¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quarta-feira, novembro 07, 2012
 
SOBRE MEU DESAPREÇO
PELAS COISAS NOSSAS



Nunca tive grande apreço pelo Brasil, e disto nunca fiz segredo. Há quem julgue que uma pessoa tem a obrigação de orgulhar-se do país onde nasceu. Ok! Diga então isto a um negrinho que nasceu em Kinshasa ou Mogadíscio. Eu me orgulho no máximo de ser humano, e olhe lá! Quando observo certos espécimes de minha raça, preferiria ser macaco.

Nascido na fronteira, sou mais platino. Me sinto muito mais em casa em Montevidéu ou Buenos Aires, em Barcelona ou Madri, do que em Porto Alegre ou São Paulo. Ora, direis, por que então não vives lá? Na Espanha, até que já tentei. Quando tentei, não dispunha de dinheiro para tanto. Metro quadrado muito caro. Hoje até que poderia morar lá. Ocorre que meus amigos, meus afetos – e mesmo os desafetos -, estão todos aqui. Sem falar que as cidades que adoro estão sempre ao alcance de minha mão. Inclusive é bom que assim seja. Se vivesse lá, mais dia menos dia acabaria me aborrecendo com as coisas nacionais. Para o estrangeiro de passagem, tudo é festa.

Já contei, conto de novo. Em 71, estava abandonando o Brasil e não fazia parte de meus projetos voltar. No salão Opala do Eugênio C, transatlântico que já foi desarmado, encontrei uma francesa que voltava da Amazônia, fascinada. C'est magnifique, me repetia com olhar sonhador. Eu não conseguia entendê-la. Mas na Amazônia só há árvores, índios e bichos - objetei. C'est ça! - me respondeu. Ela, oriunda de um mundo milenar e cosmopolita, queria ver o que ficara à margem da civilização. Eu, que nascera naquelas margens, queria a civilização propriamente dita.

Brasileiro, de índios só quero distância. Com eles nada tenho a ganhar, culturalmente. Que antropólogos os adorem, entendo. Índio, hoje, é o ganha-pão da antropologia. A francesa, européia e cosmopolita, queria ver atraso e primitivismo. Eu, vizinho do atraso e primitivismo, queria ver o presente e o futuro.

Brasileiro, procuro evitar brasileiros no Exterior. São abomináveis quando em grupo. Quando jovem, escrevi artigo na Zero Hora onde defendia que todo ser humano tinha direito a Paris. Que este item deveria constar da Declaração Universal de Direitos Humanos. Jovem escreve inevitavelmente bobagens. Adulto, reconsiderei: nem todo mundo tem direito a Paris. Houve quem reclamasse. Que ninguém tem mais ou menos direitos a Paris. Não concordo. Você sabe o que é voar com uma chusma de colorados, com aquele uniforme do Banrisul, alguns enrolados na bandeira do Brasil? Sabe o que é entrar no Charles de Gaulle com aquela canalha gritando em unissono: "atirei um pau no Grêmio e mandei tomar no cu..."?

E por aí afora. Viajei com estes animais, em dezembro de 2010. Iam para Abu Dabi. Não é que devam ser proibidos de entrar na França. Deveriam ser proibidos de entrar na Europa. Que direito tem a Paris esta canalha? Interessante observar que constituem uma elite econômica, de alto poder aquisitivo. Nao é qualquer brasileiro que banca uma viagem a Abu Dabi só para assistir a um jogo. Se esta elite se comporta assim, que sobra para o povão?

É quando me dá nojo ser brasileiro. Vontade de declarar ao guardinha de fronteiras que sou paraguaio, haitiano, ugandense. Ou seja, não morro de amores por minha pátria, muito menos por meus compatriotas. Se estou viajando com alguma amiga ou minha filha, mal ouvimos alguém falando português, calamos a boca. Ou falamos outra língua. Para não sermos confundidos.

Por estas e outras razões, quase nada conheço do Brasil. Porto Alegre, Santa Maria e Dom Pedrito, onde vivi. Mais rápidas incursões a Bagé, Livramento, Caxias, Gramado, Passo Fundo. Conheço Florianópolis e Curitiba, onde vivi. E São Paulo, onde vivo. Já estive no Rio e Brasília. E só. Não tenho interesse algum pelas cidades brasileiras. Não me atraem. Hoje, se me desloco de São Paulo, não é para revisitar cidades e sim para rever amigos que deixei para trás em minhas vidas passadas.

Quanto à Europa, me faltam poucas capitais a conhecer. Das capitais da Europa de cá, diria que só me faltam Edinburgh, Reykjavík e La Valletta. Gosto de cidades milenares. E baixinhas. Cidades verticais não me atraem. Em debates com universitários americanos, recebi um desses insultos modernosos: eurocêntrico. Eurocêntrico, sim senhor! Por acaso é crime? Que culpa tenho eu de gostar do bem bom?

Assim sendo, toda vez que manifesto meu desinteresse por nossas cidades, acabo ferindo suscetibilidades. Falei recentemente de minha total inapetência pelas chamadas cidades históricas mineiras. Recebi uma chuvarada de mails e postagens manifestando a excelência daquelas cidades.

