¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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terça-feira, agosto 07, 2012
 
Kashrut, a cozinha que divide:
PODE UM NÃO-JUDEU
COZINHAR PARA UM JUDEU? *



Antes de ir adiante: os caraítas, seita judaica dissidente, têm uma interpretação mais restrita ao “Não cozerás um cabrito no leite de sua mãe”. Se os rabinos entendem que falava da proibição de comer carne e leite juntas, os caraítas entendem estas palavras ao pé da letra. É somente quando se cozinha carne de cabrito que não se deve colocar nela leite de cabra ou queijo, manteiga ou creme de leite ou coalhada feita com leite de cabra. Nada impede a um caraíta comer carne de cabrito com leite de ovelha ou vaca. Só que isto vai gerar um problema com as panelas. Se antes se necessitava de duas, uma para o leite e outra para carne, agora serão necessárias panelas específicas para os diferentes tipos de carne e leite, de origem caprina, ovina ou bovina.

Volto à kashrut. Se ler teologia já é algo divertido, um tratado teológico-culinário é um dos sumos prazeres do espírito. Ezra Dayan é minucioso e não recua diante de possibilidade alguma do contato do leite com a carne. Como fica o problema de quem usa dentadura? É recomendável que tenha duas dentaduras, uma para o leite e outra para a carne. Mas o bom rabino é um poço de tolerância. Se é recomendável, “isto não é obrigatório”.

Não bastasse isto, há o problema do Bishul Acu’m, isto é, os alimentos cozidos por não-judeus. Pode um judeu comer comida feita por um não-judeu? O problema é complexo. Inúmeras são as prescrições do rabino. Me atenho a algumas.

- Mesmo se o não-judeu que cozinhou é nosso funcionário, como por exemplo, uma empregada doméstica, a comida também fica proibida. Contudo, para os ashkenazim, se existe a possibilidade de que os judeus, moradores daquela casa, tenham mexido no fogo durante o cozimento, a comida será permitida. Porém, esta situação somente era comum antigamente, quando se cozinhava com brasa. Hoje, com os fogões modernos, esta possibilidade é muito mais remota.

- Se o não-judeu está cozinhando na casa do judeu, para si próprio, mesmo para os ashkenazim a comida será proibida. Portanto, quando permitimos a um não-judeu cozinhar para si próprio, ele deverá fazê-lo em utensílios específicos para ele, pois, senão, estes ficarão proibidos para nós.

- Há lugares, como restaurantes, hotéis e salões de festas, onde um judeu liga o fogo e todo o resto do cozimento é feito por não-judeus. Para os ashkenazim, isto é válido, porém para os sefaradim, o correto é que o judeu participe também do cozimento.

- Para considerarmos que um alimento foi cozido por um judeu, este deve ter sido colocado por um judeu sobre o fogo, ou no forno, em lugar onde possa ser cozido, não bastando apenas acender o fogo. Este é o costume sefaradi.

- Os ashkenazim costumam considerar que basta o fogo ser aceso por um judeu e, portanto, mesmo que o não-judeu coloque a panela sobre o fogo e faça tudo o que for necessário para o cozimento, o alimento será permitido.

Não menos importante na culinária judaica é a intenção de quem cozinha. Se um não-judeu cozinhou sem querer cozinhar, passa. Mas se cozinhou querendo cozinhar, anátema seja.

- Quando o alimento foi cozido por um não-judeu, sem que este tivesse intenção alguma de cozinhar, o alimento não fica proibido. Portanto, se um não-judeu acendeu uma lareira com intenção de aquecer o ambiente, e dentro da lareira havia comida, e esta se cozinhou, não fica proibida. Porém, se o não-judeu tinha a intenção de cozinhar, mas não esta comida e sim outra, neste caso a comida do judeu ficará proibida. Portanto, se havia algo no forno e o não-judeu, sem saber, colocou sua comida e a cozinhou, e acabou cozinhando a comida do judeu junto, esta fica proibida.

A quantia cozinhada permissível vai depender também de proporções.
- Quando o judeu participa do cozimento, no início ou no final, nos seguintes casos, o alimento fica permitido: quando o não-judeu colocou uma panela ou uma carne sobre o fogo e, antes de atingir um terço do cozimento total, o judeu virou a carne ou remexeu na panela. Quando o judeu colocou a comida sobre o fogo, e o não-judeu terminou o cozimento, mesmo antes de ter atingido um terço do cozimento total, contanto que o não-judeu não tenha tirado a panela de sobre o fogo ou virado a carne.

Muito cuidado com os peixes. Peixes têm dois lados.
- Se um não-judeu fritou um peixe de um lado, e o judeu o virou e fritou o outro lado, o peixe fica proibido, pois um lado foi completamente cozido pelo não-judeu, e o lado que foi cozido pelo judeu, provavelmente absorveu da gordura e do sabor do lado proibido do peixe.

Mais ainda:
- Um alimento que atingiu um terço de seu cozimento e foi retirado do fogo e, depois foi recolocado sobre o fogo por um não-judeu, é permitido. Porém, se não atingiu um terço de seu cozimento,é proibido, mesmo se quem o retirou de sobre o fogo foi o não-judeu. Se há dúvida quanto ao nível de cozimento atingido, se alcançou ou não um terço, o alimento é permitido.

Atenção aos ovos:
- Ovos cozidos por não-judeus são proibidos. Contudo, se o judeu os cozinhar um pouco, não ficam mais proibidos, e não é necessário que os cozinhe um terço de seu cozimento.

E por que estas prescrições todas? Aqui vem o melhor:

– Nossos sábios proibiram alimentos cozidos por um não-judeu para evitar assim casamentos com não-judeus, pois, comendo a comida deles, criamos certa intimidade e isto pode levar a um casamento.

E depois chamam de racistas quem critica o judaísmo. Volto em breve ao assunto.

* 11/04/2010