¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, novembro 11, 2012
 
PASTOR MARCOS PREFERE
A GRANDE LITERATURA



Qual o pior dos crentes, o culto ou o analfabeto? Nietzsche não tinha dúvidas. No artigo segundo de sua lei contra o cristianismo, escreve: “Quanto mais próximo se está da ciência, maior o crime de ser cristão. Conseqüentemente, o maior dos criminosos é o filósofo”.

De acordo. Até hoje não entendi como alguém que acredita em Deus pode orientar e julgar uma tese. No entanto, os doutores católicos aí estão. Pior ainda, há doutores adeptos do espiritismo, uma das versões mais toscas do cristianismo. Há horas a universidade deixou de fazer seu trabalho. Ora, direis, Tomás de Aquino foi aluno da Sorbonne. Tudo bem. Mas os tempos eram outros. Mas se ver uma pessoa culta crendo em deus é grave, a crença dos analfabetos é atroz.

Usuário contumaz de táxis, seguidamente tropeço com taxistas evangélicos. São uma praga. Puxam assunto e logo desviam para o proselitismo. Como seguidamente tomo táxi no Sírio-Libanês, a conversa começa sempre com uma pergunta sobre a saúde. Ai de você se está curado. Logo vem o indefectível “graças ao bom deus”. Já cansei de corrigir: nada disso. Graças à ciência dos médicos do hospital.

Outro dia peguei um bruto de gema. Começou afirmando que Cristo era cristão, quando o judeu aquele nasceu e viveu em uma época em que sequer se cogitava de cristianismo. Em que bíblia – perguntei – você leu que Cristo era cristão? Minha pergunta era meramente retórica. Sabia que ele era desses que portam a bíblia sob o sovaco e não a lêem. Vão atrás apenas do que o pastor diz.

- Na Bíblia - me respondeu.
- Sei disso. Mas qual Bíblia? A judaica, a cristã, a protestante, a evangélica? Qual tradução?
- Só existe uma Bíblia – me respondeu, com a certeza dos fanáticos.

Tentei pacientemente fazê-lo ver que se existisse uma única Bíblia, nem ele nem eu conseguiríamos lê-la. Que, para ser divulgado, o livro precisava ser traduzido em todos os idiomas. E que cada tradução era diferente uma da outra. Isso sem falar nas versões das diferentes religiões, cada uma puxando brasa para seu assado. Tenho treze bíblias em minha biblioteca – afirmei – exatamente para ver essas diferenças. Tenho até uma bíblia marxista.

O animal encerrou-se em sua falta de argumentos. Só existia uma Bíblia, a dele. Pelo jeito, acreditava que Jeová falava português. Com este tipo de gente não dá para conversar. Melhor apenas perguntar logo custou a corrida.

Leio que numa escola em Manaus, catorze alunos evangélicos do 2º e 3º ano do ensino médio se recusaram a apresentar na feira cultural um trabalho sobre cultura africana porque acharam que seria uma ofensa a sua religião e aos seus princípios morais. Eles propuseram uma dissertação sobre “As missões evangélicas na África”, e a escola rejeitou.

“O que eles [evangélicos] queriam apresentar fugia totalmente do tema”, disse Raimundo Cleocir, coordenador adjunto da escola. Segundo um dos alunos, o tema "Conhecendo os paradigmas das representações dos negros e índios na literatura brasileira, sensibilizamos para o respeito à diversidade" contraria a sua religião. "A Bíblia Sagrada nos ensina que não devemos adorar outros deuses, e quando realizamos um trabalho desses estamos compactuando com a idéia de que outros deuses existem e isso fere as nossas crenças no Deus único."

É óbvio que este argumento não saiu de seus bestuntos. Crianças não são assim tão estúpidas. Tal idéia só poderia ter partido de algum pastou analfabeto, daqueles carregam a Bíblia debaixo do sovaco, lendo apenas os versículos que convêm a seu fanatismo. Dito e feito. Segundo a notícia, por detrás da reação dos evangélicos está o pastor Marcos Freitas, do Ministério Cooperadores de Cristo.

Como se na Bíblia houvesse um só Deus. Ainda há pouco, eu afirmava que os católicos, de modo geral, nada entendem do catolicismo. Tampouco os evangélicos entendem o cristianismo. Há quem julgue existir um só deus na Bíblia. Nada disso, o Antigo Testamento é politeísta. Os deuses eram muitos na época do Pentateuco. Jeová é apenas um entre eles, o deus de uma tribo, a de Israel.

Em La Loi de Moïse, escreve Soler: “Ora, nem Moisés nem seu povo durante cerca de um milênio depois dele – os autores da Torá incluídos – não acreditavam em Deus, o Único. Nem no Diabo”. A idéia de um deus único só vai surgir mais adiante, no dito Segundo Isaías. Reiteradas vezes escreve o profeta:

"Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus".