Pode ser. Mas cidades de trezentos anos não competem com cidades de mil ou mais anos. A gastronomia mineira jamais ombreará com os séculos de cozinha de Paris, Madri ou Roma. Nos últimos trinta anos, tenho viajado basicamente para visitar cafés e restaurantes na Europa. Mais ainda, revisito sempre os mesmos. Cafés, dizia Buñuel, são templos para o recolhimento. Como não vou encontrar tais templos aqui, viajar pelo Brasil não faz muito sentido.

Sobre as cidades históricas, me escreve um bom amigo de Internet, o Rafael Moreira Furtado:

- Para mim, que estudo Arquitetura e Urbanismo, foi uma ótima oportunidade, pois foram cidades-chave no processo de interiorização do Brasil. Não vejo apenas pela ótica das igrejas, mas uso de uma visão mais ampla, que busca o contexto histórico de formação, a tipologia arquitetônica utilizada, assim como as referências - nesse caso, as cidades de Portugal. Além, óbvio, dos belíssimos trabalhos de preservação/restauração que vêm sendo feitos pelo IPHAN desde 1938.

- As igrejas não são um primor da opulência externamente, embora internamente apresentem belíssimos trabalhos em madeira talhada e coberta com folhas de ouro, com esculturas feitas por artesãos em sua maioria autodidatas. Destaco a já mencionada Igreja de N. S. do Rosário dos Pretos, em Ouro Preto, e sua interessante planta em elipse, que a torna diferente de todas as outras, assim como seu interior.

Discordar faz parte da vida, Rafael. Sem falar que para ti, estudante de arquitetura e urbanismo, essas cidades terão muito a dizer. Mas, sem ser estudioso do assunto, vou discordar de ti. Nesses termos, Paris ou Barcelona, ou Toledo ou Veneza, me dizem mais. As cidades são obra do tempo. Nossa curta história não compete com os séculos e milênios das cidades européias. Há uma diferença substancial entre trezentos anos e dois mil anos de história. Roma tinha água encanada antes de Cristo. Aqui e hoje, não é em qualquer lugar que temos.

Rafael recomenda a mim – e a todos - o excelente Historia de la forma urbana, de A. E. J. Morris. “Ele descreve todo o processo de formação urbana desde Ur até New York, passando por Egito Antigo, Índia, Europa antiga, medieval, renascentista, industrial, Américas Espanhola e do Norte. Leitura excelente pela riqueza de detalhes e pelas bibliografias recomendadas”.

Desconheço o livro, vou procurá-lo. Deixo uma outra sugestão, o livro que tem sido minha bíblia na hora de conhecer cidades: A Cidade na História, de Lewis Mumford (2vs). Morris vê na conversação a grande função espiritual dos aglomerados humanos: “Talvez a melhor definição de cidade, em seus aspectos superiores, é a que diz ser ela o lugar destinado a oferecer as mais amplas facilidades de conversação significativa. O diálogo é uma das expressões mais importantes da vida na cidade, delicada flor de seu longo crescimento vegetativo.

“Pela mesma razão, o símbolo mais revelador do fracasso da cidade, da sua própria inexistência como personalidade social, é a ausência do diálogo – não necessariamente o silêncio, mas igualmente o som ruidoso de um côro que pronuncia as mesmas palavras, num conformismo acuado embora complacente. O silêncio de uma cidade morta tem mais dignidade que os vocalismos de uma comunidade que não conhece nem o retiro nem a oposição dialética, nem a observação irônica nem a disparidade estimulante, nem um conflito inteligente nem uma resolução moral ativa”.

Volto a Minas. Sem ter conhecido suas igrejas, estou certo de que prefiro visitar as catedrais de Notre Dame ou Toledo, a basílica de São Marcos ou a catedral de Sevilha – “Faremos um templo para que os pósteros nos chamem de loucos”, disseram seus construtores. Penso não estar proferindo nenhuma heresia. Da mesma forma, aos pequenos picos que o Brasil me oferece, prefiro os Andes ou os Alpes. E os fjordes da Noruega me parecem mais estimulantes que os lençóis maranhenses.

Por outro lado, enquanto ouço português à minha volta, não sinto que estou viajando. Parece que não saí de casa. Fosse eu europeu, acho que viajaria pelo Brasil com prazer. Ocorre que não sou europeu. Não estou afirmando que o Brasil não tenha seus atrativos. Mas não conseguem competir com os ápices de beleza que o planetinha oferece. Seja em geografia, urbanismo ou arquitetura. Além disso, vasto é o mundo e a vida é breve. No meu caso, cada vez mais breve. Urge acelerar o ritmo. Estou sem tempo para Minas e mesmo para o Brasil.

Mês que vem, vou revisitar os fjordes noruegueses. Desta vez, em vez de sol da meia-noite, terei uma noite profunda, de 24 horas. Vamos – eu, minha fotógrafa particular e sua mãe - à caça de uma aurora boreal.

Depois disso, acho que dá pra morrer. Mas antes, um pé em Madri. Para rever o Oriente, El Espejo, Gijón, Sobrino de Botín.