¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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sexta-feira, setembro 21, 2012
 
SOBRE GAUCHISMO


Do Luís Bonow, recebo:

Olá Cristaldo,

como, volta e meia, leio um texto teu criticando os nossos conterrâneos gaúchos, gostaria de tecer alguns comentários, pois das árvores que ali são pintadas, pode-se inferir a floresta.

Como os ingleses, chineses e franceses, parece-me que pertencemos a um povo de natureza colonizadora, impondo uma cultura rural por todo o oeste do Brasil (tenta ver uma cerca de fazenda em Minas Gerais para ver a diferença de qualidade daquela dos alambradores gaúchos!). Isso não é à toa, pois em alguns aspectos a cultura gaúcha cultua detalhes que fazem a diferença civilizatória. Verdade é que o Rio Grande do Sul de Santa Cruz ou de Caxias, é muito mais arrojado economicamente, do que as partes do estado "bugrês" ou açorianas, colocando em cheque essa cultura gauchesca grandiosa e tradicional que normalmente faz parte do marketing e do estereótipo promovido pelos locais, mas mesmo assim há uma cultura bem particular, com contribuições importantes.

Tu que gostas da comilança, não foi só o espeto corrido que o Continente exportou (esta expressão bairrista foi mais braba que peleia de cego, hein macanudo!?). O café colonial, o chimarrão, o galeto, o rodízio de pizzas (acho que não foi invenção gaúcha, mas ali se estabeleceu primeiro). Está certo que é tudo bastantão e de baixa qualidade, mas não podemos negar que são aquisições culturais que movimentam o consumo, geram empregos, riquezas...

Quanto ao artificialismo cultural, o teatro das indumentárias, tampouco vejo grandes críticas: nunca existiu um "cowboy" como John Wayne no Arizona. A história mostra que eram uns mendigos miseráveis que o cinema americano glamourizou, apenas isso. Nunca existiu um teatro tradicional balinês. Aquelas máscaras exóticas que os turistas trazem na mala foram criadas por um europeu no início do século XX e vendidas em Paris como pertencentes a um ritual religioso de uma cultura exótica. Tem um livro do Umberto Eco, chamado "Viagem na Irrealidade Cotidiana" que fala claramente desses "fakes" culturais.

A meu ver, essa autoilusão faz parte do ser humano e não sou tão radical assim nas críticas. O exotismo romântico rousseauísta que tanto fascinou os europeus e patrocinou a exploração colonialista durante o século XIX, foi destruído com os primeiros relatos sobre as atrocidades no Congo Belga e na Amazônia Peruana da virada do século, que demoliram a ideia do bom selvagem, gerando a necessidade de construir-se novos mitos de que o ser humano necessita. Não é porque não se acredita em Papai Noel, que se deve fazer uma criança chorar, puxando a barba falsa dele na sua frente...

O grande problema, aí é que entra a coisa da floresta, é um problema nacional, não gaúcho. Explico: quando um governante anglossaxão fala em tirar liberdades individuais e aumentar os impostos, a população fala "Remember João-Sem-Terra!". Os novaiorquinos foram às ruas agora para protestar contra a proibição de copos grandes de refrigerante, não porque são maldosos e querem que as pessoas fiquem doentes, mas porque não aceitam que os governantes excluam a sua liberdade de escolha, o que seria totalmente impensável por aqui.

Na Terra dos Papagaios, sempre que se fala em liberdade de expressão e redução de impostos, o nosso governo sorri e pensa: "Remember o esquartejamento de Tiradentes!". "Remember Conselheiro que queria liberdade religiosa e contestar o poder dos republicanos!". "Remember os bandoleiros do Contestado que queriam gerir a si próprios enquanto os governantes discutiam a quem pertencia o butim das arrecadações públicas.". E... "Remember o que fizemos com os Farrapos que queriam reduzir o imposto do charque!".

A ideologia liberal que definiu as guerras civis do país, foi totalmente arrasada pela ideologia estatista e arrecadatória, sedimentada por uma ditadura republicana de, com breves janelas, quase um século. Ninguém lembra que o 20 de setembro representa o protesto contra o imposto do charque, mas uma luta contra a monarquia. Assim como os mineiros cultuam Tiradentes, os baianos cultuam Canudos, os catarinenses cultuam o Contestado, os verdadeiros motivos que levaram às revoltas do final da Monarquia e início da República (redução fiscal, liberdade de expressão e escolha individual) foram escamoteados, criando esse Teatro de Sombras que vemos hoje em dia, cujos marionetes tu identificaste como sendo os ingênuos de nossos conterrâneos, mas esta não é toda a verdade, a situação é muito mais ampla.

Ao meu ver, o problema é mais profundo do que aquele que tu mencionaste, não é o cenográfico, mas o ideológico.

Abraços,
Luiz de W. Bonow