celler de Can Roca e Mugaritz. Completam o top-10 o italiano Osteria Francescana, os americanos Per Se e Alinea, o espanhol Arzak (de Elena Arzak, campeã na categoria chef feminina em 2012), o inglês Dinner by Heston Blumenthal e o americano Eleven Madison Park.

Ou seja, de certa forma também fui promovido. Hoje posso gabar-me, sempre segundo os jornais, de ter jantado no quarto melhor restaurante do mundo. É lugar onde jamais voltarei a pôr os pés. Sempre fui adepto da vecchia cucina, daquela que atravessou os séculos. Pagar fortunas por experiências nunca esteve entre meus hábitos. Deixo para os ricos. Ou melhor, para os novos ricos, que são os clientes preferenciais dessas casas. O novo rico não busca necessariamente o melhor. Busca o que dá status. Rico que se preze não precisa disso.

Não existe Atala que proporcione os prazeres de um cochinillo ou lechal no Sobrino de Botín, em Madri, de um boudin aux pommes ou das andouilletes do Aux Charpentiers em Paris, de um camembert no Procope. Nem está em seus propósitos. Atala não oferece uma cozinha de fogão, mas de laboratório. Seu restaurante – como os demais do gênero - vende o insólito, não o tradicional. Cá entre nós, sou bem mais o tradicional. Por um décimo do que se paga no D.O.M. posso comer soberbamente em Paris ou Lyon, Madri ou Toledo, Roma ou Bolonha.

Sempre fui fiel aos meus restaurantes seculares. Que não cultivam a tal de cozinha molecular. Neles o porco é porco, a ostra é ostra, o caviar é caviar. Aliás, em Madri eu gostava muito de um, que hoje não mais existe, o Comidas Naturales. Lá tudo era natural. O porco era porco, o boi era boi, o cordeiro era cordeiro.

Isso de comer sucedâneos de produtos naturais a preço de ouro, me desculpem os novos gourmets, é frescura de quem gosta de ostentação. Não é por acaso que o D.O.M. foi classificado por uma revista britânica. É sabido que a Inglaterra conquistou tão grande império em busca de uma boa cozinha. Pelo jeito, ainda não a encontrou.

Jamais iria de moto próprio a tais restaurantes, dizia. Leio há pouco na Veja relato de moça que foi de moto própria – no caso, uma Shadow 600cc 2000 - aos restaurantes mais caros de Paris. Isto é, vendeu a moto para pagar cinco refeições, uma atrás da outra, em restaurantes nos quais o menu-degustação nunca saía por menos de € 240 (R$ 594). “Por pessoa. Sem bebidas. Valor que facilmente dobra” – sublinha a ex-motoqueira.

Bem entendido, a moça não foi atrás da tal de cozinha molecular, mas da tradicional cozinha francesa. A conta mais áspera paga por conta da moto custou € 1.437, cerca de R$ 3.556, “e uma sensação indescritível de que havia valido cada centavo”. Neste restaurante, ela pediu o menu de 18 pratos.

Ça me dépasse. É novo-riquismo aliado a glutoneria. Escassamente consigo comer três pratos. Aquelas seqüências de restaurantes na Itália – de antipasti, primo piatto, secondo piatto, dolci, formaggio – me matam. De cara, peço o primeiro prato, ou o segundo, mas sempre dispenso um deles.

Certa vez, navegando pelos canais fueguinos, o cozinheiro do Stella Australis me fez um desafio. “Aposto que você só sai daqui com pelo menos dois quilos a mais”. Apostei serenamente. A cozinha era soberba, começava com centollas e continuava com locos y picorocos, passando depois para o tenro cordero patagônico, de carne cuja consistência parece sorvete. Bebida livre. A qualquer hora do dia, bastava olhar para um garçom com um olhar angustiado, ele vinha voando com uísque, vinho, conhaques ou champanhes. Foram cinco dias e cinco noites de bona-chira. Não engordei um grama sequer.

A impressão que esta turista me passa é que, para valer cada centavo, comeu cada e todo grama que lhe era servido. Disse ter engordado três quilos com as cinco refeições. Enfim, cada um com seu cada qual. Mas me parece proeza de brutos, isso de comer caro e pantagruelicamente só para colocar no currículo. Com o que a moça da moto pagou por cinco refeições, você vai e volta a Paris e come e bebe muito bem por um bom mês.

Como dizem as gentes, Deus dá biscoito para quem não tem dentes.