¡Ay de aquel que navega, el cielo oscuro, por mar no usado
y peligrosa vía, adonde norte o puerto no se ofrece!
Don Quijote, cap. XXXIV

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domingo, junho 30, 2013
 
AFFONSO CELSO 2013



A bicicleta precisa continuar andando. Depois de uma capa ufanista, em que celebrava os “sete dias que mudaram o Brasil”, a Veja desta semana nos brinda com uma arte na qual o palácio do Planalto está à beira do abismo e a bandeira do PT, uma bola da Copa e ratos rolam precipício abaixo. Cá entre nós, alguém viu algum rato rolando ladeira abaixo? A bem da verdade, só um mísero ratinho, o deputado Natan Donadon, de Rondônia.

O grosso da rataria continua se refestelando no Congresso, a começar pelo presidente do Senado. Como observa Dora Kramer, apesar de alvo de processos no STF por peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos, Renan Calheiros assumiu o papel de arauto das ruas. Que Brasil mudou com Calheiros, Sarney, Paulo Maluf, José Genoíno e João Paulo Cunha imbuídos de mandato parlamentar? Contem outra.

Quanto à Copa e o PT, passam bem, obrigado. A redação da Veja deve ser composta majoritariamente de jovens. Só jovens para achar que multidões que não sabem o que querem mudam um país. Wishful thinking e nada mais. A outrora combativa Veja está se tornando a maior revista de auto-ajuda do país.

Em quem eles vão votar? – pergunta-se retoricamente a revista em reportagem. E retoricamente responde: com Dilma isolada pelo PT, a oposição flexiona os músculos para capturar a energia e dançar no ritmo das manifestações.

A Folha de São Paulo de hoje joga um balde de água fria ao otimismo desbordado de Veja. Na quinta e na sexta-feira passadas, o Datafolha entrevistou 4.717 pessoas em 196 cidades. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos.

Lula é testado em duas simulações. Numa delas, vai a 45%. Nesse cenário, Marina, Joaquim, Aécio e Campos somam juntos 43% e ficam empatados tecnicamente com o ex-presidente. Haveria possibilidade de segundo turno.

Em outra cartela, quando o nome de Joaquim não é incluído, Lula tem 46% contra 37% de Marina, Aécio e Campos somados - aí o petista venceria no primeiro turno. Em que as manifestações mudaram o Brasil? Verdade que dona Dilma caiu bastante nas pesquisas. Mas queda de poste em pesquisa em pouco ou nada muda o país.

Ninguém sabe o que os manifestantes queriam e cada um interpreta o caos a seu modo. Quem disse que as multidões queriam uma Constituinte ou um plebiscito? Só no bestunto da dona Dilma e de seus áulicos. A tentativa da presidente de responder às “ruas” foi tão desastrada que não durou sequer 24 horas. Como também foi desastrada sua emenda ao soneto, a idéia de plebiscito. Daqui a três meses não se fala mais no assunto.

Quem diz que as manifestações eram contra o PT? Só mesmo a Veja. Talvez alguns grupos até se manifestassem contra o PT, mas estavam longe de constituir um número significativo. Por outro lado, um milhão pode parecer muito, mas no Brasil é muito pouco: apenas 0,5 do país.

Há práticas de Estado bem mais graves que a corrupção e que foram ignoradas pelos manifestantes. Por exemplo, o calote dos precatórios. Há gente morrendo sem receber o que lhes é devido e nem mesmo seus herdeiros alimentam esperanças de recebê-lo. O Estado não paga e estamos conversados. Não vai nisto nenhuma corrupção, a atitude do Estado está amparada por lei. Algum cartaz contra este absurdo? Que me conste, nenhum.

Adeus à pátria de chuteiras, diz Veja em título de outra reportagem. Então esperemos pelo ano que vem. A revista não se furtará a dar capas e mais capas à Copa.

Mas o mais insensato de todo este imbróglio foi a celebração da derrota da PEC 37. Nos últimos dias, constituiu bandeira de honra dos “jovens”. Duvido que algum - um só que fosse - dos manifestantes tenha lido a PEC 37. Aliás, a maioria nem deve saber o que é PEC. O fato é que a constituição de 88 não definiu muito bem a função do Ministério Público e os procuradores passaram a atribuir-se a defesa de todas as dores do mundo.

Neste universo de opiniões sem fundamento, é em editorial do Estadão de hoje que encontramos uma dose de sensatez. Segundo o jornal, para tentar aplacar os protestos, a Câmara mudou de entendimento e derrubou a PEC por 430 votos contra 9. A Mesa da Câmara chegou a anunciar que a votação seria adiada para agosto, mas o presidente Henrique Alves (PMDB-RN) voltou atrás, fazendo um apelo pela rejeição, alegando que "o povo brasileiro quer cada vez mais combate à corrupção".

No plano político, a decisão primou pelo oportunismo. No plano técnico, ela terá efeitos desastrosos. Alegando que os promotores e procuradores têm exorbitado de suas competências, os delegados das Polícias Civil e Federal argumentavam que a PEC 37 redefinia as competências das duas categorias, evitando conflitos funcionais. Temendo perder poder e prestígio institucional, os MPs federal e estaduais alegaram que a aprovação da PEC 37 comprometeria a autonomia da instituição, impedindo-a de "combater a impunidade". O lobby dos promotores foi mais forte que o dos delegados e o marketing político prevaleceu sobre a racionalidade jurídica. (...)

Se a Assembléia Constituinte não incluiu a investigação criminal na lista de competências específicas do MP, enunciada pelo artigo 129, é porque não quis dar ao MP uma força institucional que pusesse em risco as garantias processuais dos cidadãos. Afinal, o MP é parte nas ações judiciais. Por isso, não faz sentido que, nos inquéritos criminais, os promotores e procuradores sejam simultaneamente acusadores e condutores da investigação. Isso desequilibra o devido processo legal, na medida em que a outra parte - a defesa - não pode investigar nem promover diligências. Além do mais, a Constituição é clara ao afirmar que cabe às Polícias Civil e Federal exercer a função de polícia judiciária - e, por tabela, presidir inquéritos criminais.


A verdade é que, com a Constituição Cidadã, os procuradores se sentiram sem norte e se atribuíram a missão de tratar de todas as dores do mundo. A rigor, o artigo 129 da “Cidadã’ confere aos procuradores tanto a mediação de brigas de condomínio como de invasões de índios. Recentemente, um destes senhores tomou a defesa das “terras ancestrais” de um punhado de bugres, que acamparam há seis anos em um prédio público no Rio e o denominaram pomposamente de aldeia Maracanã, nome que a imprensa acabou assumindo com gosto.

É fácil – e tentador – seguir atrás de slogans. O slogan é curto e sintetiza toda uma visão de mundo. Ocorre que os fatos, e particularmente os fatos jurídicos, são complexos e não podem ser resumidos em duas ou três palavras. No Brasil também há revoluções - parecem querer dizer os jornalistas. Esta bajulação da multidão pela imprensa está mais parecendo um affonsocelsismo fora de época que, em vez de louvar as riquezas da pátria, louva os desvarios de uma multidão acéfala.

Só porque brasileira.