¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, abril 24, 2012
 
A NUVEM E A CULTURA

Luís Valentin

“Não se precisa ir longe para constatar a morte da leitura. Olhe para você. Ao se deparar com um texto longo, como este aqui, qual é sua reação? Bate uma preguiça imensa de ler, não é?”

No post “Vargas Llosa e a outra nuvem” Janer Cristaldo disserta sobre a nuvem de mediocridade que está sufocando a cultura tradicional, imputando aos jornais “boa parte” da culpa por este processo.

O assunto é complexo e deve ser analisado a partir das raízes. Antes de tudo é preciso notar que cultura é algo intrinsecamente ligado a um grupo, uma sociedade, um ajuntamento de seres vivos. Culturas e grupos nasceram e adquiriram sua individualidade, tanto mais hermética quanto fosse o isolamento do grupo. Portanto, até há algumas décadas não existia uma cultura “universal”, embora existissem culturas predominantes no âmbito mundial.

O arqueólogo britânico Gordon Childe em seu livro “What happened in History” ressalta: "...a ideologia é um produto social... as idéias devem a sua realidade, a sua capacidade de influir na ação, à aceitação que tiveram na sociedade. Crenças aparentemente absurdas podem surgir e manter-se quando todos os membros do grupo, desde a infância, as aceitam e aprendem a acreditar nelas. Não ocorrerá a ninguém pôr em dúvida uma crença universalmente aceita."

Ou seja, “universalmente” dentro do âmbito do grupo. Todo ser pertencente a um grupo, equivocadamente, acredita sempre que ele é o centro do universo. Daí, na história mundial, a ocorrência da imposição da cultura do mais forte sobre os mais fracos.

Porém dessa interação o que surge nem sempre é a cultura do vencedor em sua forma castiça. O embate entre duas ou mais culturas tende a produzir uma cultura mesclada. Os exemplos são vários, na antiguidade: o efeito da cultura romana sobre os povos conquistados, por mais de 800 anos, os efeitos da cultura árabe sobre a península Ibérica, também por mais de 800 anos, os efeitos da cultura babilônica sobre os israelitas escravizados, entre outras, provam como cultura mestiças surgiram por todos os lados.

A diversidade de culturas - e a diversidade do cabedal de conhecimentos que compõem uma cultura - é a mola que impulsionou o mundo no campo do avanço do conhecimento e do aprimoramento cerebral humano, com o conseqüente progresso da civilização.

São culturas diferentes que, por comparação ou interação, nos fazem pensar, analisar, depurar e otimizar a nossa própria cultura. Nesse processo contínuo, então, automaticamente, é introduzido o conceito de excelência pessoal, atributo indispensável a um modificador que agirá transformando e melhorando a sua própria cultura e, muitas vezes, as alienígenas que interagem com ela. A excelência pessoal produz os gênios, verdadeiros Titãs que deixam sua marca indelével na história, por ao transformarem sua cultura, também balançarem o mundo.

Essa foi a nuvem criativa que sempre envolveu o planeta e proporcionou o avanço da civilização, até recentemente. Isso porque, atualmente, constata-se que houve uma mudança no padrão da nuvem, que perdeu a criatividade e passou a uma mediocridade destruidora. A que se deve isso?

Para responder, descobre-se que a falha reside na forma da disseminação da cultura. Janer Cristaldo atirou mas errou, por estar mirando um alvo posicionado no século passado. Mais precisamente, em um alvo que seria o correto caso o atirador estivesse em uma época antes da Televisão e Informática: os jornais, os livros e a leitura.

São esses dois inventos que, paradoxalmente, estão colocando a humanidade em um caminho de estagnação e mesmo, decaimento cultural. Todos os estudiosos da influência da TV sobre o comportamento humano são unânimes: ela destruiu, não a mídia impressa, mas a capacidade de ler das pessoas. Destruiu a leitura!

O pior de tudo, é que a TV é manipulada por um grupo, o qual, a cada geração que passa, fica mais ignorante, desconhecendo a cultura tradicional que foi substituída integralmente pela cultura simplória e medíocre de se obter ganhos econômicos a qualquer preço. E isso não poderia ser de outra forma, pois tais grupos cresceram à sombra da cultura da TV.

Há mais de cinco gerações a humanidade está exposta à TV. Com seu poder de interação visual e com seu imediatismo, onde tudo acontece com rapidez, ela atrofiou irremediavelmente a parte de processamento abstrata do cérebro, que não utiliza unicamente imagens, mas o recebimento e tratamento de quaisquer dados, com sua análise e conclusão através de raciocínio, num processo chamado genericamente de “pensar”, demorado e cansativo.

Não se precisa ir longe para constatar a morte da leitura. Olhe para você. Ao se deparar com um texto longo, como este aqui, qual é sua reação? Bate uma preguiça imensa de ler, não é? Ou dá dor de cabeça, como declarou Lula, para justificar sua aversão à leitura.

