¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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segunda-feira, abril 29, 2013
 
NÃO SE FAZEM MAIS
INTELECTUAIS COMO
ANTIGAMENTE



Com o perdão da má palavra, os ianques têm uma virtude extraordinária, a de transformar merda em ouro. Quando digo ouro, não falo do metal, tão buscado pelos alquimistas. Falo simplesmente de dinheiro. Quando digo merda, no caso estou me referindo a esses filmes de super-heróis, tipo Superman, Batman, Homem Aranha, Homem de Ferro e sei lá que mais. Fui grande cultor desses personagens quando era criança – ou pelo menos dos que naquela época existiam. Poderia até mesmo dizer que fui alfabetizado pelas histórias em quadrinhos. Tenho saudades daquelas matinês de sábados, em que a piazada ia ao cinema ver seriados de Flash Gordon e Hopalong Cassidy e trocar bibliografias. Com uma pilha de gibis já lidos nos braços, exercitávamos nossos dotes de comerciantes. Alguns tinham lábia de camelôs e eu, que nunca tive vocação para o comércio, acabava sempre lesado.

Coisas da infância. Aos quinze anos, já estava lendo o Quixote. Enquanto os demais países transpunham suas obras literárias para o cinema, os americanos filmavam seus heróis de quadrinhos. Que adolescentes os buscassem nos cinemas, até que entendo, era uma forma de revisitar a infância. Hoje, vejo que aquelas histórias idiotas geram superproduções milionárias e fazem lotar as salas do Brasil todo.

Por que idiotas? Porque os ditos super-heróis, dotados de superpoderes, não têm adversários à altura. Que pode fazer um pobre e mortal criminoso diante de um ser que derrete geleiras com o olhar, transporta aviões ou encouraçados com uma mão só, desvia cometas e remove montanhas? Não há chance, a história não tem graça. Verdade que a kripotnita – a verde – enfraquecia o Super-Homem, mas kriptonita não se encontra na esquina. Os autores de quadrinhos tiveram então de criar supercriminosos, afinal era preciso tornar difícil a vida dos heróis, ou as historietas perderiam todo e qualquer sabor.

Para crianças, tudo bem. Ocorre que hoje estes filmes lotam salas no país todo e – pior ainda – ocupam páginas e páginas nos jornais, produzidas por críticos que se desinteressam totalmente da qualidade de um filme e só escrevem sobre empulhações que atraem grande quantidade de espectadores. É triste ver as isabelas boscows e luís carlos mertens da vida assinando artigos na Veja ou Estadão sobre blockbusters.

Mas até que se entende. Os jornais sempre acabam se rendendo aos baixos instintos do grande público e precisam captar leitores. Além disso, os críticos de cinema precisam pagar por suas mordomias nas pré-estréias na Califórnia. O mais difícil de entender mesmo são jornalistas ou blogueiros que se pretendem independentes e se revelam fanzocas da mediocridade.

Postou ontem Rodrigo Constantino no Facebook:

- Mensagens filosóficas ou políticas, você não consegue fugir da essência de quem você é, blá-blá-blá. O que REALMENTE me impressionou em Homem de Ferro 3 foi algo mais banal, mais prosaico, mas totalmente atrelado ao conceito de cinema como a sétima arte, em minha humilde opinião: os efeitos especiais! Eu me senti transportado para um mundo à parte. É impressionante. Ver aquela maravilhosa mansão do Tony Stark ruindo foi algo espantoso, fora tantas outras coisas. Vai ver se Cuba ou Irã podem fazer algo parecido... :)

O “millenarista” que rema contra a corrente em defesa da empresa privada, ameaçada neste universo dominado pelo Foro de São Paulo e pelos malvados petistas, o campeão do liberalismo neste governo bolivariano, a jovem promessa do pensamento econômico tupiniquim, não passa então de um fanzoca do Homem de Ferro? E ainda deplora o cinema cubano ou iraniano por não ser capaz de produzir tais abacaxis? Ora, se os cinemas cubano ou iraniano têm alguma virtude, esta é certamente não ter know how suficiente para produzir tais abominações.

Entrei na discussão e acabei provocando a santa ira dos seguidores do jovem economista que, pelo jeito, está assumindo status de guru inconteste. Fui chamado até mesmo de senil. Ou seja, não curtir Homem de Ferro é ser senil. Pelo jeito, sou senil desde os quinze. Talvez até mesmo tenha nascido senil. Os americanos fazem filmes para adolescentes e pegam os barbados aqui no Brasil. Que esperar dessa geração? Como dizia o Nelson: envelheçam, jovens, envelheçam, antes que seja tarde.

- Filmes como esse fazem sucesso em todo lado, não só no Brasil – alega um dos acólitos do novel guru. É o que resta provar. Nunca vi, nas capitais da Europa, tais filmes monopolizando tantas salas de cinema. Nem ocupando a atenção de críticos de cinema, que, chez nous, comentam os filmes como se fossem grandes obras de arte. E mesmo que fizessem sucesso em todo lado, que tem isso a ver com arte? Números nunca foram sinônimo de qualidade artística. Se grandes vendagens fossem sinônimo de qualidade estética, Paulo Coelho seria o gênio nacional. Como aliás ele se julga.

