¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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quinta-feira, maio 30, 2013
 
VOUS ÊTES BENIE ENTRE
TOUTES LES PEDRITENSES





Quem acha que vivo neste mundo, em muito se engana. Vivo em 2013, é verdade, mas não tenho muita idéia do que ocorre nestes dias. Os jornais me falam de celebridades que vendem milhões de discos, que publicaram dezenas de livros e não tenho idéia de quem sejam.

Ainda há pouco, alguém me falou de um tal de Luan Santana. Tive de recorrer ao Google para saber quem era. Não passa dia sem que eu leia em algum jornal: morreu o escritor fulano de tal. O fulano era então escritor? Só fui saber no dia de sua morte.

Decididamente, vivo fora deste insensato mundo. Há três anos, li nos jornais que São Paulo shows do Black Eyed Peas, Jonas Brothers e Eminem. Ora, eu não tinha – nem tenho hoje - a mínima idéia de quem sejam estes senhores. Me espanta que tenham público em São Paulo.

Vivo fora desse mundo. Lembro que há uns vinte anos, uma sobrinha veio do Rio Grande do Sul para ver um show de um tal de U-2. Que é isso? – perguntei. Ela se escandalizou. Eu, jornalista, não sabia o que era o U-2? Não sabia, não. E não sentia falta alguma por não saber. Parece que eram muito conhecidos no Brasil, já que gentes do país todo acorreram a São Paulo para ver os ditos.

Vivemos tempos medíocres, em que a mídia louva e incensa medíocres que não valem um vintém, como se fossem grandes vultos da história ou da cultura. Basta morrer um drogado do mundo do show business, e no mesmo dia vira herói. Quando morreu Amy Winehouse, leitores me pediram um comentário sobre sua morte. Ora, pouco ou nada sei sobre a moça, esse mundo do show-business nada me diz. Leitor de jornais, claro que tropecei várias vezes com seu nome. Apenas tropecei e segui em frente. Ídolos não me interessam. E suicidas não me comovem.

Cá no Brasil, têm sido celebrado como heróis pobres diabos que sequer sabem gerir as drogas que ingerem. De Janis Joplin a Cazuza. Ainda há pouco, ganhou as manchetes um roqueiro semianalfabeto e drogado, o tal de Lobão, só porque escreveu um livro onde diz um amontoado de besteiras. A louvação da imprensa é unânime quando morre um medíocre famoso. No dia de sua morte, Lobão terá seu panteão.

Vivo longe deste mundo. É o mundo pintado com genialidade por Enrique Discépolo, em Siglo XX, Cambalache, tango que vale por uma obra filosófica.

Que el mundo fue y será una porquería
ya lo sé...
(¡En el quinientos seis
y en el dos mil también!).
Que siempre ha habido chorros,
maquiavelos y estafaos,
contentos y amargaos,
valores y dublé...

¡Hoy resulta que es lo mismo
ser derecho que traidor!...
¡Ignorante, sabio o chorro,
generoso o estafador!
¡Todo es igual!
¡Nada es mejor!
¡Lo mismo un burro
que un gran profesor!

Ainda há pouco, escrevi sobre minha ojeriza aos intelectuais. Quem salva o Brasil – afirmei – é aquele anônimo cidadão que faz seu humilde – ou não tão humilde – trabalho, sem palavras nem intenções grandiloqüentes, mas tratando de fazê-lo da melhor maneira possível. É o padeiro que distribui o pão nosso de cada dia, o garçom que nos serve, o taxista ou motorista que nos conduz. Ou o professor que se sente bem educando, consciente de que está semeando o futuro.

¡Lo mismo un burro que un gran profesor! – dizia Discépolo sobre o século XX. Como não sou o século XX – nem nele vivo, de certa forma – prefiro cultuar meus anônimos professores, que foram indubitavelmente maiores que roqueiros idiotas ou celebridades vazias, mas jamais foram lembrados pela imprensa. Meus heróis são outros. Não é de hoje que louvo os professores que tive em Dom Pedrito. Entre eles, Maria Veiga Miranda, que me ensinou francês e me levou a Paris, muito antes de que lá chegasse.

No Colégio do Patrocínio, Maria instalou uma boutique, que só se podia freqüentar em francês. Era minha aula preferida. Eu não tinha idéia alguma porque aprendia francês naquelas bibocas, mas me agradava falar outra língua. Era como se saísse de mim mesmo. Só entendi o sentido daquele ensino no dia em que defendi uma tese em Paris. Quando entrei na sala Bourjac, no vetusto prédio da Sorbonne, para minha soutennance, meu primeiro pensamento foi para ela. Maria é hoje uma brisa do Sena que paira sobre as margens do Santa Maria. No dia em que Maria partir, Dom Pedrito ficará mais pobre.

Maria é daqueles que seres que, mesmo aposentados, jamais se aposentam. Já perto dos oitenta, todos os dias trota, lépida e faceira, pela Barão de Upacaray até o Horto, onde continua a missão que se atribuiu, semear a cultura francesa em um agreste de idéias. Discépolo tinha razão. Paulo Coelho recebeu a Légion d'Honneur e Maria não.

Hoje é dia de festa para as gerações que passaram pelas mãos de Maria. Dom Pedrito celebra mais de setenta voltas em torno ao sol de um de seus grandes homens. Maria cumpre não mais um ano de vida, mas mais um ano de magistério.

Je vous salue, Marie, pleine de grâces, la Sagesse est avec vous, vous êtes bénie entre toutes les pedritenses. Grosses bises et à un de ces quatres.