Veja a TV aberta. Um lixo insuportável de engolir. Uma mesmice apelativa atingindo a parte emocional das pessoas com pieguices tacanhas e infantis. Não é por acaso que todas utilizam a fórmula dos 4 para conseguir audiência: mostrar crianças, cães, mulheres semi-nuas ou famosos (esportistas ou atores). Isso sem falar que tudo apresentado é falso, fantasioso e combinado. Os néscios acreditam piamente que Silvio Santos distribui milhões em prêmios semanalmente. E as TVs religiosas se contorcendo para angariar mais fiéis, ou seja, tolos que virão encher seus cofres com dinheiro e ouro.

Então você pensa em fugir para a TV paga. Perda de tempo. Os seriados americanos exibidos em todos os canais são feitos hoje exatamente por produtores que tiveram sua infância dominada pela TV. Totalmente sem inventividade, sem talento, reles imitadores uns dos outros, conhecendo apenas que a falta de crítica dos espectadores vai permitir o sucesso econômico de suas produções.

Veja o excesso de programas culinários em todos os canais. Um repetindo o outro. Veja os “reality shows” culinários, onde o esquema de tensão e relaxamento é notório, em três etapas: uma missão a cumprir, erros no percurso que podem prejudicar a missão, gritos, brigas e final feliz. Tudo combinado e marcado, acontecendo sempre o mesmo esquema enfadonho por temporadas a fio. Veja a série “Undercover Boss”. O esquema se repete.

Veja as séries policiais, com tramas e soluções inverossímeis. Veja como abundam as séries abordando o sobrenatural, fantasmas, lobisomens, vampiros e extraterrestres, todas narradas sempre no condicional (se, acredita-se, existem versões, etc) onde os cientistas, quando aparecem, têm apenas 15 segundos para desmistificar o programa, o que não é suficiente para esclarecer as pessoas.

Veja os filmes: quase todos baseados em fantasias e ficções. Com parcos diálogos estúpidos, onde a inteligência é substituída pela visão de muitas explosões, lutas e correrias, na sua maioria, impossíveis da acontecer na realidade. A moda é fazer filmes sobre heróis de revistas em quadrinhos do século passado, os “super heróis”, aquelas mesmas que deixamos de ler quando completamos 13 anos. Pura ficção, um divertimento infantil e fútil, que na cabeça das pessoas ocupa lugar do raciocínio e crítica. E a avalanche de desenhos animados que são “curtidos” mais por adultos infantilizados que por crianças?

Veja a avassaladora onda de esportes, onde se aconselha “torça, torça, torça”. Veja a série “Man vs Wild” (À prova de Tudo), totalmente montada e encenada, onde o cretino protagonista, entre varias situações artificiais montadas pela produção, finge beber o líquido que sai de fezes de elefante espremidas, e por essas e outras é cultuado por uma massa de jovens beócios como ”deus” (pode pesquisar no Google).

Veja a série “Lost” que teve milhões de seguidores, onde a cada episódio surgiam situações irreais, que produziam efeitos, mas não eram explicadas, nem de forma ficcional, nos outros capítulos. Durou várias temporadas, acabou de modo pífio, mas faturou bilhões, a verdadeira finalidade dos seus produtores.

E os documentários, com intensa apresentação de testemunhos de pessoas falando obviedades e tolices, preenchendo a metade do tempo da apresentação. E os programas combinados e encenados, sempre com o mesmo esquema perene de tensão e relaxamento e testemunhos boçais. Temos o da casa de penhores, de caminhões na estrada de gelo, de pescadores de caranguejos, de caçadores de antiguidades e ferro velho, de restauradores, de taxidermistas, de acumuladores de objetos, etc. E os programas pretensamente científicos, onde somente se vê a destruição do universo. O canal History, começou apresentando episódios da história. Guerras, Napoleão, fatos históricos relevantes, que NÃO deram audiência. Hoje mudaram para assuntos que nada mais têm a ver com a História ou ciência – ufologia, astrologia, profecias, religião e escatologia. Aumentar o seu nível de crendices e superstições é o que querem os espectadores com cérebro de galinha.

Assim, o vidiota absorvendo tais sandices, estatelado em um sofá, semi hipnotizado, babando, vai deteriorando sua mente aos poucos, já tendo perdido a crítica e sem jamais ter conhecido o mundo que a leitura poderia proporcionar, um mundo jurássico, esquecido no passado.

Quem ainda lê é arcaico. É de uma cultura passada. Quem ainda tem senso para criticar a máquina televisiva é ultrapassado, é velho, não enxerga o que é ser moderno. Deve se recolher a sua era e calar-se. E é exatamente isso que deve ser feito. Não se deve tentar impor uma cultura a outra, principalmente se o grupo da outra está feliz nela.

A TV (não o invento tecnológico, mas sua PROGRAMAÇÃO) é pois, a grande responsável pelo esfacelamento de uma cultura sadia em prol de uma globalização da mediocridade e pela criação do homem do século XXI, um carneiro descerebrado, abúlico, que caminha somente para onde os mestres controladores mandam.

O criador da Cientologia (uma sandice que, sintomaticamente, se tornou a bilionária religião da Nova Era mais influente nos EUA) LR Hubbard, que morreu podre de rico com o dinheiro arrecadado pelo sucesso de sua igreja, resumiu sua fórmula vencedora de uma forma definitiva e real: “A verdade é aquilo em que cada um acredita”. A atual confraria mundial de tolos acredita na cultura da TV. Ela é, pois, verdadeira.