- Janer Cristaldo, você está generalizando. Este tipo de distração é praticamente universal. Acho que ninguém aqui pretende elevar esse tipo de história a cânone. Gerações anteriores à presente, talvez como a sua, foram piores: deslumbraram-se com bobagens pseudo-intelectuais como a Nouvelle Vague.

Como quiser, meu caro. Mas - raras exceções à parte - sempre abominei o cinema francês. Puro teatro filmado. Durante os anos que vivi em Paris, como jornalista não pagava entrava em cinema. Mesmo de graça, sempre evitei o cinema francês. Seja como for, não posso levar a sério quem curte Homem de Ferro, Batman, Superman. São indigentes intelectuais. Se esses filmes fazem sucesso em todo lado, isso só significa que a estupidez é universal.

- Ou então que o ser humano gosta de se divertir.

Divertir-se com histórias idiotas? Com a indústria dos best-sellers? Desculpe-me, mas há formas bem mais inteligentes de diversão. Trata-se de indigência intelectual e não abro.

- Você demonstra um preconceito com relação a "best-sellers". Há muitos descartáveis, mas há alguns muito bons. A função econômica da arte sempre existiu ao longo da História. Além disso, soa muito presunçosa sua fala, como se não pudesse haver sequer alguma experiência humana de nível superior simbolizada em algum filme de super-herói, ou em algum rock. Você parece viver de Platão, Hauser e Toynbee 16h por dia.

Ah sim, está na moda. Para atualizar-se e passar por arte, os quadrinistas estão inserindo angústias existenciais no bestunto de seus personagens. Para acompanhar a época, já estão até mesmo surgindo super-heróis desmunhecados. Mas dá pra levar a sério angústias existenciais em heróis que se vestem de morcego ou usam uma cueca vermelha por cima da calça?

- Eu estava brincando. Quis dizer que ninguém aguenta viver só de alta cultura.

Claro que ninguém agüenta. Não vivo o dia todo respirando alta cultura. Seria sufocante. Mas me recuso a respirar baixa cultura.

- Muitos acham que o cinema está em decadência. Mas, vamos pensar um pouco. Por que tem tantos blockbusters hoje em dia? Por que todo ano tem tantos "épicos"? O mercado decidiu isso. Esses nostálgicos, por sua vez, acreditam que o mercado é "malvado" por isso.

"O mercado decidiu isso". Parece que você leva por demais a sério o mantra do Privatize Já.. Mercado também é Paulo Coelho, Zibia Gasparetto e outras sumidades. Só por que há mercado tenho de submeter-me a best-sellers idiotas? Sou adepto da economia de mercado. As sociedades de consumo me agradam. Por mais idiota e supérfluo que seja o produto, geram empregos. Mas me reservo o direito de não participar disso. E não tenho maior respeito por quem consome besteiras. Até admito que, num fim de noite, estando a coçar o saco em casa, você invista em um filme desses. São filmes tecnicamente bem feitos e servem como divertissement. Daí a levá-los a sério, conceder-lhes méritos como arte, vai uma longa distância.

Vivo em um pequeno círculo de amigos, todos com boas condições financeiras. Fora viagens, boa música e livros, não consomem quase nada. Um deles tem cidadania francesa e apartamento de três quartos em Paris. Como não gosta de Paris, vive feliz da vida em um quarto-e-sala em São Paulo. Tem carro mas quase não usa. Quanto a mim, nem carro tenho. Aliás, fora este amigo, ninguém mais de meu círculo tem carro. Não que eu seja exigente ao selecionar amigos, nem busque os que não consomem nem têm carro. Nada disso. Por afinidades eletivas, acabamos nos encontrando. Vivemos numa sociedade de consumo e não temos nada contra sociedades de consumo. Mas não consumimos.

Volta à carga Rodrigo Constantino:

- Janer Cristaldo, não saber separar as coisas é meio triste, assim como debochar de TODO best-seller. A Disney, por exemplo, pode ser um programa bem divertido com a família. E daí que muitos idiotas só pensam nisso? Vc pode curtir sem ser um deles. eu consigo apreciar Mozart, degustar um excelente Dostoievski, e depois escutar um rock maneiro na montanha-russa da Disney. Ainda bem!

Você curte também Disney, Constantino? Deplorável. Quando vai brindar-nos com uma foto ao lado de Mickey e Pateta? Enfim, cada um com seu cada qual. Nessas visitas à Disney, desconfio que os barbados levam os filhos como pretexto. Quem quer visitar são eles. Gosto não se discute, meu caro. Mas não consigo conciliar música com ruído nem Mozart com rock. Se você consegue, mes compliments. Ça me dépasse.

Não se fazem mais intelectuais como antigamente. Os intelectuais hodiernos curtem Disneylândias e super-heróis. Decididamente – e uso suas próprias palavras - você não consegue fugir da essência de quem você é.