Num acesso de egocentrismo, Jeová se proclama o único:

"Quem há como eu? Que o proclame e o exponha perante mim! Quem tem anunciado desde os tempos antigos as coisas vindouras? Que nos anuncie as que ainda hão de vir. 8 Não vos assombreis, nem temais; porventura não vo-lo declarei há muito tempo, e não vo-lo anunciei? Vós sois as minhas testemunhas! Acaso há outro Deus além de mim?"

Ou ainda:

"Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cinjo, ainda que tu não me conheças. (...) Porventura não sou eu, o Senhor? Pois não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há além de mim".

Só aí, e tardiamente, surge na Bíblia a idéia de um só Deus. Jean Soler nota uma safadeza nas traduções contemporâneas da Bíblia: Jeová está sumindo. Fala-se em Deus ou Senhor, em Eterno ou Altíssimo. Como Jeová é apenas o deus de Israel, melhor esquecer o deus tribal. Ao que tudo indica, alguns tradutores fazem um esforço para transformar um livro politeísta em monoteísta. Substituiu-se a monolatria - culto de um só deus nacional - pelo monoteísmo, culto de um deus único.

O pastor Marcos Freitas criticou ainda os livros que a escola listou para que os alunos lessem. "Tinha homossexualismo no meio, eles querem que os alunos engulam isso?"

Como se na Bíblia não houvesse homossexualismo. Ora, o homossexualismo é tão presen te no Pentateuco que é punido com morte. Vai ver que era uma epidemia. Por que foi destruída Sodoma? Quando Ló recebe os dois anjos que haviam visitado Abraão, para anunciar-lhe a destruição de Sodoma e Gomorra, os sodomitas cercaram sua casa e o intimaram: “Onde estão os homens que vieram para tua casa esta noite? Traze-os para que deles abusemos”. Os anjos, pelo jeito, eram divinos.

“Ló saiu à porta e, fechando-a atrás de si, disse-lhes: ‘Suplico-vos, meus irmãos, não façais o mal! Ouvi: tenho duas filhas que ainda são virgens; eu vô-las trarei: fazei-lhes o que bem vos parecer, mas a estes homens nada façais, porque entraram sob a sombra de meu teto’”.

Ló, deve estar o leitor lembrado, foi o único homem justo que Abraão encontrou para recomendar ao Senhor. Verdade que era primo de Abraão — o que nos mostra que nepotismo não é achado moderno — e mais tarde gerou, com sua filhas, Moab e Ben-Ami. Almas generosas é o que o não falta para justificar a intercessão de Ló: oferecendo suas próprias filhas àqueles perversos, para evitar que abusassem de seus hóspedes, Ló seguiu as exigências da hospitalidade, que impunham ao hospedeiro proteger seus hóspedes a qualquer custo. Hospitalidade é isso aí.

Tal gesto, nós o vemos novamente em Juízes. Em Gabaá, o levita de Efraim é hospedado por um ancião. Traz consigo sua concubina e seu servo. Os viajantes se reanimavam, eis que surgem alguns vagabundos da cidade, fazendo tumulto ao redor da casa e, batendo na porta com golpes seguidos, diziam ao velho, dono da casa: "Faze sair o homem que está contigo, para que o conheçamos". Então o dono da casa saiu e lhes disse: "Não, irmãos meus, não façais semelhante mal; já que este homem entrou em minha casa, não façais essa loucura. Aqui estão a minha filha virgem e a concubina do homem; fá-las-ei sair; humilhai-as a elas, e fazei delas o que parecer bem aos vossos olhos; porém a este homem não façais tal loucura".

Não quiseram ouvi-lo. Então o levita de Efraim tomou sua concubina e a levou para fora. Eles a conheceram e abusaram dela toda a noite até de manhã e, ao raiar da aurora, deixaram-na”. Ao voltar para casa, o levita pega um cutelo, corta sua concubina em doze pedaços e os remete a todo território de Israel.

O pastor Marcos Freitas, que criticou os livros listados pela escola - porque tinham "homossexualismo no meio, eles querem que os alunos engulam isso?" – certamente nada tem contra aquele outro livro, onde o único homem justo de Sodoma oferece as filhas virgens à turba em troca da preservação da honra de seus hóspedes. Onde um outro anfitrião, para proteger um levita, também oferece sua filha virgem. Onde o levita, para preservar-se, oferece sua concubina e, depois de a ver conspurcada, a corta em doze pedaços e os envia às doze tribos de Israel.

Isto sim é louvável, digno e justo. Este é o livro que os alunos devem engolir. Esses livrinhos tímidos que a escola recomenda, que jamais ousariam tais vôos, esses não são recomendáveis.